Meia centena de psiquiatras tomam posição pelo "sim"
Ana Matos Pires exige esclarecimento da Ordem sobre "síndrome pós-aborto"
Na sequência de afirmações de psiquiatras ligados aos movimentos pelo "não", que falavam de uma "síndrome pós-aborto", mais de 50 psiquiatras subscreveram um abaixo-assinado, no qual rejeitam a existência de diagnósticos psiquiátricos resultantes do aborto, realçam que o conceito não existe em nenhum compêndio científico e tomam posição a favor da despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas.Subscrito por vários chefes e directores de serviço de psiquiatria - Daniel Sampaio e Maria Luísa Figueira (Santa Maria); Caldas de Almeida e Álvaro Carvalho (São Francisco Xavier); Graça Cardoso e Teresa Maia Correia (Fernando da Fonseca); António Leuschner (Magalhães Lemos); Fernando Areal (José Joaquim Fernandes); José Salgado (Hospital de Santarém); Alice Nobre, António Daskalos, José Manuel Jara, João Cabral Fernandes e António José Albuquerque (Júlio de Matos) -, o documento começou a circular, apenas no meio psiquiátrico, em reacção às declarações de Adriano Vaz Serra, director do serviço de psiquiatria dos Hospitais da Universidade de Coimbra, que corroborou a ideia de uma "síndrome pós-aborto", primeiramente referida pela psiquitra e mandatária da Plataforma Não Obrigada! Margarida Neto. O que mais indignou os subscritores do abaixo-assinado foi o facto de Adriano Vaz Serra ter falado como presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental.
Ao PÚBLICO, a psiquiatra Ana Matos Pires, mandatária dos Médicos pela Escolha, adiantou ter já enviado um pedido de esclarecimento ao colégio de psiquiatria da Ordem dos Médicos e acrescentou que também vai dirigir a mesma solicitação à Sociedade Portuguesa de Psiquiatria.
Os psiquiatras que subscrevem o abaixo-assinado, a que o PÚBLICO teve acesso, referem que o "consenso científico actual" aponta que a decisão de abortar "está associada a um conjunto de sentimentos, como a tristeza e a culpa, que, por si só, não correspondem a um diagnóstico psiquiátrico". "Para muitas mulheres, a decisão de interromper uma gravidez indesejada é antes fonte de alívio e de normalização emocional", contrapõem. Realçando a importância do acompanhamento médico das mulheres, os psiquiatras alertam que aquele só será possível após "o fim do flagelo do aborto clandestino, que empurra as mulheres para uma decisão solitária, desinformada e que coloca graves riscos à sua saúde física e psíquica".