Portugal permanece o país mais desigual da Europa
Portugal é o país mais desigual e mais pobre da União Europeia e a diferença entre os mais ricos e os mais pobres acentuou-se a partir de 2001. O número de pessoas a viver com menos de 350 euros por mês ronda os dois milhões e teima em não descer
É cada vez maior o fosso que separa os portugueses pobres dos portugueses ricos. Portugal é, de acordo com os últimos dados estatísticos do Eurostat, o país da União Europeia (UE) onde é maior a desigualdade de rendimentos entre os dois grupos de pessoas situados nas extremidades da pirâmide social. A comparação entre os rendimentos acumulados pelos 20 por cento mais ricos e os 20 por cento mais pobres revela que, em Portugal, esse rácio atingia, em 2003, os 7,4, o que significa que os mais abonados detêm 7,4 vezes o rendimento dos mais necessitados. Esta tendência para uma maior desigualdade não é portuguesa, é mundial. O último relatório da ONU regista que, nas últimas duas décadas, num grupo de 73 países, os níveis de desigualdade aumentaram em 53 deles. Outros sinais pouco famosos para Portugal são a descida de 26.º para 27.º na última lista ordenada do desenvolvimento humano da ONU; a pior taxa de abandono escolar da UE (38,6 por cento); o maior índice europeu de pobreza persistente (15 por cento); e uma das maiores percentagens de crianças pobres (15,6 por cento), só ultrapassada pela Irlanda e pela Itália.
Portugal acumula a condição de país mais desigual da UE com o de portador de maior índice de pobreza relativa, com um valor que há anos estabilizou nos 20/21 por cento. Significa isto que dois milhões de portugueses têm rendimentos inferiores a metade do rendimento médio nacional, ou, em termos mais práticos, que vivem com menos de 350 euros por mês.
A pobreza e o déficeOs níveis de desigualdade em Portugal conheceram, na última década, uma evolução contraditória. Em 1995, a relação entre os 20 por cento mais ricos e os mais pobres era de 7,4 e foi caindo até 2000, situando-se nesse ano nos 6,4. Entre 2001 e 2003 a desigualdade voltou a disparar, recolocando-se a fasquia no nível de 1995. Especialistas em questões de pobreza e exclusão social explicam este retrocesso como o resultado do "abrandamento das políticas sociais correctoras que vinham sendo realizadas desde 1995", em consequência de uma focalização governamental no problema do défice público por via de "uma argumentação fundamentalista orçamental", como refere Rogério Roque Amaro, professor do ISCTE.
As estratégias para o ataque à pobreza dividem os especialistas. Maior desigualdade não implica necessariamente maior pobreza, defendem alguns. Há, sobretudo em meios académicos habitualmente classificados como neoliberais, quem veja no aumento da desigualdade uma tendência com efeitos benéficos na economia, ao proporcionar aos mais ricos maior capacidade de investimento, com os efeitos positivos a isso associados, e não, necessariamente, um aumento da pobreza. O mesmo pode dizer-se de uma subida temporária e drástica do desemprego, encarada como um mal necessário para preparar saltos em frente no desempenho económico.
Alfredo Bruto da Costa, presidente do Conselho Económico e Social e estudioso do problema, rejeita "liminarmente" a teoria segundo a qual "não se pode atenuar a desigualdade sem primeiro conseguir o crescimento". "Se a própria política económica não integrar já aspectos que reduzam a desigualdade, não é depois que ela será reduzida", defende, criticando os economistas que "colocam toda a ênfase" nas políticas de redistribuição (através do fisco, de medidas de apoio social e da Segurança Social). "A verdadeira desigualdade tem origem antes da redistribuição", primeiro "na repartição de riqueza" e depois na "repartição primária do rendimento, isto é, na que resulta directamente da actividade económica", precisa.
Roque Amaro admite que mais desigualdade não implica automaticamente mais pobreza. Mas sustenta que, no caso português, um acréscimo de desigualdade "acaba por ser, por si próprio, agravador da pobreza". E contesta a ideia de que, pelo menos em Portugal, mais desigualdade pode ser favorável ao crescimento, porque "a taxa de investimento não tem crescido nos últimos anos, apesar de se verificar uma maior desigualdade", diz o investigador do ISCTE.
Os exemplos "de fora"Sempre que se fala em estratégias para combater a pobreza e para pôr a economia portuguesa nos eixos, recorre-se por sistema a exemplos "de fora". Ao exemplo espanhol, por exemplo, cuja economia está a crescer bem acima da portuguesa, depois de um período com níveis altíssimos de desemprego. "A Espanha apostou numa taxa de desemprego elevada para dar a volta à economia, mas fê-lo com o acompanhamento de políticas sociais fortes", refere Roque Amaro, para quem "um desempregado não é necessariamente um pobre".
O bom exemplo irlandês é igualmente recorrente. Mas Bruto da Costa recorda que "há uns três anos, precisamente na altura em que toda a gente apontava a Irlanda como modelo a seguir pela Europa, esse país passou para o último lugar na taxa de pobreza" europeia, intrometendo-se num "campeonato" onde o primeiro lugar tem sido alternadamente reivindicado por Portugal e pela Grécia.
Menos citados são os casos dos países nórdicos, que desmentem, segundo Bruto da Costa, todos quantos falam na dificuldade em conciliar alta competitividade económica com baixa desigualdade e altos níveis de protecção social. O grande problema é que as economias e, sobretudo, as culturas específicas desses países não são exportáveis: "Nos países nórdicos, a solidariedade e a preocupação pela igualdade fazem parte da cultura geral. Os governantes estão sintonizados com essa cultura quando tomam medidas em benefício da solidariedade, e é por isso que partidos do centro e mesmo da direita são mais de esquerda do que partidos de esquerda em países latinos", atira o presidente do CES.