Relvas ajudou Tecnoforma a dominar formação em aeródromos do Centro

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Novo centro de dados da PT está a ser construído em cima da antiga pista da CovilhãLista assinada por Passos refere 13 formandos, mas a Câmara de Viseu diz só ter enviado três ENRIC VIVES-RUBIO

Projecto da Tecnoforma previa 1063 formandos para nove aeródromos municipais, todos na região Centro. Mas só três tinham actividade, ainda que residual, e uma dezena de trabalhadores. Formação devia custar 1,2 milhões de euros. As outras regiões chumbaram o plano

O projecto de formação profissional de técnicos camarários para aeródromos municipais, que Miguel Relvas lançou enquanto secretário de Estado da Administração Local, em 2004, foi feito à medida dos interesses da Tecnoforma - empresa ligada a Passos Coelho -, preparado previamente com ela e sem concorrência. A candidatura, no valor de 1,2 milhões de euros e destinada apenas à região Centro, foi a mais cara de todas as aprovadas nas cinco regiões do país entre 2002 e 2008, no quadro do programa Foral (ver PÚBLICO de segunda-feira).

Na génese da iniciativa de Relvas estava a "problemática geral" dos aeródromos e heliportos municipais, um tema longe das prioridades das autarquias. Mais em concreto, tratava-se de responder urgentemente a questões como a alegada falta de técnicos habilitados, e garantir, até Novembro de 2005, a certificação dessas infra-estruturas, de acordo com as normas internacionais.

Para a Tecnoforma, de que Passos Coelho era consultor e depois foi gestor, a premência do assunto era indiscutível. A tal ponto que em 2003 começou a preparar um "projecto nacional" de formação de quadros camarários para trabalharem nesses aeródromos e heliportos.

Tão grave e inadiável era o problema que, a 23 de Janeiro de 2004, Miguel Relvas, então secretário de Estado da Administração Local, promoveu com o seu colega das Obras Públicas, Jorge Costa, a celebração de um protocolo para o solucionar, justificado com questões de "segurança das aeronaves e seus passageiros e tripulantes" e dos "atentados terroristas de 11 de Setembro nos EUA".

No protocolo, os dois membros do Governo de Durão Barroso comprometiam-se a criar condições para que os cursos de formação de técnicos de aeródromos e heliportos propostos meses antes pela Tecnoforma (ainda que esta não fosse nomeada no documento) pudessem ser aprovados e certificados pelo Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC). O protocolo estabelecia também que o INAC se encarregaria da certificação oficial das competências adquiridas pelos formandos, e que tudo seria pago pelo Foral. Este programa destinava-se a garantir a formação profissional dos funcionários das autarquias em várias áreas, era financiado pelo Fundo Social Europeu (FSE), tutelado por Relvas e gerido pelas cinco comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR).

A 9 de Fevereiro, justificando a sua iniciativa com o protocolo acabado de assinar pelos dois membros do Governo de Durão Barroso, a Tecnoforma entregou na CCDR do Centro (CCDRC) uma candidatura de centenas de páginas. Propunha precisamente a realização dos cursos que Miguel Relvas e Jorge Costa tinham decidido promover e apoiar. A denominação e a caracterização das acções era exactamente a mesma que constava do protocolo, palavra por palavra, o mesmo sucedendo com a fundamentação da sua necessidade e urgência.

E o objectivo, remetendo sempre para o "espírito e letra" desse documento governamental, era o de criar condições para conseguir a certificação dos aeródromos e heliportos até Novembro de 2005, sob pena de "encerramento das operações".

1 - Mais de mil formandos para pouco mais de meia dúzia de pistas

A CCDRC, que à data da apresentação da candidatura era presidida por Paulo Pereira Coelho - um antigo deputado do PSD, ex-dirigente da JSD, tal como Relvas, Passos Coelho e vários responsáveis da Tecnoforma, como o PÚBLICO escreveu na edição da passada segunda-feira -, aprovou, meses depois, a mais cara de todas as acções do Foral em todo o país: a formação de centenas de trabalhadores camarários que se deveriam tornar técnicos, ou mesmo directores e adjuntos de direcção, de seis pequenos aeródromos municipais (Coimbra, Lousã, Viseu, Covilhã, Monfortinho e Proença-a-Nova) e dois heliportos (Albergaria-a-Velha e Guarda) de oito concelhos da região Centro. Um sétimo aeródromo referido na candidatura como sendo património do município de Aveiro, a Base Aérea de São Jacinto, era e é propriedade militar, dependendo do Exército português.

O financiamento aprovado à Tecnoforma para esse efeito foi de cerca de 1,2 milhões de euros (quase tanto como as vendas da empresa em 2002, que foram de 1,3 milhões). O volume de formação previsto era de 52.140 horas e o número de formandos de 1063 - que equivaleria a entre 300 e 500 pessoas, uma vez que muitas delas poderiam seguir vários cursos.

Nas restantes quatro regiões do país, disse ao PÚBLICO o presidente da Tecnoforma, Sérgio Porfírio, foram igualmente apresentadas candidaturas integradas no mesmo "projecto nacional de formação", mas, acrescentou, nenhuma delas foi aprovada. "As CCDR acharam que não tinham mérito", explicou.

Na região de Lisboa e Vale do Tejo, a candidatura entrou no mesmo dia que entrou em Coimbra, sendo praticamente cópia daquela. Era de bastante menor dimensão e contemplava 58 trabalhadores das câmaras de Cascais (aeródromo de Tires), Torres Vedras (Santa Cruz) e Sardoal (uma helipista). O custo inicial previsto era de 162 mil euros.

A unidade de gestão indeferiu-a por unanimidade em Julho de 2004, considerando que ela não respeitava a legislação aplicável, nomeadamente por "não estar associada a processos de modernização, desenvolvimento e reorganização dos serviços". À época, o gestor do programa na região de Lisboa e Vale do Tejo era Fonseca Ferreira, conhecido militante socialista.

Além da Tecnoforma, nenhuma outra empresa apresentou qualquer candidatura em todo o país com base no protocolo de Miguel Relvas, apesar de o documento obrigar a Secretaria de Estado por ele tutelada a "mobilizar as potenciais entidades formadoras no sentido de operacionalizar" a realização dos cursos. Nem se conhece qualquer notícia na imprensa, ou iniciativa de Relvas, que reflectisse o seu compromisso de divulgar o protocolo, nomeadamente junto das empresas de formação.

Mas a candidatura da Tecnoforma à CCDRC reproduz partes desse documento oficial, intitulado "Protocolo referente à realização de um programa de qualificação de funcionários e agentes da administração local que operem em aeródromos e heliportos municipais". Foi entregue 17 dias depois da assinatura do protocolo, sem que tenha havido qualquer divulgação pública do mesmo. Questionado sobre a forma como tomou conhecimento dele, Sérgio Porfírio disse apenas: "Não me lembro!"

2 - Um protocolo à medida da Tecnoforma

Procurando contrariar a ideia de que tenha obtido informação privilegiada sobre o assunto, o empresário explicou que a Tecnoforma já estava desde 2002 a tentar a aprovação de cursos para técnicos de aeródromos e heliportos. E mostrou mesmo um ofício que, para lá de confirmar esse facto, constitui uma evidência de que o protocolo não é alheio aos interesses da empresa.

Subscrito pela administração da Tecnoforma, o ofício é dirigido ao secretário de Estado da Administração Local, ao cuidado de Helena Belmar, a então secretária pessoal de Miguel Relvas que agora é secretária pessoal do primeiro-ministro Passos Coelho. Com data de 31 de Julho de 2003, sintetiza assim o assunto: "Na sequência das reuniões que têm vindo a ser realizadas com a área dos Transportes e com a Secretaria de Estado da Administração Local fomos incumbidos de apresentar um projecto nacional" de formação de técnicos de aeródromos e heliportos municipais. Em anexo, Sérgio Porfírio remete uma memória descritiva e mais alguns documentos, referindo que seria apresentada uma candidatura por cada CCDR.

Ou seja, seis meses antes da celebração do protocolo entre os dois membros do Governo, o gabinete de Miguel Relvas já estava envolvido na preparação do projecto da Tecnoforma. O passo governamental abriu a porta à sua concretização.

No entanto, em resposta às várias perguntas que lhe foram dirigidas sobre o seu papel no processo que levou à formalização e aprovação da candidatura da Tecnoforma, Miguel Relvas limitou-se a responder: "Enquanto secretário de Estado da Administração Local nunca tive qualquer relacionamento directo com as CCDR, municípios ou outras entidades com a finalidade de promover contratos de financiamento independentemente do seu objecto." O actual ministro sublinhou que nunca falou com Pedro Passos Coelho, ou com o ex-administrador da Tecnoforma e ex-secretário-geral da JSD João Luís Gonçalves, acerca do protocolo que permitiu lançar o projecto dos aeródromos daquela empresa. Relvas assegura, igualmente, que "as candidaturas apresentadas pela empresa Tecnoforma seguiram exactamente os mesmos trâmites de qualquer outra empresa" e que o protocolo que assinou "denota a garantia, por parte do Governo português de então, da aplicação de elevados padrões de segurança em aeródromos e heliportos e não apenas em grandes plataformas aeroportuárias".

4 - Passos Coelho presidiu à sessão de abertura

O "projecto nacional" a que se refere a Tecnoforma nos seus documentos foi apresentado numa sessão pública em Viseu, em Outubro de 2004, presidida por Passos Coelho, como consultor da Tecnoforma. Nessa sessão esteve presente o então secretário de Estado da Administração Local José Cesário (Relvas já tinha saído do Governo), tendo sido igualmente convidado Jorge Costa, que disse ao PÚBLICO não ter comparecido.

No folheto de apresentação do encontro, designado "Seminário de sensibilização" e que era parte integrante do projecto aprovado, afirma-se que "o Projecto Nacional de Formação para Técnicos e Agentes de Aeródromos e Heliportos nasceu de uma candidatura apresentada pela Tecnoforma SA ao Programa Foral e teve como ponto de partida o Protocolo de Formação celebrado no passado mês de Janeiro de 2004 entre a Secretaria de Estado da Administração Local, a Secretaria de Estado das Obras Públicas e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP)".

Aliás, Miguel Relvas enviou ao PÚBLICO, no passado mês de Agosto, uma cópia não assinada desse protocolo, na qual a ANMP surge como uma das outorgantes. Mas o documento oficial - que foi assinado por Relvas e Jorge Costa, e consta do processo da candidatura da Tecnoforma arquivado na CCDRC - não tem qualquer referência à associação presidida por Fernando Ruas (PSD). Na sua candidatura, a empresa também já tinha utilizado o nome da associação de municípios, afirmando que ela estava envolvida no projecto através daquele protocolo. Mas não estava.

Por escrito, a ANMP garantiu ao PÚBLICO que "não teve dele conhecimento, não lhe foi proposto, e, consequentemente, não o subscreveu". A associação admitiu ainda que o seu nome foi "indevidamente" utilizado no folheto de apresentação dos cursos e na justificação da candidatura da empresa.

Não obstante, a ANMP confirmou que, no mesmo dia, assinou com Miguel Relvas e outros secretários de Estado três protocolos relacionados com a promoção do programa Foral, mas todos referentes a iniciativas globais em áreas muito genéricas: Desporto e Juventude, Turismo, e Animação Cultural. E acrescentou que "não patrocinou nem se envolveu, de qualquer forma ou modo, neste [o dos aeródromos] ou qualquer outro projecto no âmbito do programa Foral".

5 - Cursos não estavam aprovados pelo INAC

Por outro lado, tanto os documentos da candidatura aprovada, como o folheto da sessão presidida por Passos Coelho destacam que os quatro cursos da Tecnoforma - "Execução do plano de emergência de aeródromos/heliportos (PEA)", "Segurança contra actos de interferência ilícita (Security)", "Direcção/gestão de aeródromos e heliportos" e "Operadores de socorro e emergência de aeródromos/heliportos (OSEA)" - já estavam aprovados pelo INAC, única entidade com competência para o efeito.

No entanto, em numerosos ofícios dirigidos à empresa e à Secretaria de Estado das Obras Públicas antes da aprovação do projecto e durante a sua execução, o INAC salienta que, embora os programas dos cursos "contenham matéria prevista nos anexos da Organização da Aviação Civil Internacional", não era possível homologá-los "por inexistência de normativo legal" que o permitisse.

Num memorando mostrado ao PÚBLICO por Passos Coelho, acerca da actividade por ele desenvolvida enquanto gestor da Tecnoforma em 2006 e 2007, refere-se igualmente uma "negociação com a Câmara de Coimbra, o INAC e a NAV (Empresa Pública de Navegação Aérea) tendo em vista a homologação e certificação das acções desenvolvidas pela Tecnoforma no projecto dos aeródromos". Sobre este projecto, Passos Coelho disse também que se reuniu com o então ministro da Obras Públicas, Carmona Rodrigues, e com a administração da NAV para tentar desbloquear alguns problemas que impediam a conclusão dos cursos e a sua certificação.

O actual primeiro-ministro observou que nunca liderou esse projecto, mas rejeitou a ideia de que o número de 1063 formandos previsto fosse desproporcionado e que a candidatura tivesse uma dimensão estratosférica face à realidade então existente no terreno: três pistas de aviação sem um único funcionário (Proença-a-Nova, Monfortinho e Lousã), uma delas fechada (Monfortinho), dois heliportos com operações pontuais em situações de emergência (Guarda e Albergaria-a-Velha), três aeródromos (Coimbra, Viseu e Covilhã) com uma actividade operacional residual e uma dezena de funcionários ao seu serviços e um aeródromo militar que não dependia da câmara local (Aveiro).

"A candidatura foi com certeza construída em contacto com as entidades que detinham a propriedade dos aeródromos. Não tinha mais gente nem menos gente do que aquela que era necessária", limitou-se a comentar Passos Coelho.

6 - CCDRC muda de posição

Os problemas com a aprovação dos cursos pelo INAC levaram mesmo a que o presidente da CCDRC comunicasse à Tecnoforma, em Abril de 2005, a decisão de suspender os pagamentos relativos ao projecto. À frente dessa comissão estava então o social-democrata Pedro Saraiva, sucessor de Paulo Pereira Coelho, e o PS já estava no Governo. A suspensão dos pagamentos prendia-se, entre outros motivos, com a "constatação de eventuais dificuldades na homologação de alguns cursos, com possíveis consequências na certificação dos formandos".

Sobre a questão da homologação/aprovação dos cursos, o INAC diz que ela ocorreu apenas em Julho de 2005, quase um ano depois da aprovação da candidatura pela CCDRC.

Essa poderá ser uma das razões, mas não a única, que explica o facto de nenhum dos únicos 36 formandos que frequentaram algum destes cursos ter obtido até hoje, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, a devida certificação por parte do INAC - coisa que este não confirma nem desmente.

Todos os formandos ouvidos pelo PÚBLICO (cerca de 15), bem como a maior parte das câmaras contactadas, acrescentam que os cursos nunca foram concluídos e que o INAC não certificou ninguém.

Mas apesar de ter interrompido os pagamentos em Abril de 2005 e de ter pedido várias vezes esclarecimentos à Tecnoforma sobre a homologação dos cursos pelo INAC, a CCDRC nega agora qualquer irregularidade na aprovação da candidatura em 2004. "Não era legalmente exigível a homologação dos cursos, assim como a certificação científica e profissional dos formadores", responde esta entidade, presidida desde Julho por Pedro Saraiva, até então deputado do PSD na actual legislatura.

7 - Projecto "correctamente aprovado"

Confrontada com outras situações que poderiam configurar irregularidades graves na aprovação deste projecto, a CCDRC respondeu que "cumpriu com todo o enquadramento jurídico" relativo à aprovação dos pedidos de financiamento e que a candidatura "foi correctamente aprovada". Quanto a uma eventual desproporção entre a sua dimensão e as necessidades reais dos municípios nada disse.

Já quanto à regularidade dos pagamentos efectuados à Tecnoforma, atendendo, nomeadamente, ao facto de entre os formandos se encontrarem várias pessoas sem vínculos aos municípios e por isso não serem elegíveis para efeitos de pagamento das respectivas despesas de formação, a CCDRC responde de forma evasiva.

Por um lado, reconhece que não conseguiu identificar 17 dos 122 formandos (pessoas distintas) que pelas suas contas participaram no projecto. Diz também ter constatado que "pelo menos dois formandos com a profissão de GNR deveriam ser considerados não elegíveis, o que não os impedia de estarem presentes nas acções formativas".

Entre as 122 pessoas que afirma terem participado nas acções, encontram-se vários autarcas que também não eram elegíveis, bombeiros voluntários e outras pessoas sem quaisquer vínculos aos municípios. Há também casos de pessoas que trabalhavam para câmaras da região, mas que estas garantem não ter indigitado para receber essa formação.

Finalmente, nesse grupo de 122 pessoas há nove formandos da Câmara de Oliveira de Frades, município que não constava da lista inicial de nove para os quais a candidatura foi apresentada, embora seja proprietária de uma pequena pista florestal desactivada.

Em conclusão, a CCDRC afirma que "relativamente a formandos não se detectaram irregularidades que pusessem em causa a validação da despesa", embora não garanta que não foram pagas as horas de formação atribuídas a formandos que não eram funcionários municipais.

Nas suas respostas frisa que todo o processo teve controlo por parte de auditores externos, os quais não assinalaram a existência de qualquer irregularidade significativa.

A auditoria, feita a posteriori e por amostragem, seguiu as normas do Fundo Social Europeu, que obrigam à realização de inquéritos junto de formandos e formadores, sobre a forma como decorreu a formação. Neste caso, os modelos de questionário em vigor foram enviados por correio a apenas um formando e a um formador.

De acordo com o relatório, nenhum deles respondeu, não sendo referida qualquer outra tentativa de os contactar, ou de contactar outros particpantes. Ainda assim, o formando alegadamente contactado pelos auditores, Hélder Pintado, garantiu ao PÚBLICO que nunca recebeu nenhum questionário. Este funcionário da Câmara de Idanha-a-Nova, que consta das listas de formandos da Tecnoforma, acrescentou mesmo: "Não recebi nada e não fiz formação nenhuma desse género. Estive pouco mais de uma hora numa sessão em que falaram do que iam ser os cursos e nunca mais me disseram nada."

8 - Passos Coelho explica o fracasso

Dois anos e meio depois da aprovação da candidatura, a Tecnoforma entregou à CCDRC, em Março de 2007, as contas finais do projecto e o pedido de pagamento do respectivo saldo. O pedido e todos os documentos do respectivo dossier são assinados por Pedro Passos Coelho e por Francisco Nogueira Leite, na qualidade de membros do Conselho de Administração, coisa que formalmente não eram, sendo apenas procuradores com poderes de representação da empresa (ver PÚBLICO de segunda-feira).

No pedido de pagamento diz-se que "os objectivos inicialmente propostos na candidatura não foram atingidos" por não terem sido realizadas grande parte das acções propostas. A explicação dada pelos dois gestores para esse facto é simples: "A CCDRC indeferiu o nosso pedido de prolongar o projecto por mais um ano. Assim sendo, não nos foi permitido realizar as acções em falta."

De facto, em Janeiro de 2007, o então presidente da CCDRC, Alfredo Marques, já nomeado pelo Governo Sócrates, rejeitou um pedido de prorrogação do prazo de conclusão dos cursos, que deveriam ter terminado em 2005. Mas antes desse pedido ser indeferido já tinham sido deferidos outros dois, um dos quais pelo próprio Alfredo Marques em Março de 2006.

Feitas as contas, a Tecnoforma conseguiu apenas ministrar parcialmente (a acreditar nos formandos e nas câmaras) três dos quatro cursos previstos: Plano de emergência de aeródromos, Direcção/gestão de aeródromos e Operadores de socorro de aeródromos. O quarto, que se reportava a uma das principais justificações do projecto - Segurança contra actos de interferência ilícita - ficou na gaveta.

Os três cursos referidos foram seguidos por 36 pessoas (sendo que cinco delas frequentaram dois) em vez das 205 previstas no projecto aprovado. Foram distribuídas por cinco turmas, contra as 21 programadas.

No total foram declaradas 13.611 horas de formação, em vez das 52.140 previstas. No que toca ao número global de formandos, que deveria ser de 1063, correspondentes a um total de 300 a 500 pessoas distintas, foram contabilizados pela Tecnoforma 425, que na prática significaram 122 pessoas distintas.

O valor final pago pelo programa Foral por conta desta candidatura foi de cerca de 312 mil euros, perto de um quarto dos 1,2 milhões aprovados em 2004.

"Tivemos mais olhos do que barriga", admite Sérgio Porfírio, presidente da Tecnoforma, empresa actualmente em sérias dificuldades financeiras. O empresário garante é que "não foi recebido um tostão a que a empresa não tivesse direito", insistindo em algo de verificação impossível sem uma rigorosa auditoria financeira: "Os formandos que não tinham vínculos às autarquias não foram contabilizados para efeitos de pagamento" - embora constem das listagens assinadas por Passos Coelho no pedido de pagamento de saldo.

"Com certeza que este não foi um dos projectos de que nos orgulhamos", confessa Sérgio Porfírio. "O mérito é sempre discutível, mas o que não aceitamos é a ideia de que houve aqui uma cabala, ou uma fraude", acrescenta.

E o seu sócio Manuel Castro, também administrador da empresa, remata: "Estamos a tentar salvar uma empresa e salvaguardar os 15 postos de trabalho que temos. Não queremos que o facto de o dr. Passos Coelho, por quem tenho consideração, ter infelizmente trabalhado connosco ponha em causa esse esforço."

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