TTIP – bênção ou maldição
A ideia de um acordo comercial entre a UE e os EUA não é nova. A decisão de dar início às negociações (julho 2013) foi, em grande parte, devida à persistência da crise económica e ao bloqueio das negociações comerciais multilaterais no âmbito da Organização Mundial do Comércio – a chamada Agenda de Desenvolvimento de Doha.
Destina-se a eliminar as barreiras regulatórias comerciais em vários setores da economia, nomeadamente, transformador, serviços e agricultura, e não a estimular o comércio por meio da remoção de taxas alfandegárias entre a UE e os EUA, pois estas taxas já são reduzidas (4% em média, estimativa da OMC), reconhecem os representantes de ambas as partes. Barreiras essas que limitam a potencial margem de lucro de empresas multinacionais nos dois lados do Atlântico.
A Comissão Europeia tem um mandato de negociação que contém informações reservadas, que continuam a levantar questões e problemas.
Numa Europa desconfiada e farta de suas elites políticas e empresariais, há razão para nos inquietarmos sobre alterações das normas da UE em vigor nos domínios da proteção do consumidor, do ambiente ou da saúde, o que tem vindo a alimentar uma antipatia crescente para com este tratado.
A sociedade civil teme a eliminação ou o enfraquecimento de importantes normas sociais e regulações ambientais, de níveis de segurança muito mais altos que as dos americanos, como regras para a segurança alimentar, incluindo restrições a organismos geneticamente modificados, produtos cujas regras de rastreabilidade e rotulagem não são tão rigorosas como as aplicadas na UE, regulamentos sobre o uso de produtos químicos tóxicos, direitos dos trabalhadores, lei de proteção de dados, o princípio de precaução, ou seja, a possibilidade de as partes estabelecerem níveis próprios para a proteção dos consumidores, quando os dados científicos não forem 100% confirmados, entre outras.
Sendo os EUA a maior potência económica do mundo, é inevitável o impacto da sua influência sobre todas as nações. Por exemplo, a sua indústria cinematográfica (Hollywood) é considerada a mais influente do mundo e através desta e outras formas, outras comunidades são expostas a elementos culturais e modos de vida dos EUA, em especial os mais jovens, que não se preocupam em perder as suas identidades culturais. O aprofundamento da globalização liberal assegura a liderança mais ou menos exclusiva dos EUA.
A Europa está perante a consolidação de uma outra espécie de "macdonaldização", entendida como a criação de consumidores, serviços e fornecedores globais. É o comércio agressivo e duradouro, o fluxo de informação controlada que não chama a atenção das pessoas para os efeitos de longo prazo de um modo de vida ecologicamente destrutivo e a concorrência desleal com os produtores locais. Um exemplo, são os efeitos prejudiciais para a saúde dos alimentos geneticamente modificados, que é o que espera os europeus, na hora de ir às compras no supermercado.
Existem várias especulações no que respeita aos resultados económicos trazidos pela TTIP. Os valores que mais vezes são citados, têm origem num estudo, considerado independente, elaborado pelo Centre for Economic Policy Research (março 2013), sediado em Londres, que sugere que a economia da UE poderia retirar um benefício de 119 mil milhões de euros por ano – equivalente a 545 euros, em média, para uma família da UE – e os EUA de 95 mil milhões de euros por ano. No entanto, outros estudos como Study on "EU-US High Level Working Group" Final report (outubro 2012) sugerem uma gama de cenários diferentes.
Por outro lado, esta UE desagregada, com o seu papel no mundo a diminuir, a necessitar desesperadamente de sair da apatia em que caiu, no referente a crescimento económico, está perante um enorme mercado - 310 milhões de pessoas (EUA) - que estabelecerá os padrões globais para o resto do mundo.
Para quem anda perdido, todo o tempo é pouco. Venha o diabo e escolha.
Docente da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa, no Porto