Pode a Finlândia resistir à queda do gigante?

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A Nokia tem saído de forma progressiva da Finlândia, fechando fábricas e despedindo ANTTI AIMO KOIVISTO/AFP

O mundo dos telemóveis mudou nos últimos anos, mas a Nokia não soube mudar com ele. Na Finlândia, face à preocupação pelo declínio de um empresa fulcral para a retoma da década de 90, acredita-se na capacidade de adaptação da economia

Em finais de 2010, o americano Stephen Elop deixou a Microsoft para assumir o leme da Nokia, uma empresa gigante em risco de naufragar. A estratégia tem sido a de atirar lastro borda fora: pessoas, tecnologia, empresas subsidiárias e tradição daquela que já foi a empresa-modelo na Finlândia.

Há duas semanas, Elop, o primeiro não finlandês no cargo de CEO, anunciou o despedimento de mais dez mil pessoas. Em menos de dois anos, já despediu ou comunicou o despedimento de 40 mil funcionários em todo o mundo, cerca de um terço da força de trabalho. Contando a parcela que tem na Nokia Siemens Network (uma parceria com a Siemens para o sector das infra-estruturas de telecomunicações), a Nokia empregava em Março 122 mil pessoas. Destes postos de trabalho, só 14 mil são na Finlândia.

A Nokia também vendeu uma empresa de telemóveis de luxo chamada Vertu, continuou o processo de deslocalização das fábricas para a Ásia e moveu boa parte dos esforços de inovação tecnológica para os EUA, onde abriu em Maio um novo centro de investigação e desenvolvimento em Silicon Valley. Como grande opção estratégica, decidiu abandonar o sistema operativo próprio, chamado Symbian, tendo assinado uma parceria com a Microsoft para usar o Windows Phone.

No mês passado, decidiu ainda fechar a fábrica histórica na pequena cidade de Salo - a primeira fábrica da Nokia como empresa de telemóveis -, despedindo mil pessoas e pondo a localidade à beira de uma crise financeira local.

"Aqui na Finlândia, a Nokia tinha um grande brilho aos olhos dos finlandeses, talvez até excessivo, que agora diminuiu", observa ao PÚBLICO o economista Jyrki Ali-Yrkkö, um dos directores do Instituto de Investigação da Economia Finlandesa, uma instituição privada.

A Nokia começou, no século XIX, por ser uma empresa de pasta de papel (outro dos sectores fortes na economia finlandesa). Na década de 1960, entrou no sector da electrónica, mas os moldes actuais da empresa formaram-se sobretudo na década de 1990, quando o mercado dos telemóveis disparou, num fenómeno que também ajudou a Finlândia a sair da recessão profunda que atravessou entre 1991 e 1993.

Os números calculados por Ali-Yrkkö no seu livro Nokia and Finland in a Sea of Change (tradução livre: "A Nokia e a Finlândia em Maré de Mudança") mostram o "impacto significativo que a Nokia teve na economia finlandesa durante 15 anos". Em 1995, a empresa representava 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2000 - e mesmo com o PIB da Finlândia a crescer a bom ritmo - a multinacional conseguia representar 4%. Nesse ano, só a Nokia foi responsável por quase metade do crescimento anual do PIB, aponta o economista.

Nos últimos cinco anos, porém, desde que a Apple lançou o iPhone e virou do avesso o mercado dos telemóveis, o peso da Nokia na economia da Finlândia acabou por derrapar para menos do que era em 1995. A multinacional foi em 2011 responsável por apenas 0,6% do PIB. Ainda representou, no mesmo período, 11% das exportações. Mas, com a deslocalização das fábricas e serviços, também acaba por importar muito, pelo que, do ponto de vista da Finlândia, o saldo da balança comercial da Nokia acaba por ser "muito mais pequeno", explica Ali-Yrkkö.

É verdade que estes números não têm em conta o grande ecossistema de empresas finlandesas que orbitam em torno da Nokia e que se dedicam a desenvolver software e serviços para a multinacional. Mas a cultura empresarial e de emprendedorismo na Finlândia também já tem outros focos, não estando apenas centrada na empresa de telemóveis, como acontecia nos anos 90.

Este definhamento da empresa dentro da Finlândia teve os seus custos. "O impacto [do declínio da Nokia] foi muito severo", avalia o analista de mercado Horace Dediu, que trabalhou na empresa entre 2001 e 2009 e que tem agora uma micro-consultora no país. "A questão é como encorajar aqueles que saíram da empresa a começar novos negócios e a criar as próximas grandes inovações".

Mas ainda assim, Ali-Yrkkö minimiza o impacto económico imediato: "A Nokia é grande, mas é apenas uma empresa. Tem 14 mil funcionários numa população activa de 2,5 milhões." Reconhece, contudo, um problema no capítulo da inovação tecnológica. "Eles estão a cortar drasticamente na investigação e desenvolvimento. A grande questão é saber onde e quando vão encontrar emprego essas pessoas [investigadores] que ficaram desempregadas."

Momento decisivo

Entretanto, dentro da própria Nokia, também se procuram soluções. Aproxima-se o momento de perceber se a revolução interna feita por Stephen Elop vai afinal surtir efeito, avalia ao PÚBLICO o analista da IDC Francisco Jerónimo, que trabalha em Londres na divisão dedicada ao mercado europeu de telemóveis. "O Stephen Elop ou foi a melhor coisa que aconteceu à Nokia ou a pior, não há meio termo. E está na altura em que algo acontece ou já não vai acontecer."

A empresa lançou ao longo dos últimos meses a linha de telemóveis Lumia, quatro smartphones com o sistema Windows Phone. Dois deles são topo de gama e outros dois dirigem-se a segmentos mais baixos, embora estejam longe do patamar de preços dos modelos Android mais baratos. A Nokia deverá ainda lançar a tempo da época natalícia pelo menos um modelo equipado com a nova versão do Windows Phone, que a Microsoft anunciou no mês passado e que traz várias melhorias, permitindo aos fabricantes aparelhos com processadores mais rápidos e ecrãs de maior qualidade.

"O Stephen Elop está a fazer um bom trabalho, a empresa estava demasiado gorda", afirma Jerónimo, que considera a aliança com a Microsoft uma estratégia com mais possibilidades de sucesso a longo prazo do que a aposta no Android. "Está a ser um gestor puro e simples e está a fazer tudo de uma forma muito rápida. Em menos de um ano deu uma volta a uma empresa como a Nokia. Não sendo finlandês, não tem aquele sentimento pela empresa [dos anteriores gestores]."

Já Horace Dediu aponta "alguns erros" da parte do CEO americano, como a decisão de usar apenas o sistema da Microsoft (uma plataforma residual a que os outros fabricantes ligaram pouco), em vez de diversificar as apostas e manter o sistema Symbian, que ainda está instalado em muitos telemóveis à venda.

A partir de Setembro, a competição será ainda mais cerrada, nota Francisco Jerónimo, lembrando que a Apple deverá lançar um novo iPhone e que a Samsung (a multinacional sul-coreana que este ano destronou a Nokia como a maior fabricante de telemóveis do mundo) poderá ter margem para baixar o preço do seu novo topo de gama, o Samsung Galaxy SIII, um telemóvel Android. Este modelo, segundo dados do próprio fabricante, prepara-se para chegar este mês aos dez milhões de unidades vendidas, o que fará dele um recordista de vendas.

Olhando para os números, as mudanças de Elop não trouxeram ainda resultados. Na Europa Ocidental, onde a Nokia é tradicionalmente forte, foram vendidos 28,2 milhões de smartphones no primeiro trimestre, de acordo com a IDC. Destes, pouco mais de 8% foram da Nokia. A finlandesa ainda vendeu mais telemóveis com Symbian (1,3 milhões) do que com o Windows Phone (980 mil).

O conceito de smartphone moderno criado pelo iPhone abalou a Nokia, mas Horace Dedieu chama a atenção para outro problema, nascido a Leste, com as marcas sul-asiáticas capazes de preços muito baixos. "O problema foi o declínio rápido do Symbian e as vendas fracas dos telemóveis de baixa gama. A verdadeira tragédia da Nokia é a implosão do que já tinham antes no mercado e não a adopção lenta da nova plataforma."

Com prejuízos e as acções em queda, a gigante finlandesa é um alvo para uma potencial aquisição, cenário que há anos alimenta especulação, com a Microsoft a ser o comprador mais apontado. Para Francisco Jerónimo, esta é uma possibilidade "real", mas a compra seria "mais vantajosa" para a Microsoft com o seu ex-executivo Stephen Elop ao comando - e o analista considera que o actual CEO já não tem muito tempo para mostrar resultados e manter-se no cargo.

Do ponto de vista finlandês, a compra já não seria um problema, observa Jyrki Ali-Yrkkö. O primeiro-ministro da Finlândia, Jyrki Katainen, afirmou em finais do mês passado, durante uma visita à fábrica de Salo, que o Governo não apoiará a Nokia através da compra de acções. "Isso não é connosco. Estamos a desenvolver a Finlândia para ser um país onde as empresas possam ser bem sucedidas, mas esse não é o tipo de apoio que o Governo dará", afirmou, citado pela agência Reuters.

Ali-Yrkkö diz que os finlandeses têm agora os olhos postos noutras empresas tecnológicas que têm surgido. Dá o exemplo de uma empresa muito mais pequena, com cerca de 300 funcionários, "de que as pessoas agora falam" e que conseguiu "promover a marca de uma forma muito vasta". Chama-se Rovio, mas é mais conhecida pelo videojogo Angry Birds, que ganhou imensa popularidade graças ao iPhone, da Apple, precisamente o aparelho que marcou o início da queda da Nokia.

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