Brasil travou acordos para reconhecer engenheiros portugueses

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RUI GAUDÊNCIO

Bastonário vai ao Brasil para tentar superar o "silêncio ensurdecedor" a que se remeteram os responsáveis brasileiros.

Mais de um ano depois de ter assinado o primeiro de dois acordos para o reconhecimento das licenciaturas de engenheiros portugueses, o Brasil não só mantém o impedimento à entrada dos profissionais como foge a explicar a razão por que recuou em relação aos compromissos firmados. A acusação é do bastonário da Ordem dos Engenheiros (OE), Carlos Matias Ramos, admitindo que este é o assunto "mais constrangedor" do seu mandato.

Em Novembro de 2011, a OE e a sua congénere brasileira, a Confea, assinaram em Coimbra um acordo de reconhecimento mútuo. Na presença do primeiro-ministro, Passos Coelho, "o acordo permitia o exercício profissional dos engenheiros inscritos na Ordem, aproveitando uma lei de 1966 que possibilitava o registo temporário, período durante o qual o diploma português seria reconhecido por uma universidade brasileira", diz em entrevista ao PÚBLICO.

O acordo estabelecia ainda o prazo de seis meses para a definição dos critérios e para a sua entrada em vigor. "Era taxativo e eu acreditei que era possível", afirma Matias Ramos. A Confea, responsável pelo registo dos profissionais, mudou entretanto de presidente e aparentemente de opinião. "Houve nitidamente um travão" e "entrou-se numa cadeia sem fim", denuncia o bastonário.

Ao fim dos seis meses, Matias Ramos diz ter recebido cartas da Confea a alegar dificuldades e a pedir a prorrogação por mais seis meses. Ao fim desse tempo, recebeu um "silêncio ensurdecedor".

Em Outubro passado, um novo acordo foi assinado já não entre as ordens, mas entre as cúpulas de reitores dos dois países. Matias Ramos diz ter acreditado neste segundo acordo, até que reparou que estabelecia mais um prazo, este de dois meses. Recorda que "eram duas folhas A4 com os princípios orientadores do reconhecimento mútuo de diplomas". A iniciativa dos reitores surgia como uma "cereja no topo do bolo", mas, passados os dois meses, repete-se o silêncio.

Nesse mesmo mês, em Outubro, realizou-se em Lisboa o I Congresso de Engenheiros de Língua Portuguesa. Apesar dos convites da OE, o actual presidente da Confea não compareceu. Por essa altura, já o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, se tinha encontrado com o ministro brasileiro da Educação, Aloísio Mercadante, em Brasília, para pedir o reconhecimento dos diplomas.

O bastonário não poupa críticas ao "país dito irmão": "Apresentam-nos a preocupação de travar a entrada de engenheiros portugueses com argumentos sequer inteligíveis, como o de que podemos "invadir o Brasil". Imagine-se, com a dimensão que temos!"

O Governo brasileiro admitiu que as necessidades do país apontavam para 80 mil engenheiros. Dos 47 mil engenheiros portugueses inscritos na OE, 19 mil são civis, a disciplina mais afectada por este desentendimento. "Mesmo que 10% dos engenheiros civis portugueses fossem para o Brasil, seriam apenas 1900", sublinha Matias Ramos, assinalando que, em contrapartida, os 354 engenheiros brasileiros reconhecidos em Portugal são um número "proporcionalmente superior".

No último ano, o vice-presidente da OE foi também ao Brasil por duas vezes, mas sem sucesso.

Matias Ramos, em fim de mandato e de novo candidato assumido, ilustra o que considera ser "uma cadeia sem fim" de bloqueios. Um engenheiro português, licenciado no Instituto Superior Técnico, com 18 anos de profissão, solicitou reconhecimento de diploma no Brasil. Foi-lhe exigido que voltasse à universidade para fazer 13 cadeiras em 60 dias, sob a superintendência de um júri e sem hipótese de alargar o prazo. Perante esta exigência legal, invocada pelas autoridades brasileiras, Matias Ramos responde que o impedimento pode ser "legal, mas é imoral".

E este travão é colocado do mesmo modo a outros países? "Não sei. O que me é referido também é o receio de uma invasão dos EUA", responde o bastonário. Por isso, anuncia que vai dia 15 de Janeiro ao Brasil para "perceber que dificuldades são", à procura de uma resposta. Desta vez, para chegar ao seu homólogo, diz que teve de recorrer a terceiros para facilitar o encontro. "Não dizer "não", nem "sim", nem "nim" não pode ser. O Brasil é muitos "brasis" e há ali gente a aproveitar-se de uma situação de emergência."

Enquanto os portugueses estão privados de beneficiar do boom económico brasileiro ou deixam que outros assinem os seus trabalhos - uma situação "inaceitável, porque é-se como um escravo" -, as solicitações de reconhecimento, "imensas", acumulam-se na Ordem.

A aposta no Peru e Colômbia, cujas economias atravessam também uma forte expansão e grande infra-estruturação, afigura-se como a alternativa. Os acordos de reconhecimento mútuo com estes países são recentes, pelo que Matias Ramos considera ser ainda cedo para balanços. Relata ainda que o mesmo tipo de acordo com Angola e Moçambique está a correr bem. Especialmente no caso de Angola, país com o qual "há uma relação excelente" no que se refere ao reconhecimento dos engenheiros portugueses.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros considera este dossier prioritário nas relações de Portugal com o Brasil e refere que tem sido feito um "minucioso trabalho negocial", para o qual tardam resultados.

Quanto ao número de engenheiros estrangeiros reconhecidos em Portugal, é considerado residual, com um salto excepcional no ano passado, quando perto de uma centena de alemães veio a Portugal para prospecção de petróleo, uma missão que entretanto terminou.

Engenharia "desvalorizada"

À procura de saídas para a engenharia, sobretudo civil, a OE opõe-se à "desvalorização" desta actividade. Um dos sintomas disso foi a atenção mediática dada ao 29º lugar internacional obtido por uma universidade de Economia, mas o mesmo não ter acontecido com o 7º lugar da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto no ranking europeu de Engenharia Mecânica, o 12º lugar em Engenharia Química ou o 16º lugar em Engenharia Civil.

"Custa-me que o país desvalorize a engenharia", sublinha Matias Ramos. O momento mais grave desta tendência ocorreu quando o IEFP ofereceu emprego a engenheiros por 600 euros, com uma série de exigências. "Um empresário que faz uma coisa destas é um negreiro."

A despromoção da profissão reflecte, na sua opinião, uma série de "erros crassos" que levaram, por exemplo, às Scut e a um clima de suspeição sobre os interesses dos engenheiros. Responsabiliza o Estado por esta situação e por ter também destruído a carreira de engenheiro na administração pública, preferindo apoiar-se em consultoras, quando estas "estão uma vez do lado do Estado, outra do cliente".

Está, por isso, pessimista quanto à desvalorização do mérito por parte do Estado. Denuncia o caso de um bolseiro do IST, com notas elevadas, cuja bolsa lhe foi retirada devido a dívidas do pai à Segurança Social e ao fisco, apesar de ser um pai ausente. O jovem corre o risco de abandonar os estudos, por falta de capacidade financeira da mãe. "As pessoas não são números e um país que não valoriza o mérito não tem futuro."

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