“A Cresap tem de ter um papel mais activo na avaliação dos gestores”
João Bilhim, presidente da comissão que recruta os dirigentes e gestores públicos, quer passar a avaliar o desempenho no exercício dos cargos. Ainda há 70 concursos atrasados, mas a Cresap estendeu o prazo até ao final desta semana.
Quantos concursos estavam por lançar até sexta-feira?
Estão em falta perto de 70. Do Ministério das Finanças, que era o mais atrasado, chegaram na sexta-feira os relativos à secretaria-geral e os da administração fiscal vão chegar [nesta] segunda-feira. A situação mais preocupante agora é a do Ministério do Emprego e da Segurança Social, que tem ainda em falta 20 concursos, que são por regra mais complexos. Do Ministério da Saúde chegou tudo a tempo.
Acredita que é possível serem todos publicados em Diário da República até ao final do ano?
Parece-me possível. Até porque sabem que não poderão pagar salários se não lançarem os concursos a tempo.
E se não lançarem a tempo?
Pode ser dada uma tolerância. O que importa é que, a 31 de Dezembro, todos os concursos estejam publicados em Diário da República, porque se não estiverem é de facto um problema porque os dirigentes deixam de estar abrangidos pela excepção prevista na lei e tem de ser cumprido o artigo que estabelece que ninguém pode estar mais de 90 dias em regime de substituição. Ou seja, no dia 1 de Janeiro de 2014, todo aquele que esteja neste regime para além desse prazo não pode receber salário na qualidade de substituto. As pessoas só agora é que começaram a perceber, porque andaram a empurrar isto com a barriga.
Até quando dará essa tolerância de tempo?
No máximo até ao final da semana.
Por que razão passou a publicar os resultados concursos na data em que envia os nomes para o Governo?
Até ao concurso para o Turismo de Portugal só colocava no site as propostas depois de o membro do Governo ter nomeado. A partir desse caso, e como havia uma forte pressão, achei que esta prática tinha de ser alterada, no sentido de aumentar a transparência. Isso tem uma outra vantagem. Como a lei não impõe uma data para o membro do Governo proceder à nomeação esta prática também faz uma certa pressão.
Quanto tempo demorará a terminar os concursos que faltam?
Para terminar devo ter uns 200 concursos, entre os que estão a decorrer e os que falta lançar. Vou ter um primeiro semestre do próximo ano a fazer avaliações curriculares e entrevistas. Não tenho esperança de ter tudo terminado antes do Verão do próximo ano.
Em relação aos casos atípicos, como os agrupamentos de centros de saúde, já há uma decisão definitiva sobre se devem passar pela Cresap ou continua ao critério de cada membro do Governo?
Continua ao critério de cada membro do Governo. O ministro da Saúde entendeu que não nomeava ninguém sem passar por aqui, os outros não são obrigados. As universidades, por exemplo, têm que passar pela Cresap: o director dos serviços jurídicos ou dos serviços sociais são directores-gerais. A lei obriga a abrir concurso.
Mas nos casos em que não é claro há ministros que não têm tido tanta sensibilidade?
Francamente não sei os casos concretos onde isso poderá ter acontecido. A nossa estrutura é mínima e nem sequer tenho a capacidade de saber. Temos cada vez mais trabalho, os reguladores são obrigados a vir à Cresap e os administradores das empresas municipais, a partir do momento em que lhes passou a ser aplicado o Estatuto do Gestor Público, também. Já tive pedidos da Cámara de Lisboa a perguntar como se interpreta e a minha posição é que o nome dos administradores deve vir à Cresap. O parecer não é vinculativo como para os restantes administradores de empresas públicas, mas têm de vir.
Já lhe chegou alguma proposta?
Ainda não.
Tem conhecimento de situações em que a Cresap foi contornada através das leis orgânicas dos organismos, que não prevêem a designação por concurso?
Não conheço nenhum caso que tenha fugido. Onde sinto que há resistência é, por exemplo, na Região Autónoma da Madeira que criou a sua própria Cresap. Do meu ponto de vista não faz sentido. No caso das grandes câmaras municipais que têm directores gerais deveriam vir à Cresap, mas nos termos da lei estão isentos. Entendo que a lei se lhes devia aplicar. Sinto resistências aí. Não faz sentido que o Estado no seu todo não tenha o mesmo tipo de comportamento na nomeação das chefias superiores.
Já discutiu esta questão com o Governo?
Com o secretário de Estado da Administração Pública (SEAP) já falei.
As chefias intermédias do Estado não deveriam também ser nomeadas por concurso?
Quando a direcção superior estiver resolvida, entendo que devemos ter um papel técnico-normativo de orientação e de auditoria. Parto do pressuposto de que alguém que foi nomeado de forma séria para director-geral não admitirá que na sua direcção-geral se faça recrutamentos que não tenham o mesmo rigor. À partida, actuando no nível superior, estou a actuar sobre a estrutura toda. Mas todos nós sabemos que o espírito está pronto mas a carne é fraca. Deveria haver uma forma de auditar a nomeação dos dirigentes intermédios. Quando atingirmos este ponto acho que posso sair da Cresap descansado, porque contribuí para que a meritocracia se impusesse na administração pública e não apenas numa fatia.
Acredita que no início do Verão depois de encerrar os concursos para os dirigentes já poderá avançar-se para as chefias intermédias?
Sim e tenho outra coisa que faz parte das atribuições da comissão e a que ainda não me dediquei: a questão da ética e da deontologia.
O que é que a Cresap pode fazer nestas áreas?
Pode definir um programa, apresentá-lo ao Governo e fazer pressão para avançar. Mas já estou a actuar. Pode-se criar um código de ética que dê algum enquadramento, mas isso é muito pouco. Estamos a falar de gestão e temos de perceber como, em articulação com o Conselho de Prevenção da Corrupção, podemos estabelecer algo que efectivamente seja ganhador para que a nossa administração pública possa apresentar comportamentos mais sãos. A Cresap também tem de ter um papel muito activo na avaliação dos gestores. É que não fez sentido nenhum dar-se parecer sobre os gestores públicos se depois não tivermos nenhum papel na sua avaliação.
Mas essa avaliação compreenderia apenas os gestores públicos?
Todas as chefias. Acho que devemos ter um papel na avaliação de gestores e de dirigentes da administração pública, como o vou fazer ainda não sei.
Sente abertura do Governo para dar este passo?
Se acho que isto é importante, insisto. A Cresap é uma entidade administrativa independente. Não estou aqui para fazer a vontade ao Governo.
Mas já questionou o Governo?
Sim. Senti abertura por parte do SEAP. Agora não consigo avançar muito mais porque não tenho tempo.
E essa avaliação deveria ser consequente?
Sim. Caso contrário não vale a pena fazê-lo.
Mas vai obrigar a Cresap a ganhar uma outra dimensão.
Sim, claro. Mais dia menos dia terá de haver uma alteração legislativa. Em termos teóricos estou a trabalhar em dois caminhos: a autonomia administrativa e financeira e, por outro lado, maior independência face ao poder executivo. Cada recrutamento ou parecer deveria ter um preço. Se for a uma empresa de recrutamento privada, cobra 30% do salário anual dos quadros que selecciona. Nós não precisamos dos 30%, mas podemos ficar com 5%, por exemplo, desde que dê para cobrir as despesas. Acho que a Cresap no futuro tem se orientar para aqui. Tenho de preparar um futuro da Cresap diferente de um João Bilhim. A comissão tem de estar mais blindada. O presidente da Cresap deveria ser eleito na Assembleia da República, por dois terços dos deputados, como acontece com o provedor de Justiça.
Pretende sair antes do final do mandato, que termina em 2017? Da maneira como fala até parece que está a preparar a sua saída.
Não, não pretendo sair antes. Agora, eu sou um gestor e um bom gestor prepara o que vem a seguir.
Já sentiu pressão para fazer determinadas escolhas?
Nunca recebi qualquer influência, nem do primeiro-ministro, nem de qualquer membro do Governo para indicar o nome A ou B. Não se atrevem.
Alguma vez sentiu que o perfil definido pelo Governo para os lugares a concurso era feito à medida para um determinado candidato?
Houve provavelmente uma dúzia de casos, mas a Cresap corrigiu o perfil, porque o júri concordou que havia essa tentativa. Poderia não ser intencional, mas optámos por corrigir.
E não existem outras formas de pressão? Quando os membros do Governo demoram meses a decidir sobre um concurso não estão de certa forma a pressioná-lo, como aconteceu no caso da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE)?
Só veria como pressão se eu ainda pudesse mudar alguma coisa. Como não posso mudar… Quem aprovou a lei foi a maioria que apoia o Governo, não fui eu que estipulei este normativo. No caso da ASAE, apresentei os nomes e, depois disso, não posso alterar nem uma vírgula. Um ministro tinha dúvidas, o outro nomeou. Quando apresentamos três nomes eles têm que ser avaliados de uma forma não fulanizada. Aquele membro do Governo hoje está e amanhã não está. Tem de ter a preocupação de escolher alguém que permanecerá no cargo por cinco anos, ou seja, mais do que a duração da legislatura. Muitas vezes perguntam-me o que se pode fazer [quando o Governo não concorda com os nomes propostos pela Cresap]. E aí ou extinguem o lugar, ou reestruturam o organismo ou têm de reconhecer que se enganaram na definição do perfil e assumem a responsabilidade do engano publicamente.
A Cresap já viu impugnado algum concurso?
Nunca tivemos um processo em tribunal. Houve pedidos de informações do provedor de Justiça e tivemos à volta de 20 reclamações, mas já passaram pela Cresap quatro a cinco mil candidatos.
Quantos pareceres deu a comissão para responsáveis de agrupamentos de centros de saúde e gestores de empresas públicas?
Os agrupamentos não chegaram a 40 e o número de pareceres de gestores de empresas foram cerca de 330. Desses, 23 foram negativos. Com limitações, houve pelo menos um em 2013.
Como encara o facto de o Governo propor nomes que têm uma grande probabilidade de ser chumbados?
Claramente não vejo bem. Há casos que podem gerar dúvidas, mas há outros que não. Há aqui uma curva de aprendizagem. Um membro do Governo que nunca nos tenha pedido um parecer manda sempre nomes um pouco à antiga. Depois de ter a experiência, passa a ter mais cuidado.
E esse cuidado não estará também relacionado com o facto de terem passado a divulgar o teor dos pareceres?
Claro, isso foi muito importante. Mas posteriormente decidimos passar a divulgar apenas a conclusão dos pareceres. Bem sei que uma pessoa que não tem qualificações não deveria dar o seu currículo. Também há aqui um problema de imagem do próprio que deveria preventivamente evitar este tipo de situação, mas nem toda a gente tem esse cuidado. Na entrevista dá para o candidato perceber se está a correr bem ou mal e, nesse caso, deveria desistir. Se a pessoa não desiste… lá que me custa tremendamente, custa. Confesso isso e, portanto, até para minorar um pouco a situação é que estamos, desde meados deste ano, a divulgar só a conclusão.
Houve especialmente um caso, o da Parque Escolar, em que os argumentos eram fortes.
Sim, esse custou-me especialmente.
Houve até quem acusasse a Cresap, nessa altura, de fazer homicídios profissionais.
Há uma curva de aprendizagem. Todos nós estamos a aprender e a encontrar o caminho entre o direito à transparência e o direito à reserva, também perante a pressão da comunicação social. Esse caso custou-me imenso, mas acho que os próprios poderiam ter desistido e não o fizeram. Foram entrevistados. Como era uma tutela partilhada, no meu ponto de vista o Governo não valorizou devidamente o impacto que a nossa posição teria. Mas se me perguntarem se hoje decidiria da mesma forma, dificilmente faria outra coisa.
Mas foi esse o ponto de viragem para passarem a publicar só as conclusões?
Foi, foi esse. Foi uma zona cinzenta em que se poderia ter ultrapassado um limite. As pessoas deveriam ter tido consciência e não ter deixado o processo seguir em frente. E quando digo pessoas incluo os próprios, mas também o Governo. E consequentemente, quando os outros não tomam consciência, tomo eu.
Foi uma decisão sua ou por causa desse caso foi pressionado a divulgar apenas as conclusões?
Não, foi uma decisão minha. Esta mudança foi muito discutida internamente. Esse caso deu-me a noção clara, porque eu vi-me nesse papel. E se fosse eu?
Se fosse consigo, teria deixado o processo avançar?
Não, claro.
Dizia há pouco que há uma curva de aprendizagem. Mas ainda recentemente houve um caso que gerou polémica: o facto de a Cresap ter sugerido a um dos nomes propostos para a Sofid (sociedade de financiamento para a internacionalização) “a frequência de uma formação complementar em gestão”.
Mas só divulgámos a conclusão.
Não merecia reservas este caso específico?
A pessoa não é um perito em banca, mas há uma função na administração para a qual não é necessária essa competência. Pelo contrário, um indivíduo perito em banca até seria negativo. Alguém tem de cuidar da casa, de tratar na área das relações públicas. Eu decido sempre assim: se isto fosse dinheiro meu, como decidiria?
E qual seria a sua decisão?
Ficaria com aquele senhor estritamente para aquelas funções. Partindo do princípio que não haveria outro melhor.
A polémica aqui também está relacionada com o facto de, inicialmente, este candidato ter sido proposto para presidente da Sofid.
Não comento.
Continua a haver a tentação de colocar determinadas pessoas em cargos públicos?
Nem toda a gente aprende com a curva da experiência da mesma forma e quando digo toda a gente refiro-me aos membros do Governo.
Como vê o facto de o Governo não ter nomeado até agora nenhum gestor chumbado pela Cresap, apesar de o parecer não ser vinculativo?
Do ponto de vista dos princípios, o Governo tem de ter esse direito. Um tribunal é um tribunal e tem três instâncias. Quem é que garante que eu estou certo? Há casos em que eu tenho dúvidas. O que o Governo tem é de dizer que nomeia e justificar por que contraria o nosso parecer.
O caso dos swaps fez com que duas importantes empresas estejam sem presidente (Parpública e Metro de Lisboa/Carris). O Governo tem insistido que as empresas estão a ser geridas com a restante equipa e que não há urgência. Como vê isto?
Um presidente é sempre importante, mas na sua ausência há um vogal ou um vice-presidente que asseguram a gestão. Não é inédito. Se o Governo acha que não é assim tão importante nomear, significa que os conselhos de administração podem funcionar com menos um membro. É uma boa forma de reduzir os cargos dirigentes e uma indicação para que, no futuro, seja diminuído o número de administradores. Se as empresas estão a dar prejuízo, o prejuízo será menor.
No caso dos gestores públicos tem havido dificuldades por parte do Governo em encontrar pessoas para os cargos.
Disseram-me isso uma vez, mas não disseram uma segunda. Quando dei duas reservas, argumentaram que é difícil encontrar pessoas. Na semana seguinte deram-me dois nomes excelentes. O argumento não colhe. Pode haver outro tipo de interesses, não me pronuncio.