42,25 euros é um rombo no orçamento da família Pinheiro
Vítor Pinheiro está revoltado. Di-lo muitas vezes ao falar na vida. "Tenho 35 anos. Tinha 30 quando pedi ajuda. Tenho 15 anos de descontos efectivos, o que quer dizer que comecei a trabalhar aos 15. Mandam-me para casa com uma reforma de invalidez de 270 euros! Isto é uma esmola."
Ganhava mais de mil euros. Não declarava uma parte. Era segurança. Um dia, apareceu-lhe um cancro. Tiraram-lhe o estômago. Ligaram-lhe o esófago aos intestinos. E ele tornou-se impróprio para o trabalho. A vida deu uma volta. A vida dá sempre uma volta quando um salário deixa de entrar. Como pagar as prestações ao banco? Perdeu a casa, perdeu o carro.
Qualquer euro faz diferença a esta família. Mónica ganha 275 a 300 euros pelo trabalho num supermercado - trabalha a meio tempo, quem lhe dera trabalhar a tempo inteiro. Recebem 144,91 de abono pelo bebé de seis meses, 72,46 pelas meninas de seis e 12 anos. E 62 de rendimento social de inserção, a atenuar a severidade da pobreza. No fim de cada mês, 830 a 850 euros a dividir por cinco.
Mesmo pagando 28,45 euros de renda de casa à Câmara do Porto, o dinheiro acaba antes do tempo. "Se não fosse a família a ajudar a comprar comida, como é que a gente sobrevivia?", atira Vítor, sentado numa cadeira da sala/cozinha. Com o corte no abono, será ainda mais difícil chegar ao fim do mês. Este Novembro, nesta casa entrarão menos 42,25 euros.
Quando saiu do Hospital de São João sem estômago, a médica receitou-lhe uma dieta. Só podia comer fiambre de aves, por exemplo. E ele, que diz o que pensa, mesmo que o que pensa possa chocar outros, perguntou-lhe: "O quê? Vou comer a sua casa?" Come o que pode. E pode pouco. Sem estômago, não tem glândulas gástricas a produzir o suco que transforma os alimentos em quimo. "Tenho de mastigar muito bem a comida, mas só tenho dois ou três dentes. A doença desfez-mos. Eu sei que estou a forçar os intestinos. O que é que eu posso fazer? Não vou tirar comida da boca dos meus filhos para pôr uma prótese."
Pode perguntar-se-lhes porque decidiram ter um filho no meio deste naufrágio. Ele responderá: "Foi uma forma de ganhar alento. É como se tivesse uma faca sobre a cabeça. A qualquer momento posso ter de tirar mais alguma coisa. Tenho 90 por cento de hipóteses de me aparecer um cancro nos intestinos." E a mulher, sentada no sofá, dirá que sim. Ela sabe. Ela está dentro do mesmo barco.
A situação alterar-se-á um bocadinho. O escalão de abono é calculado com base nos rendimentos do penúltimo ano. Ora, houve uma factura retroactiva que empolou o rendimento de 2008. Em Janeiro, quando houver revisão das condições de acesso às prestações sociais não contributivas, contarão os rendimentos de 2009. E aí a família Pinheiro subirá de escalão. No escalão A, passará a receber 140,76 pelo bebé e 71,8 pelas meninas - menos do que agora, mas mais do que em Novembro.
A subida é certinha. Tanto que a assistente social que acompanha a família já conseguiu que as miúdas subissem de escalão na acção social escolar. "Não tínhamos possibilidades de comprar os livros", diz Vítor. E, de repente, no seu rosto, a revolta dá lugar à tristeza. Eram muitos os livros necessários para a filha mais velha - agora no 7.º ano.
Olha para a frente. Pede para viver mais seis anos. "Tudo o que for além disso é extra." É que dentro de seis anos, a filha mais velha já terá 18 anos, já ajudará a mãe e os irmãos. Não quer que sejam como ele. "Fiquei órfão de pai aos seis anos. Era o mais velho de três irmãos."