Currículo de Passos Coelho omite que foi dois anos administrador da Tecnoforma
Passos Coelho sempre disse que foi apenas consultor da Tecnoforma e que a deixou em 2004, quando foi trabalhar com Ângelo Correia. Afinal foi administrador até 2007. "Confusão minha", disse ao PÚBLICO
Pedro Passos Coelho disse ao PÚBLICO, e consta dos seus currículos, que cessou todas as suas actividades na Tecnoforma no início de 2004. Mas em Abril de 2007, ainda era administrador daquela empresa. Confrontado com o facto, Passos Coelho manifestou-se extremamente surpreendido e, depois de o confirmar com terceiros, comentou: "Confusão minha! Estava convencido de que tinha saído em 2004."
Contratado em 2000, por iniciativa de João Luís Gonçalves, que era um dos donos da empresa e tinha sido seu secretário-geral na JSD, Passos Coelho aparece em todas as publicações relativas ao seu percurso profissional como tendo ocupado na Tecnoforma apenas um lugar - o de consultor. As mesmas publicações e currículos indicam que toda a colaboração entre o consultor e a empresa terminou em 2004. E o mesmo afirmou o primeiro-ministro ao PÚBLICO em meados de Agosto deste ano.
Passos Coelho, porém, face às perguntas que lhe foram feitas, adiantou que durante "um período que não foi longo" e que "terá durado talvez um ano e pouco" desempenhou as funções de administrador da empresa, juntamente com o seu amigo Francisco Nogueira Leite. Este gestor (sem qualquer ligação familiar ao administrador da CGD António Nogueira Leite) foi presidente do conselho de jurisdição nacional da JSD no final dos anos 80 e em Julho passado foi nomeado presidente da Parvalorem, uma empresa de capitais públicos ligada ao antigo BPN.
Solicitado repetidamente a esclarecer qual foi o período em que geriu a Tecnoforma, Passos Coelho respondeu várias vezes que foi em 2003 e princípio de 2004, altura em que cessou todas as suas ligações à empresa e foi trabalhar com Ângelo Correia no grupo Fomentinvest - onde foi administrador executivo de três empresas no perído de 2005 a 2007. A administração da Tecnoforma foi-lhe entregue, explicou, através de uma procuração emitida pelos anteriores administradores e que "foi revogada" a seu pedido e de Nogueira Leite, quando deixaram a empresa, em 2004.
A confusão de Passos
No entanto, conforme o PÚBLICO lhe assegurou e o próprio veio a confirmar através de dois telefonemas que fez durante a conversa, um deles para o presidente da empresa, Sérgio Porfírio, e outro para Nogueira Leite, as coisas não se passaram assim.
Primeiro: as suas funções como administrador da Tecnoforma prolongaram-se pelo menos até Abril de 2007. Aliás, no mês anterior e naquela qualidade, lembrou-lhe o PÚBLICO, assinou o pedido de pagamento de saldo (ver imagem) da mais cara de todas as acções do programa Foral aprovadas no país, mais concretamente na Região Centro. "Confusão minha! Estava convencido de que tinha saído em 2004", concluiu Passos Coelho.
Segundo: a procuração que lhe dava poderes de gestão, assim como a Nogueira Leite, nunca tinha sido revogada e continuava em vigor em meados de Agosto deste ano. "Isso é um absurdo! Saímos, porque os accionistas queriam retomar a gestão da empresa dentro de um horizonte diferente daquele que estava combinado e nós não tínhamos interesse nenhum em ficar associados à gestão daí para frente", comentou Passos Coelho, acrescentando que nessa altura pediu "expressamente" que a procuração fosse revogada.
Posteriormente, Sérgio Porfírio declarou que o facto de isso não ter sucedido se deve a um lapso da empresa e no passado dia 29 de Agosto formalizou a sua revogação num cartório notarial de Benfica, em Lisboa (ver imagem).
Confuso é também o facto de Passos Coelho e Nogueira Leite terem actuado como administradores da empresa entre 2005 e 2007, conforme explicitou o seu presidente - "assinaram os relatórios e contas de 2005 e 2006" -, sem que a sua nomeação alguma vez tenha sido inscrita no registo comercial, como a lei exige. Mais uma vez surpreendido, Passos Coelho reagiu: "Essa foi a informação que me foi prestada pelos próprios accionistas [a de ter sido nomeado administrador na assembleia geral da empresa]. Nunca usurpei lugares na minha vida!"
Segundo o primeiro-ministro, os donos da empresa explicaram-lhe que a procuração [datada de Outubro de 2006] servia apenas para os dois administradores exercerem as suas funções até a sua nomeação ser registada na Conservatória do Registo Comercial. Na conversa telefónica que manteve com Nogueira Leite referiu, aliás, que assinou "imensos ofícios como presidente do conselho de administração", lugar formalmente ocupado por Sérgio Porfírio.
O que Passos Coelho ignorava - garantiu - é que o registo da nomeação nunca tinha sido feito e que a procuração permanecia em vigor.
Sérgio Porfírio diz que não sabe por que é que a nomeação não foi registada, acrescentando: "Essa era uma responsabilidade do dr. João Luís Gonçalves, que tinha o pelouro dos assuntos jurídicos." Já o facto de a procuração só ter sido passada em Outubro de 2006, apesar de Passos Coelho e Nogueira Leite terem sido nomeados administradores em meados de 2005, tem uma explicação para o presidente da empresa. "Até essa altura, eu mantinha as funções executivas e assinava todos os documentos. Depois fui para a universidade e deixei de ter tempo. Por isso é que foi passada a procuração, para eles poderem assinar."
Posteriormente à conversa, Passos Coelho facultou ao PÚBLICO a consulta de um fax enviado por ele e por Nogueira Leite a um banco, em Maio de 2007, onde informam que cessaram funções na Tecnoforma no dia 1 desse mês.