Ascensão e queda de uma empresa que está agora à beira da falência

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O projecto de formação de centenas de técnicos para sete aeródromos municipais foi um dos maiores Enric Vives-Rubio

Fernando Madeira, fundador da Tecnoforma, vendeu 80% da empresa, no Verão de 2001, à off-shore Ithaki, com sede em Gibraltar, que acusa de lhe ter ficado a dever mais de um milhão de euros

ATecnoforma foi declarada insolvente pelo Tribunal de Comércio de Lisboa no dia 11 do mês passado. O início da degradação da empresa, dizem alguns dos seus antigos responsáveis, remonta, porém, a 2005 - após a fase de ouro do programa Foral -, altura em que começou a acumular dívidas, nomeadamente a fornecedores, formadores externos e até a pessoal do quadro. Pouco depois, Passos Coelho assumiu a gestão, mas quando saiu, em meados de 2007, a empresa mantinha-se "nos patamares da falência técnica".

Um memorando elaborado em Abril daquele ano por Francisco Nogueira Leite, um ex-dirigente da JSD que partilhou com Passos Coelho a administração da sociedade, refere que, apesar das medidas por eles adoptadas, ela permanecia "nos patamares da falência técnica, com recurso excessivo ao financiamento junto de fornecedores e formadores e com o permanente dilema de pagar os custos correntes (salários, bancos e impostos) ou os compromissos assumidos com os formadores e os parceiros (...)".

Nos últimos anos, a situação foi-se sempre agravando, embora os fundos europeus continuassem a financiar muitos dos seus projectos - só em 2008 foram-lhe pagos mais de 3,1 milhões de euros no quadro de um dos programas do QREN.

O resultado dessa degradação traduzia-se em Março deste ano em mais de 30 acções judiciais interpostas em tribunal por outros tantos credores, nomeadamente formadores a quem os serviços prestados nunca foram pagos, e empresas fornecedoras.

Entre essas acções encontram-se algumas da autoria de antigos dirigentes da empresa, como o ex-director-geral Luís Brito e um accionista minoritário, João Lucas Rosa. Também em Angola, país onde a Tecnoforma chegou a controlar cinco outras sociedades, na área da formação e do import/export, muitos formadores e outros antigos colaboradores acusam a empresa de não lhes ter pago o que devia.

Acusações mútuas

Em tribunal arrasta-se, por outro lado, um complexo litígio que se prende com a aquisição de 80% do capital da sociedade por Sérgio Porfírio, que continua a ser o principal accionista, e pelo advogado João Luís Gonçalves, que vendeu a sua parte pouco depois da saída da administração do seu amigo Passos Coelho. O queixoso é Fernando Madeira - um antigo formador da Lisnave que criou a empresa em 1984, para formar trabalhadores da Cabinda Gulf Oil em Angola -, que no Verão de 2001 vendeu as suas acções à off-shore Ithaki, com sede em Gibraltar e representada em Portugal por Sérgio Porfírio e João Luís Gonçalves.

O negócio foi feito por dois milhões de euros (400 mil contos), mas Fernando Madeira, o homem que em 1996 encarregou Passos Coelho e João Luís Gonçalves de criar o Centro Português para a Cooperação (ver PÚBLICO de ontem), alega que só lhe foi pago o equivalente a cerca de 800 mil euros. Em falta estarão, entre outros valores, os quatro pisos de escritórios, avaliados em cerca de 700.000 euros, de que a empresa é proprietária em Almada e que deviam ter sido entregues a Madeira como parte do pagamento.

Num aditamento ao contrato entre a Ithaki e Fernando Madeira, assinado pelas partes em Abril de 2003, a off-shore reconhece que ainda não pagou 1,3 milhões de euros e compromete-se a fazê-lo até Abril do ano seguinte. De imediato entregaria a Madeira os quatro pisos de Almada, livres das hipotecas feitas pelos novos donos logo a seguir à compra da sociedade em 2001, o que não aconteceu até agora.

Gonçalves e Porfírio, que entretanto registaram as acções em seu nome e depois se desentenderam, conseguiram já fazer valer em tribunal, garantiu ao PÚBLICO o primeiro deles, que o não pagamento do total negociado se deveu ao facto de Fernando Madeira não lhes ter entregue as empresas que a Tecnoforma tinha em Angola, como previsto no contrato.

Madeira sustenta, pelo contrário, que cumpriu a sua parte do que contratado, mas limita-se a declarar: "Vendi o grupo: tenho um processo em tribunal e a única coisa que quero é que me paguem o que me devem." Antigos quadros superiores da empresa salientam que os dois milhões de euros pelos quais ela foi vendida à Ithaki foram uma "pechincha", já que só os imóveis que ela detinha em Almada, Luanda e Cabinda, juntamente com o dinheiro que tinha a receber dos clientes, quase valiam esse montante.

Os actuais donos da empresa, Sérgio Porfírio e Manuel Castro, que em 2007 compraram a parte de João Gonçalves, criaram em 2010 um sociedade gestora de participações sociais (Plurimpera) e uma outra firma com um objecto semelhante ao da Tecnoforma: a Tecnoforma II, ambas com sede no Parque das Nações.

A reunião da assembleia de credores da Tecnoforma, agora com uma dezena e meia de empregados, está marcada para o dia 8 de Janeiro.

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