Governo diz que as reformas estruturais já estão a resultar, mas o FMI não acredita
O entusiasmo do Governo com o recente crescimento da economia e com o desempenho das exportações não é partilhado pelo FMI, que avisa que pode não ser sustentável. E pede mais e melhores reformas estruturais.
O debate é descrito no relatório da décima avaliação do programa português publicado esta quarta-feira pelo FMI. Os responsáveis do fundo mostram pouco entusiasmo com os sinais de retoma da economia e colocam muitas interrogações à possibilidade de Portugal já ter conseguido mudar para um modelo de crescimento mais saudável. No decorrer da décima avaliação ao programa português, dizem, “expressaram preocupações de que as reformas realizadas até agora possam não ser suficientes para gerar uma forte resposta da procura e dar origem um modelo sustentável baseado nas exportações”.
Este sempre foi – a par com a correcção imediata dos valores do défice – um dos grandes objectivos do programa da troika para Portugal: fazer com que o país abandone um modelo económico muito baseado no consumo e passe a crescer apoiado numa balança externa positiva que vá reduzindo os elevados níveis de endividamento externo que foram atingidos.
É verdade que, nos últimos dois anos, Portugal conseguiu equilibrar a sua balança com o exterior, graças à continuação da subida das exportações e a uma queda abrupta das importações. Mas o FMI teme que este resultado não seja sustentável. “Com a importação de bens de investimento e de bens de consumo duradouros provavelmente a recuperar de níveis extraordinariamente baixos, poupanças mais elevadas seriam necessárias para garantir uma viragem sustentável na balança externa”, diz o fundo, defendendo que tal apenas é possível com “um crescimento mais forte e sustentado das exportações”.
Exportações insustentáveis
Conseguir atingir esse objectivo não será um problema, se apenas se ouvir o que os vários responsáveis do Governo têm dito sobre o desempenho do sector exportador nacional e o seu contributo para o crescimento da economia. Mas a verdade é que o FMI não está muito impressionado com os resultados obtidos nessa frente. “Os sinais de retoma [na economia] têm sido gerados principalmente por uma normalização da procura interna, enquanto se assiste a uma redução do contributo das exportações líquidas para o crescimento”, avisa.
E embora reconheça que o ajustamento das contas com o exterior foi mais rápido do que aquilo que estava planeado, o FMI vê muitas razões para pensar que pode não ser sustentável. A primeira causa para preocupação é o facto de “o ajustamento externo ter sido em grande parte um resultado da compressão das importações de bens não energéticos e pelo crescimento das exportações de combustíveis”. De acordo com os cálculos do FMI, pouco menos de metade do ajustamento na balança comercial deve-se à compressão das importações de bens que não os combustíveis, um terço ao aumento das exportações de combustíveis e um sexto devido ao aumento das exportações de serviços, maioritariamente nos serviços.
O problema destes números, avisa o fundo, é que têm tudo para não ser sustentáveis. “Esta dependência da compressão das importações de bens não energéticos e das exportações de combustíveis ameaça colocar em causa os ganhos conseguidos até agora quando as importações recuperarem dos níveis extraordinariamente baixos e as refinarias de petróleo eventualmente esgotarem a sua capacidade disponível”, diz o relatório do FMI que avisa ainda que a melhoria no saldo dos serviços “é vulnerável aos choques na procura de turismo”.
Mais reformas estruturais
A razão que o FMI encontra para este desempenho nas exportações ainda não ser sustentável é o facto de as reformas estruturais definidas no programa da troika e passadas para lei pelo Governo não estarem a ter o impacto desejado. Não porque não sejam as correctas, esclarece o FMI, mas porque a sua execução no terreno tem de ser mais eficaz. E porque, eventualmente, ainda são necessárias mais reformas.
No relatório, o fundo até felicita o executivo pela forma como mudou as leis e conseguiu que Portugal tivesse uma melhoria nos indicadores de flexibilidade da legislação laboral e do clima de negócios. Contudo, diz que “outras medidas do impacto das reformas têm sido equíocas”.
O fundo defende, por exemplo, que os custos unitários de trabalho (aquilo que uma empresa gasta com os seus trabalhadores), embora estejam a ser corrigidos, continuaram a descer menos do que nos outros países sujeitos a programas da troika. E lamenta o facto de permanecer um “rigidez na definição dos salários nominais”, o que significa que as empresas têm dificuldade em baixar os salários que pagam aos seus trabalhadores.
Outra área em que as reformas não estão a surtir o efeito desejado, segundo o FMI, é a das rendas dos sectores não transaccionáveis, ou seja, aqueles sectores que não estão sujeitos à concorrência do exterior, como a energia ou as telecomunicações. “Novos esforços para reduzir as rendas, aumentar a produtividade e reduzir os preços dos bens não transaccionáveis são críticos para reduzir os custos dos exportadores e aumentar a competitividade”, afirma o relatório.
Governo defende-se
Nas discussões que manteve com o fundo, o Governo português não concordou com esta visão. Quem o diz é o próprio FMI: “As autoridades [portuguesas] tiveram uma avaliação mais positiva do impacto das reformas.” O executivo salientou junto do fundo que a prova do impacto das reformas está nos números do crescimento e na viragem operada no saldo com o exterior, afirmando que os resultados fracos no investimento eram um resultado de “percepções erradas em relação à profundidade da mudança estrutural por que a economia estava a passar”. “Embora tenham concordado que manter o esforço de reforma é importante, [as autoridades portuguesas] pensam que a prioridade deve ser dada a tornar a administração pública mais eficaz no apoio à actividade económica e mudar o foco das instituições e políticas para a promoção do investimento”, afirma o FMI.
O desconforto provocado no Governo por este relatório do FMI foi esta quarta-feira evidente. Paulo Portas, vice-primeiro-ministro, que na terça-feira tinha classificado as exportações do sector agro-alimentar como o "porta-aviões da recuperação" económica, desvalorizou agora a visão do FMI sobre este tema. "As exportações portuguesas no início da crise internacional eram 28% do produto, hoje em dia superam 40% do produto. É uma proeza das empresas e de quem nelas trabalha e eu acredito mais na realidade económica, às vezes, do que algumas instituições nacionais ou internacionais que diziam que Portugal não conseguia exportar mais", afirmou à margem do The Lisbon Summit.