As contradições de Santana Lopes
No primeiro dia em que se referiu à intenção de aplicar taxas moderadoras diferenciadas na saúde, Santana Lopes defendeu que aqueles "que têm mais poder económico devem pagar a taxa moderadora que corresponde aos seus rendimentos" e adiantou que iam ser criados "cartões" para identificar os utentes segundo a sua "classe contribuinte". Um dia depois, esclarecia que o seu objectivo, afinal, não era diferenciar as taxas, mas sim estabelecer um pagamento diferenciado dos cuidados do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Uma semana mais tarde, em entrevista à SIC, garantia que ia avançar com as taxas moderadoras diferenciadas mas admitia já que dispensava a criação de novos cartões de utente. A confusão estava instalada.O próprio ministro da Saúde foi apanhado de surpresa com as declarações de Santana Lopes, até porque a intenção de diferenciar as taxas moderadoras não é nova e estava em estudo desde o Verão do ano passado. Aliás, o decreto-lei que veio prever o aumento das taxas moderadoras em Agosto de 2003 - taxas que, ressalve-se, não eram actualizadas há onze anos e que nalguns casos sofreram acréscimos significativos - sublinhava já a necessidade de proceder a uma "dinamização deste instrumento da política de saúde", redefinindo os valores das taxas "assentes em critérios de adequação ao rendimento dos utentes". Santana pegou na ideia e deu-lhe contornos aparentemente bem mais vastos. O primeiro-ministro "partiu da diferenciação das taxas moderadoras para uma orientação diferente, a da comparticipação diferenciada dos cuidados de saúde pelos utentes", admitiu um responsável do Ministério da Saúde, sublinhando que agora é preciso "perceber qual será o rumo"a seguir nesta matéria.As sucessivas afirmações de Santana Lopes revelam apenas toda a sua "ignorância e impreparação sobre esta matéria", considera o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, Manuel Delgado, para quem a medida, nos moldes anunciados, "não tem pés para andar, nem constitucionalmente, nem tecnicamente, nem socialmente". "É um disparate completo, um recuo a meados do século XX", acrescenta, lembrando que nenhum país utiliza as taxas moderadoras para financiar o sistema de saúde.Manuel Delgado nota ainda que, apesar de a percentagem do Produto Interno Bruto nacional dedicado ao sector (nove por cento) ultrapassar a média dos países da OCDE, os portugueses são "os que mais pagam do seu bolso para as despesas da saúde, cerca de 38 cento do total dos gastos". Se o Governo quer repensar o financiamento da saúde, deve fazê-lo com "seriedade" e não arranjando "expedientes baratos", acrescenta.Para ex-ministro e secretário de Estado da Saúde do PSD Paulo Mendo - um dos responsáveis pela introdução das taxas moderadoras em Portugal nos anos 80 -, é também claro que este instrumento de racionalização da procura dos serviços de saúde "nunca foi nem será fonte de financiamento" do SNS. Mendo concorda com Santana Lopes quando este defende que a saúde tem que ser financiada de uma maneira diferente - "é um problema político extremamente sério e que sistematicamente tem sido ignorado" - mas discorda frontalmente do processo anunciado. "Os co-pagamentos no acto, para além de introduzirem muita burocracia, vão estimular a fuga dos utentes do SNS para os serviços privados", prevê. Quanto a alternativas ao sistema actual, o antigo ministro da Saúde lembra que, ao longo dos anos, têm sido apresentadas várias propostas e projectos de financiamento do SNS que nunca sairam do papel. A solução poderá passar pela retirada do sector "do sistema rígido do Orçamento do Estado" e pela criação um orçamento específico. Ou seja, pela criação de uma espécie de "imposto consignado", à semelhança do que acontece em vários países europeus.