As contas dos principais sectores
Saúde inverte ciclo de cortes e promete descida de cêntimos em taxas moderadoras. A Educação fica com ainda menos 700 milhões de euros e só o pré-escolar ganha. Para a Justiça também vai menos dinheiro.
Saúde
Mais dinheiro para o SNS
O Serviço Nacional de Saúde (SNS), no último ano da legislatura do Governo de Passos Coelho, vai conhecer um revés no caminho de cortes dos últimos três anos. Tal como prometeu o ministro Paulo Macedo, em 2015, o SNS vai contar com mais 154 milhões de euros, ao mesmo tempo que os utentes vão pagar menos taxas moderadoras nos hospitais, mas o mesmo nos centros de saúde.
A despesa total consolidada para a área da saúde em 2015 será de 9054,4 milhões de euros, o que corresponde a mais 0,6% (51,6 milhões de euros) do que o estimado para este ano, indica a proposta do Orçamento do Estado para 2015. O SNS, que se prevê que neste ano receba 7720 milhões de euros, irá contar com um acréscimo de 2%, para os 7874 milhões.
Este reforço de despesa não impediu Paulo Macedo de conseguir concretizar mais uma promessa. Para o ano, sempre que os utentes do SNS precisarem de uma consulta com o médico de família ou com o enfermeiro no centro de saúde vão pagar exactamente o mesmo que neste ano. O valor poderá baixar perante um cenário de deflação. Já no caso dos actos hospitalares, o Governo decidiu regressar ao valor das taxas de 2013. Esta mudança implica que o utente passe a pagar 20,60 cêntimos por uma urgência hospitalar polivalente, quando em 2014 o valor ficou nos 20,65 cêntimos. Em todos os casos a descida será de cêntimos.
Na divisão da despesa de mais de 9000 milhões pelas várias áreas, a proposta de OE estima que 55,5% desta verba seja destinada à aquisição de bens e serviços e 40,2% à despesa com pessoal. No que diz respeito às parcerias público-privadas, o documento prevê uma despesa de 840 milhões de euros com quatro unidades: Braga, Cascais, Loures e Vila Franca de Xira.
Entre as medidas que vão marcar o próximo ano destaca-se a criação de uma taxa adicional para os laboratórios, com o objectivo de que contribuam para a “sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde na vertente dos gastos com medicamentos”. O Governo desistiu do acordo que tem com a indústria farmacêutica para reduzir a despesa pública com medicamentos em 160 milhões de euros e quer substituí-lo por uma taxa aplicada directamente às vendas dos laboratórios e que varia consoante o tipo de medicamento.
A medida incide “sobre o total de vendas de medicamentos realizadas em cada mês”, mas carece de “autorização legislativa” posterior, o que pode comprometer a data de entrada em vigor. A taxa chegou a estar em cima da mesa neste ano, mas a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma) e a tutela acabaram por conseguir manter o acordo que passa por os laboratórios contribuírem com um valor pré-estabelecido para o equilíbrio das contas do SNS. O acordo para 2014 estimava uma poupança de 160 milhões de euros que fica em risco.
Ao mesmo tempo, sai deste Orçamento a ideia que estava inscrita no de 2014 de taxar os produtos com açúcar e sal em excesso e que deveria contribuir para os 300 milhões de euros de redução da despesa que o sector da saúde precisava de conseguir. O Governo optou por introduzir mais produtos no imposto sobre o tabaco (IT), como os cigarros electrónicos, o rapé, o tabaco de mascar e o tabaco aquecido. O alargamento da tributação é justificado pelo executivo “por razões de defesa da saúde pública, bem como de equidade fiscal”. Com estas alterações, o Governo estima encaixar mais 105,9 milhões de euros de receitas fiscais.
Há também medidas específicas para os profissionais de saúde. A solução do Governo para os problemas de distribuição de recursos humanos em Portugal passa por dar, em 2015, incentivos aos médicos que aceitem ir para uma “zona carenciada”. Mas deixa para mais tarde a concretização do que poderão receber os clínicos. Romana Borja-Santos, com Ana Rute Silva e Luís Villalobos
Educação
Despesa recua mais 700 milhões de euros
Depois dos cortes sucessivos dos últimos exercícios, no próximo ano o Governo vai destinar menos 700 milhões de euros ao sector. Só o pré-escolar, em consequência do alargamento da rede pública, contraria esta tendência, recebendo mais 5% de investimento do que no ano passado.
A despesa total do ensino básico e secundário e da administração escolar inscrita no OE atinge os 5539,5 milhões de euros. Este valor corresponde a um decréscimo de 11,3% face à estimativa de despesas deste ano, ou seja, são menos 704,4 milhões de euros destinados à Educação. Nos três anos de vigência do memorando de entendimento, o sector tinha tido o triplo da dose de austeridade prevista, com um corte de 1100 milhões de euros nas transferências do Estado.
Para o próximo ano, o Governo estima que as medidas sectoriais incluídas no Orçamento resultem numa poupança de 62 milhões de euros. A restante diminuição da despesa advém do impacto da redução das contribuições para a ADSE e de outras medidas de consolidação orçamental transversais a todos os sectores da administração pública. O corte nos gastos com a Educação atinge, em menor medida, as transferências do Estado para o ensino particular e cooperativo, que recuam 1,1%, para 237,3 milhões de euros no próximo ano.
Na excepção que é a educação pré-escolar, os gastos estimados são de 457,8 milhões de euros, mais 5,1% do que em 2014. Esta variação explica-se pelo investimento no alargamento da rede do pré-escolar e por uma maior cobertura da Componente de Apoio à Família e Actividades de Enriquecimento Curricular.
O OE não contempla surpresas para o ensino superior. Tal como tinha sido comunicado no Verão pelo Governo às instituições públicas, haverá um corte transversal de 1,5% nas transferências para as universidades e institutos politécnicos. A despesa total com o programa de Ciência e Ensino Superior inscrita no documento sofre, porém, um acréscimo ligeiro de 0,1% face ao ano passado – totalizando 2245,5 milhões de euros. Este reforço deve-se ao aumento de despesa com o sistema científico, por via do início da aplicação dos fundos do novo quadro comunitário de apoio que são destinados à investigação. Samuel Silva
Justiça
Investigação, tribunais e prisões mais pobres
O combate à corrupção e ao crime económico continuam a fazer parte do programa de intenções do Governo neste Orçamento do Estado, mas os quadros que revelam a crueza dos números não o confirmam.
Assim, se em 2014 as despesas previstas para a área da investigação – o que inclui a Polícia Judiciária – somam perto de 118 milhões, o equivalente a 7,7% do orçamento da Justiça, para o ano que vem já só aparecem inscritos 106,5 milhões, ou seja, 6,7% do bolo total. O mesmo sucede no sistema judiciário, que inclui os tribunais, e no sistema prisional, ou não fosse a Justiça atingida em 2015 por um corte global de 122,4 milhões (menos 8,4%). A excepção surge nas despesas com pessoal, em que se reduzirão 74,6% do orçamento no ano que vem, num total de 997 milhões. As previsões para 2014 estimavam as despesas com salários em pouco mais de 70% (919 milhões de euros).
Ao todo, no ano que vem haverá para gastar 1336 milhões, enquanto até ao final de 2014 devem ser despendidos 1458 milhões, verba que já inclui os orçamentos rectificativos. Porém, se excluirmos estes rectificativos, os gastos no sector da justiça deviam ter ficado pelos 1303 milhões, que é o montante inicialmente inscrito no Orçamento do Estado de 2014. Assim, no ano que vai terminar, as despesas superaram em muito o inicialmente previsto. O Ministério da Justiça nunca explicou cabalmente porquê, e o segundo orçamento rectificativo alude a um vago “reforço dos programas orçamentais” da área. Ana Henriques
Segurança Interna
Corte de 49 milhões em 2015
A área da segurança interna vai sofrer no próximo ano um corte de 49 milhões em 2015. Uma parte do corte deve-se a poupanças com a redução das necessidades de ingresso de mais pessoal; porém, na proposta de Orçamento do Estado (OE), o Ministério da Administração Interna (MAI) garante que não fica comprometida a eficácia dos serviços que integram esta tutela. A proposta do OE para 2015 é de 1953 milhões de milhões de euros, o que representa um corte de 4,2% face a este ano.
“Sem prejudicar os níveis de eficácia dos serviços do MAI, foi identificado um conjunto de poupanças”, entre elas, esclarece o documento, está a reorganização dos dispositivos da PSP em Lisboa e no Porto, que permitirá libertar cerca de 400 elementos para funções operacionais e “reduzir a necessidade de ingressos” na PSP. O processo, iniciado no final de 2013, significa uma poupança anual de 11 milhões de euros e permitirá também a “afectação de recursos” mais eficiente nessas cidades.
O OE prevê juntar às medidas sectoriais medidas transversais de redução da despesa com pessoal através de aposentações sujeitas às disponibilidades orçamentais. Neste ponto e ao contrário do OE para 2014, não é explícito que ficam suspensas as pré-reformas na GNR e PSP.
A tutela destaca ainda poupanças no âmbito da “unidade ministerial de compras”. Em 2015, entrarão em vigor novos procedimentos de contratação pública, entre os quais se destacam “a Rede Nacional de Segurança Interna” (que representará uma redução de 45%, cerca de quatro milhões de euros por ano) e as “comunicações móveis do MAI" (redução de 50%, cerca de 700 mil euros por ano).
O MAI espera também “poupanças significativas no concurso para o sistema 112, bem como noutros procedimentos na área da segurança rodoviária, assegurando um nível equivalente ou superior”. Por outro lado, a tutela irá ainda poupar 10 milhões com a racionalização das despesas de operação e manutenção de meios aéreos de combate a incêndios florestais e quatro milhões com a renegociação do contrato relativo ao Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança em Portugal. Pedro Sales Dias
Defesa
Mais 1,8% de verbas
O Ministério da Defesa Nacional (MDN) tem um acréscimo de 1,8% face à estimativa deste ano, correspondendo a 2216,1 milhões de euros. Uma verba subordinada ao cumprimento de mais uma etapa do programa da reforma Defesa 2020, que no final de 2015 terá reduzido em 30% o pessoal civil do sector. No âmbito do programa Defesa do MDN, as Forças Armadas representam 77,8% do total da despesa para o próximo ano, incluindo as despesas com o efectivo militar e operacionais dos três ramos.
Em 2015, com um impacto de 81 milhões de euros, está prevista a conclusão dos processos de reestruturação da Empordef, a holding pública das indústrias de Defesa, a privatização da Empresa de Tecnologias de Informação e a alienação da participação na companhia de electrónica EID.
A reforma da Saúde militar traduz-se numa despesa orçamentada de 399,9 milhões de euros, mais 25 milhões que em 2014. Nuno Ribeiro
Autarquias
Mais 131 milhões de euros
Em ano de eleições legislativas, as autarquias locais deverão receber no próximo ano 2357 milhões de euros, o que representa um aumento de 131 milhões de euros, face a 2014.
O aumento resulta em parte das transferências de verbas relacionadas com a descentralização de competências na área da educação e também com o aumento da receita de IRS – na parte que cabe aos municípios – que deverá conhecer um acréscimo de 83 milhões de euros em relação a 2014. Todavia, o valor da participação do IRS será ajustado em função das percentagens de que as autarquias possam vir a prescindir até ao máximo de 5%, para devolução aos munícipes.
As autarquias locais vão receber uma subvenção geral de 1727 milhões de euros por via do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF), correspondente à repartição de verbas do Estado para os municípios, e 163,4 milhões provenientes da subvenção específica do Fundo Social Municipal (FSM). Em relação ao FEF, o Estado mantém a retenção para cada município de 1% daquele fundo, que constitui receita própria da Direcção-Geral das Autarquias Locais (DGAL), uma medida que foi muito contestada pelas autarquias.
O montante de 163,4 milhões destina-se “exclusivamente ao financiamento de competências exercidas pelos municípios no domínio da educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico e dos transportes escolares relativos ao 3.º ciclo do ensino básico”, lê-se na proposta.
O montante global da subvenção geral para as freguesias é de 261,6 milhões de euros, o que representa aproximadamente mais 2,6 milhões relativamente ao montante arrecadado este ano. No próximo ano, o Governo perspectiva um total de 668 milhões de euros de empréstimos à Administração Local (AL), 213 milhões dos quais através do novo Fundo de Apoio Municipal (FAM) – o fundo mutualista criado pelo Estado e pelos municípios, para socorrer as câmaras com mais dificuldades. Margarida Gomes
Cultura
Aposta em festival
A Cultura vai ter uma dotação orçamental de 219,2 milhões de euros em 2015, o que significa um aumento de 20,4 milhões, um pouco mais de 10%, relativamente a este ano, cujo orçamento inicialmente previsto foi de 198,8 milhões.
Este montante contempla o aumento da despesa pela integração de novas entidades na área da administração pública, nomeadamente a Fundação Centro Cultural de Belém – o CCB tem prevista uma verba de 16,5 milhões de euros. O Governo anuncia que “2015 será um ano de consolidação de iniciativas que pretendem criar condições mais favoráveis para a sustentabilidade do património e para o desenvolvimento da criação cultural”. E, na lista em que discrimina algumas das iniciativas que irão marcar o calendário cultural do próximo ano, destaca-se uma aposta internacional “de grande envergadura” nos EUA, com a realização do festival de criação contemporânea portuguesa Iberian Suite: Arts Remix Across Continents, produzido pelo Kennedy Center for the Performing Arts, de Washington.
Na proposta, o Governo anuncia alterações no regime de mecenato cultural, flexibilizando "as condições de aproveitamento dos benefícios fiscais" e alargando "o regime ao mecenato de recursos humanos na área da cultura". "As alterações propostas visam flexibilizar o acesso ao regime do mecenato cultural (que pela primeira vez é autonomizado no âmbito do Estatuto dos Benefícios Fiscais)", lê-se no documento. Sérgio Costa Andrade
Negócios Estrangeiros
Quase metade é para gastos de pessoal
Os serviços do Palácio das Necessidades, a sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros que assegura a representação externa do Estado, têm um orçamento de 344,8 milhões de euros, o que corresponde a uma redução de 3,7 milhões de euros, menos 1,1% que este ano. Cerca de 76% da verba orçamentada, 310,3 milhões de euros, diz respeito aos Negócios Estrangeiros, 92 milhões são destinados à cooperação económica externa e 6,4 milhões à investigação científica, menos 300 mil euros que em 2014.
Da despesa total, 48% é para encargos com pessoal, incluindo a rede de ensino do português no estrangeiro. Já para contribuições em organizações internacionais serão gastos 75 milhões de euros, menos cinco milhões que este ano. Os objectivos do Governo são o redimensionamento da rede externa da representação, o reforço da presença consular e a renovação dos quadros. Nuno Ribeiro