Imóveis mais valiosos escapam à fórmula de avaliação do fisco no IMI

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Até final de 2102, o Governo terá de reavaliar prédios urbanos e terrenos PAULO RICCA

O Governo Durão Barroso reduziu o coeficiente de localização dos prédios urbanos na fórmula de avaliação, com receio de que o novo imposto subisse demasiado

A mando da troika, o Governo vai ter de reavaliar até ao final de 2012 todos os prédios urbanos e terrenos, para aumentar a carga fiscal sobre a propriedade. Mas caso se aplique a actual fórmula de avaliação usada pelo fisco, os proprietários de imóveis mais valiosos sairão beneficiados. Tudo porque, em 2003, houve uma "decisão política" do Governo Durão Barroso de limitar os seus efeitos.

Esta opção foi confirmada ao PÚBLICO por membros da Comissão Nacional de Acompanhamento dos Prédios Urbanos (CNAPU) - criada em 2003 para coordenar a avaliação dos imóveis - bem como por quem deu a cara pela reforma.

Após décadas de inércia, as matrizes assumiam valores tão reduzidos que beneficiavam largamente os imóveis antigos. O Governo Guterres quis resolver o problema, mas abortou o projecto Medina Carreira de tributar todo o património. O Governo PSD/PP deu um passo em 2003, mas as matrizes eram tão obsoletas que receou que as avaliações saídas de uma fórmula objectiva (já prevista pelo Governo socialista) gerassem fortes agravamentos do IMI - o Imposto Municipal sobre Imóveis que substituiu a contribuição autárquica. E, para o evitar, tomou várias decisões.

Primeiro, a fórmula só seria aplicada aos imóveis vendidos. O fisco deveria ir avaliando todos os outros, mas não o fez. Imóveis semelhantes "pagam" IMI diferentes, já que, em 2009, só 1,8 milhões de imóveis foram avaliados e faltam ainda 4,5 milhões. Criou, até 2008, "tectos" de subida anual de IMI.

E, finalmente, e mais polémico - mas menos conhecido - reduziu na fórmula o impacto do coeficiente de localização do imóvel. Esse coeficiente é tanto maior quanto melhor for a zona de localização. A sugestão técnica era que o coeficiente variasse entre 0,35 e 4, mas o Governo Durão Barroso reduziu esse limite máximo para 3. Ou seja, os proprietários de imóveis de zonas privilegiadas tiveram um corte de imposto de 33 por cento.

"Houve uma decisão política" do Governo e dos deputados, afirma Manuel Reis Campos, presidente da associação de construtores AICOPN com assento na CNAPU. Considerou-se que os encargos fiscais com a habitação não deveriam ser ilimitados, ainda que do ponto de vista técnico - como defende - não faça sentido isolar zonas. "Não existe fórmula para esses casos, é verdade. Houve muita gente que reclamou", recorda-se Manuel Reis Campos. Vasco Valdez, secretário de Estados dos Assuntos Fiscais em 2003, confirma: "Houve algum receio que os valores ficassem muito altos".

O que fazer agora?

As consequências são visíveis. Nos casos de localizações privilegiadas, a avaliação está longe de se aproximar dos preços de mercado, como a lei fixara. "Os imóveis de valor mais elevado acabam por não ficar abrangidos" pela fórmula, conclui Valdez.

A "ordem" emanada da troika de avaliar todos os imóveis apenas obriga o Estado a fazer num ano o que não fez numa década inteira. Caso se concretize, permitirá - como defende a Plataforma Justiça Fiscal (ver Facebook) - baixar as taxas do IMI e redistribuir a carga fiscal pelos proprietários.

Mas caso o faça com a actual fórmula, manter-se-ão também discrepâncias consideráveis de cargas fiscais entre proprietários. Será que se deveria aproveitar para alterar o coeficiente de localização? As opiniões dividem-se.

Manuel Reis Campos considera que mexer na fórmula irá criar uma injustiça entre os que foram avaliados pela actual e os que o serão pela nova. "Não há tempo" para fazer tudo. "Se se vai mexer muito, depois o Parlamento vai querer pronunciar-se".

Ao contrário, o antigo responsável governamental, Vasco Valdez, acha que "a Comissão Nacional de Acompanhamento dos Prédios Urbanos deveria fazer uma avaliação séria porque é indubitável que prédios novos em zonas nobres não são apanhados pela fórmula". Talvez se possa mexer nos parâmetros dos índices de conforto, pontualmente, ou compensar com o coeficiente da idade do imóvel. Se calhar, "não haverá muito tempo", admite. E até é capaz de prever que, entre a discussão e o pesado encargo de realizar as avaliações, alguma coisa fique pelo caminho. Mas poder-se-ia fixar a obrigação de avaliar os imóveis urbanos cujo coeficiente de localização mudasse.

Luís Menezes Leitão, da Associação Lisbonense de Proprietários, lembra ainda que a reavaliação pode levar a que os que vivem de rendas paguem mais de Imposto Municipal sobre Imóveis do que o rendimento recebido pelos alugueres das suas próprias casas.

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