Ofertas low cost conquistam terreno nas consultas e urgências
A saúde não tem preço? Tem preço, sim, só que varia e muito. Pode ir desde o virtual custo zero no Serviço Nacional de Saúde até aos 100 euros numa primeira consulta de especialidade num hospital privado
Com a crise, o factor preço passou a pesar muito mais na hora de todas as decisões e multiplicam-se as ofertas de serviços low cost na saúde. O exemplo mais recente foi o da Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa (Lisboa), que passou a disponibilizar consultas e urgências a um preço pouco superior ao cobrado a quem paga taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde (SNS). O lançamento do conceito Walk"in Clinics é outro exemplo.
O novo pacote de serviços do hospital da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) inclui consultas da especialidade a 25 euros e urgências a 30, em troca de uma mensalidade de dois euros para se ser membro da organização. Uma forma de "aliviar o SNS", alegou Luís Barbosa, presidente da CVP. O grupo Trofa Saúde, no Norte do país, foi o primeiro este ano a avançar para uma campanha de urgências a preços mais baixos (30 euros), em Janeiro, poucos dias depois do substancial aumento das taxas moderadoras no SNS. "Fizemos uma vez e está feito. O nosso objectivo era mostrar que nem todo o sector privado é muito caro ou explora as pessoas, como às vezes se pode pensar", diz Artur Osório, do conselho de administração, acrescentando que a acção resultou num aumento de 20% nas urgências. Mas não será uma medida a repetir, segundo o responsável, que não gostou de ver o grupo associado a um conceito low cost da saúde. As próximas campanhas serão descontos a pessoas com mais de 65 anos, por exemplo.
Sobre a concorrência, Artur Osório limita-se a constatar que é "uma inevitabilidade". "Mas não pode ser uma concorrência selvagem, na saúde não se vendem fatos e gravatas, temos de estar perante entidades licenciadas e reguladas", avisa. Para as recém-chegadas pequenas clínicas com preços mais baixos - as Walk"in Clinics - sobra um "nada contra". "É preciso apenas que a Entidade Reguladora da Saúde e o Ministério da Saúde estejam atentas e zelem para que tenham qualidade e que funcionem segundo critérios, regras e auditorias que garantam segurança", defende. "De resto, se houver quem fizer melhor e mais barato, lucra o doente e o país também", conclui.
José Mário Martins, presidente da Associação Portuguesa de Clínicas Médicas, diz que "ainda não há uma generalizada quebra de preços" nos pequenas clínicas. Porém, lembra que muitos consultórios não aumentam os preços desde há três anos. "São todos unânimes em dizer que há uma quebra da procura e dizem-se asfixiados do ponto de vista burocrático, além do financeiro. O que faz com que alguns desistam de ter um consultório privado", alerta. Reconhecendo a importância do preço nesta altura de crise, José Mário Martins defende que "a relação [de confiança] médico-doente acaba por prevalecer". "Há pessoas que mudaram por causa do preço, mas acabam por voltar", constata, acreditando que o sector está num momento de transição que irá acabar por estabilizar. Sobre a versão low cost na saúde, reage: "Tenho de acreditar que não afectará a qualidade dos cuidados de saúde se as entidades fiscalizadoras cumprirem o seu papel".
"A nossa preocupação é que não haja qualquer tentação de usar o sector privado para fazer com que o SNS deixe de cumprir as suas funções constitucionais. Isso seria inaceitável", responde José Manuel Silva, bastonário da Ordem dos Médicos. "Garantida a qualidade, estas promoções não nos merecem qualquer tipo de reserva intelectual", afirma o bastonário, que lembra que a OM está a constituir um "departamento de qualidade para efectuar auditorias ao sector público e privado". "A verdadeira Entidade Reguladora da Saúde (ERS) é a OM", provoca o bastonário. Ainda assim, alerta que é preciso cuidado para não confundir cuidados de menor complexidade a preços mais baixos com falta de qualidade. "Estamos atentos. Aos mínimos indícios, vamos avaliar o que se passa", diz.
"A grande confusão com o low cost" nesta área é pensar que a saúde é uma mercadoria como outra qualquer", defende o bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, Orlando Monteiro Silva, que vê com "muita relutância" a campanha lançada pela Cruz Vermelha. "Misturar os desígnios da Cruz Vermelha com a entrada numa lógica concorrencial low cost parece-me mais uma estratégia comercial", diz. O bastonário olha para este tipo de concorrência como algo delicado, sobretudo quando "é muito difícil para um doente comparar a qualidade dos cuidados prestados e, por isso, as pessoas ficam muito indefesas". "É preciso regulação. A ERS está a tentar acompanhar, mas falta legislação adequada, nomeadamente na área da publicidade", afirma.
Hoje, um dos principais problemas da medicina dentária é precisamente a "publicidade enganosa" de algumas clínicas que oferecem serviços com preços muito atractivos mas que escondem o valor real da factura final. Nos últimos anos, houve várias acções inspectivas a clínicas dentárias e que, em alguns casos, resultaram no encerramento destes negócios.
Pedro Moreira, director da Deco Proteste, acredita que a saúde "é um sector como os outros onde é possível fazer comparações". A Deco Proteste fez vários estudos sobre os preços das consultas médicas, concluindo, por exemplo, que uma consulta no privado de uma mesma especialidade pode ter uma diferença superior a 80 euros. "Como não há limites máximos nem mínimos, queremos dar referências às pessoas", diz.
A mudança de paradigma na Medicina Dentária, com a proliferação de negócios de franchising, conseguiu baixar consideravelmente os preços. Resta saber se vamos assistir ao mesmo efeito noutras áreas da saúde. E se descontos e promoções no mercado da saúde estão para ficar e crescer ou se são apenas uma moda e uma resposta passageira aos tempos de crise.