Obama cumpre a segunda etapa da sua "ofensiva nuclear"

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Posição dos EUA, dizem os críticos, pode incentivar o nuclear iraniano AFP

Depois de anunciar a nova doutrina nuclear americana, o Presidente tenta reunir condições para uma mobilização internacional contra a proliferação

Os presidentes americano e russo, Barack Obama e Dmitri Medvedev, assinam hoje em Praga um tratado de redução dos arsenais nucleares. Não é um acto puramente bilateral. É o segundo passo da "ofensiva nuclear" de Obama, aberta há dois dias com o anúncio de uma nova doutrina nuclear. Prosseguirá na próxima semana com a Cimeira da Segurança Nuclear, em Washington, e culminará na conferência da ONU sobre o Tratado de Não Proliferação (NPT), em Maio, em Nova Iorque.

A campanha foi lançada há um ano, em Praga, com o discurso de Obama sobre "um mundo sem armas nucleares". O objectivo declarado é reforçar a "segurança nacional", abandonando as doutrinas da Guerra Fria "para responder às ameaças do século XXI". O combate à proliferação e a necessidade de salvaguardar o NPT são a preocupação imediata.

O novo tratado Start (ver ao lado) não é muito ambicioso. Mas, frisam analistas americanos, é crucial para Obama, pois precisa de mostrar acção e passar a mensagem de que os EUA estão seriamente empenhados em reduzir os seus arsenais e o peso da arma nuclear.

Washington e Nova Iorque

Na conferência sobre o NPT, as cinco potências nucleares oficiais (EUA, Rússia, China, Grã-Bretanha e França) serão submetidas a forte pressão dos desnuclearizados para acelerarem a redução dos arsenais, como previsto no texto de 1968, assinado por 189 países - as excepções são a Índia, o Paquistão e Israel. Ora, os EUA e a Rússia detêm mais de 90 por cento das armas nucleares existentes.

A outra vertente, a redução do papel da arma nuclear e a introdução de restrições inéditas no seu uso, foi enunciada na terça-feira. Os EUA comprometem-se a apenas usar a bomba em "circunstâncias extremas", dando uma garantia aos adversários não nuclearizados que os ataquem: não responderão com a arma nuclear. Mas com uma excepção: os países que violem o NPT.

Esta excepção, que visa o Irão e a Coreia do Norte, e possivelmente a Síria, foi criticada por especialistas americanos, como Stephen Walt ou Flynt Leverett, que a qualificaram como um incentivo para a corrida à bomba pelo Irão, já que o designa como "um alvo nuclear".

A 12 e 13 de Abril, reúne-se em Washington uma Conferência da Segurança Nuclear em que participarão os líderes de 47 países, além da ONU, da UE e da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA). O Presidente chinês, Hu Jintao, confirmou a sua presença. Participarão países irregularmente dotados da arma - Índia, Paquistão e Israel.

O objectivo é a segurança das armas e o controlo dos materiais nucleares, inclusive os de uso civil, visando criar um sistema de cooperação internacional que dificulte o acesso de novos países ao nuclear militar e a possibilidade de esses materiais caírem nas mãos de redes terroristas. A incógnita é saber se Obama poderá obter mais do que declarações.

De 5 a 28 de Maio, os 189 subscritores do NPT reunir-se-ão em Nova Iorque. Para grande parte dos países, o tratado é iníquo, favorecendo os "grandes". Os EUA gostariam de o "actualizar", já que foi em grande medida concebido contra "a corrida aos armamentos". Outros querem rever disposições que consideram discriminatórias. Estará em cima da mesa a "desnuclearização do Médio Oriente", ou seja, o desarmamento nuclear de Israel. Todos têm direito de veto e o Irão é um dos subscritores.

A favor do statu quo joga o facto de a maioria dos não nuclearizados ter beneficiado do NPT, que travou o acesso à arma por adversários ou vizinhos mais fortes.

O "ponto crítico"

Obama precisou que as armas nucleares americanas "vão perdurar enquanto existirem armas nucleares" no mundo. O discurso de Praga não deve ser tomado à letra, mas como uma "visão" para forçar a ruptura com "a mentalidade da Guerra Fria".

A bomba atómica terá evitado, desde 1945, uma guerra entre grandes potências, o que é inédito. Mas, terminado o "equilíbrio do terror", a dissuasão nuclear começa a parecer obsoleta. "A ameaça de guerra nuclear tornou-se remota, mas aumentou o risco de um ataque nuclear", constata o novo documento americano.

A nova expressão é "o ponto crítico nuclear", título de um documentário exibido por Obama na Casa Branca e lançado por um manifesto de antigos responsáveis da política externa, George Shultz, William Perry, Henry Kissinger e Sam Nunn, em Janeiro de 2008: "A acelerada difusão das armas nucleares, do know-how e dos materiais nucleares conduziram-nos a um ponto crítico nuclear. Enfrentamos a real possibilidade de as mais mortíferas armas jamais inventadas poderem cair em mãos perigosas. (...) Com armas nucleares mais largamente disponíveis, a dissuasão torna-se cada vez menos eficaz e crescentemente aleatória."

A nova "postura nuclear" de Obama parte do princípio de que a superioridade das forças convencionais americanas e o seu avanço nos sistemas antimísseis são a primeira garantia da segurança nacional.

No entanto, o que é verdade para os EUA não o é para os outros. Num horizonte realista, a Rússia e a China não têm meios para competir com os EUA. Abandonar os arsenais nucleares não faz parte dos seus planos. O mesmo acontece com a Índia e o Paquistão, e com Israel.

Os EUA reformularão a sua dissuasão. E batem-se contra a proliferação. Apela o general Colin Powell: "Este é o momento em que temos de avançar, de arrastar os outros connosco, para reduzir o número de armas nucleares e, depois, as eliminar da face da Terra." Se a desnuclearização é uma meta irrealista, a não proliferação pode ser tema de consenso, já que toca a segurança internacional.

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