Lei põe Parlamento a pagar funcionários dos partidos na AR

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RUI GAUDÊNCIO

Estão nomeados com um vínculo de comissão política e podem perdê-lo de um dia para o outro, sem direitos, se tal for a decisão da direcção dos grupos parlamentares. Os funcionários que em São Bento servem os partidos têm um estatuto peculiar, "mais precário do que um contrato a termo"

Em sucessivas legislaturas, Miguel Ginestal foi deputado por Viseu, mas nas legislativas de 2011 não foi eleito. Hoje, é membro do secretariado do PS e chefe de gabinete de António José Seguro, secretário-geral dos socialistas e deputado à Assembleia da República, e nessa qualidade faz a ligação entre a bancada parlamentar e a direcção do partido. É esta ponte que justifica o facto de Miguel Ginestal ser funcionário do grupo parlamentar do PS, pago com as verbas que o partido recebe no Parlamento.

A situação, embora enquadrada pela lei orgânica da Assembleia da República, representa um dos casos peculiares no mundo à parte das relações laborais em que vivem os funcionários dos grupos parlamentares e que os separam dos trabalhadores em geral, mas também dos 373 funcionários do Parlamento propriamente dito, que estão integrados na administração pública central.

"Estas nomeações são empregos de confiança política", clarifica o chefe de gabinete do PS, Eduardo Quinta-Nova, em declarações ao PÚBLICO. Ou seja, trata-se de trabalhadores que são nomeados a cada eleição e com uma situação de excepção face ao direito laboral geral.

Isto é, obedecem ao regime de folgas e de férias da função pública, mas na assistência médica e na segurança social podem optar entre o regime geral e o equiparado a funcionário público. E o seu vínculo laboral é absolutamente precário, já que podem perder o emprego e o vencimento de um dia para o outro, por decisão das direcções políticas dos partidos. Sem indemnização e apenas com direito a subsídio de desemprego. "Estamos nomeados com um vínculo de comissão política, podemos ser nomeados e desnomeados de um dia para o outro, sem direitos, se tal for a decisão da direcção dos grupos parlamentares", assume Eduardo Quinta-Nova. O vínculo de trabalho dos funcionários dos grupos parlamentares "é absolutamente precário, é mais precário qdo ue um contrato a termo".

A equiparação ao regime de saúde e de segurança social é uma aquisição recente e surge na sequência de uma decisão do ex-presidente da Assembleia da República Jaime Gama, que "pediu um parecer ao conselho consultivo da procurador-geral da República sobre como deveria ser gerido o estatuto dos funcionários dos grupos parlamentares que são politicamente nomeados a cada eleição", explica Eduardo Quinta-Nova, acrescentando: "O conselho consultivo da PGR disse que devia ser aplicado o regime dos funcionários público".

Perfil diverso

Miguel Ginestal não é o único dirigente partidário nestas condições, embora seja dos mais proeminentes nas hierarquias partidárias. Mas no PCP, Jorge Pires, membro da comissão política, recebe como funcionário do grupo parlamentar, e no BE Joana Mortágua é assessora para a área do Trabalho, da Segurança Social, dos Negócios Estrangeiros e dos Assuntos Europeus.

Mas nem só dirigentes de topo ocupam estes lugares. O perfil do funcionário partidário é muito diverso. Podem ser dirigentes partidários de topo, mas também meros militantes. E por vezes são ex-deputados que são assessores como forma de potenciar até o conhecimento que têm do seu anterior exercício de mandato. Dina Nunes, chefe de gabinete do BE, declara ao PÚBLICO que, neste momento, o seu partido não tem ex-deputados entre os funcionários do grupo parlamentar, mas já teve. A mesma situação é assumida por Bernardino Soares, líder parlamentar do PCP, que explica que o PCP já empregou como assessores ex-deputados. E Bernardino Soares reconhece que "há dirigentes do PCP que são funcionários do grupo parlamentar, nomeadamente membros do comité central [CC] que são assessores", além da situação já apontada de que Jorge Pires, da comissão política, é assessor da bancada.

Já o PS tem neste momento como funcionários da bancada, na qualidade de assessores, o ex-secretário de Estado e dirigente nacional Óscar Gaspar e os ex-deputados Ricardo Gonçalves, Rui Pereira, Rui Prudêncio e Sofia Cabral. Mas o chefe de gabinete do PS garante que "o grupo parlamentar não é um albergue de ex-deputados e de ex-funcionários dos ministérios dos Governos do PS". E acrescenta: "Perdemos as eleições e, dos funcionários que tinham ido para os Governos de José Sócrates, voltou um motorista, duas secretárias e dois juristas, isto quando tinham saído 15 para o Governo. Estes voltaram porque, à época, a direcção parlamentar se tinha comprometido a isso e esta direcção respeitou esse compromisso."

Cada grupo parlamentar gere com relativa autonomia os seus quadros de funcionários, embora as regras financeiras sejam as da lei orgânica. Estas estabelecem seis categorias, consoante o número de deputados eleitos por grupo parlamentar e com pesos diferentes. Todas têm, porém, como referência numerária o indexante do apoio social, que actualmente é de 419 euros, depois de até 2011 ter sido calculado com base no ordenado mínimo nacional (485 euros). Assim, quantos mais deputados, mais dinheiro, embora os grupos mais pequenos sejam mais beneficiados. E nem todo o dinheiro que os grupos parlamentares recebem é gasto com salários.

Do oito ao 80

É essa autonomia que faz com que haja uma grande disparidade no número de funcionários dos grupos parlamentares e no equilíbrio entre deputados e funcionários. Assim, o PSD, que tem 108 deputados, tem 64 funcionários (59%), enquanto o PS, com 74 deputados, tem 71 funcionários (95%). Já o CDS, com 24 deputados, tem 32 (133%) funcionários, o mesmo número que o BE, que tem apenas oito deputados (400%). Já o PCP, com 16 deputados, tinha em Outubro 49 funcionários (306%).

Isto faz com que a disparidade salarial seja grande, de acordo com os dados fornecidos pelos próprios partidos e mesmo tendo em conta a diferença de eleitos. Assim, no PS os gastos com salários são em média 125 mil euros por mês. Já no PSD a média mensal é de 130 mil euros. No CDS esse valor fica-se pelos 82 mil euros. No BE é de 67.956 euros e o PCP não forneceu o valor exacto que gasta mensalmente com os salários.

Nas informações prestadas por escrito ao PÚBLICO, a direcção do grupo parlamentar comunista diz que "a opção do grupo parlamentar do PCP por salários dos quadros de apoio que não são elevados permite ter um maior número de pessoas a participar" e que se "os salários fossem elevados o número de pessoas seria menor, uma vez que a verba definida pela Assembleia da República para esta área de apoio aos grupos parlamentares é fixa". Logo, a quantidade de funcionários "não altera assim a verba a receber".

Já a chefe de gabinete do BE, Dina Nunes, explicou ao PÚBLICO que nesta bancada "há três categorias de funcionários e de ordenados". Assim, a chefe de gabinete e os assessores de imprensa, que "não têm horário" e que, por isso, "são os que recebem salário mais alto", ganham na ordem dos três mil euros brutos. Há, depois, "os assessores, na ordem dos 1800 euros brutos e, por fim, os menos qualificados, que recebem menos".

No que diz respeito aos salários, o PS foi de facto o grupo parlamentar que introduziu mais alterações nesta legislatura. Reduziu drasticamente o vencimento dos seus funcionários de modo a conseguir ter mais funcionários, apesar da quebra de eleitos de 97 para 74, explica ao PÚBLICO o chefe de gabinete, Eduardo Quinta-Nova, que assume sem hesitação: "Em média, o corte de salários dos funcionários foi de 25%, mas progressivos. O maior corte foi o meu salário como chefe de gabinete. Consideramos que nenhum funcionário deve ganhar mais do que os deputados. Fizemos uma grande reforma salarial, os salários estão entre os 3190 e os 823 euros. Diminuímos salários para evitar despedimentos."

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