As lições de Tchernobil, 25 anos depois da catástrofe
Em 1986 e 2011 ocorreram os dois piores acidentes nucleares, um na Ucrânia, o outro no Japão
Pripiat, na Ucrânia, é uma cidade-fantasma, 25 anos depois do acidente da central nuclear de Tchernobil. A dois quilómetros, os seus então 50 mil habitantes estiveram 36 horas a ser contaminados, sem o saberem, com os materiais radioactivos lançados no ar pela explosão do reactor quatro. Que lições se aprenderam com Tchernobil, o pior acidente nuclear da história, a 26 de Abril de 1986?
Quando era impossível negar a sua gravidade, o quotidiano dos habitantes de Pripiat foi interrompido pelas autoridades soviéticas, que antes não quiseram lançar o pânico, e todos partiram em autocarros à pressa, com a promessa de regresso ao fim de alguns dias. Para trás deixaram tudo, as casas, os móveis, as roupas, os carros, os brinquedos. O abandono apressado encontra-se hoje pela cidade, congelada no tempo, a que se junta a degradação de 25 anos e a invasão da vegetação e de animais selvagens.
Não é a única cidade-fantasma. Cerca de 135 mil habitantes abandonaram a região, nessa Primavera e Verão. A zona de exclusão mantém-se hoje num raio de 30 quilómetros da central, devido à radioactividade elevada. Quantas pessoas já morreram de cancro devido à radiação? Quantas vão morrer? O debate não tem consenso.
Alguns reformados insistem em regressar, para ficarem perto do túmulo dos familiares. Mas a entrada na zona de exclusão só é permitida a turistas e a trabalhadores, que, em turnos, preparam o novo sarcófago do reactor quatro de Tchernobil. Envolverá o velho, feito à pressa nos meses seguintes.
A explosão do reactor atirou para o ar pedaços do núcleo - com barras de urânio -, que caíram na floresta à volta. Nos 12 dias seguintes, lutou-se contra o incêndio de um material (grafite) presente no núcleo deste tipo de reactores, o que lançou grande quantidade de materiais radioactivos a três mil metros na atmosfera.
A nuvem radioactiva contaminou a Ucrânia, Bielorrússia e Rússia, mas também a Europa do Norte e Centro, chegando a França, Grã-Bretanha, Irlanda e Itália (Portugal foi salvo pelo anticiclone dos Açores, que a barrou, embora chegassem vestígios).
A então União Soviética não avisou o mundo do que se passava. Um dia após o acidente, a Suécia começou a detectar no ar um aumento anormal de radioactividade. E a 28 de Abril localizou a origem. Devia vir da União Soviética e o mundo foi alertado. Só aí as autoridades soviéticas reconheceram a ocorrência de um acidente em Tchernobil, dizendo apenas que estavam a tomar medidas.
Esta catástrofe tornou evidente a insuficiência de mecanismos de alerta de acidentes nucleares e a quase ausência de cooperação internacional. Com Tchernobil, ficou claro que as relações internacionais, pelo menos em caso de acidentes nucleares, tinham de incluir a palavra "transparência".
É pois sobre os escombros de Tchernobil que, entre outras, nasceu a Convenção sobre Notificação Rápida de um Acidente Nuclear, adoptada cinco meses depois do acidente pela Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA). Os países que a ratificaram têm de notificar, directamente ou através da AIEA, aqueles que são ou possam vir a ser afectados pela fuga de substâncias radioactivas. Também a Europa criou, em 1987, o seu sistema de notificação rápida, o ECURIE.
A convenção teve agora a primeira prova de fogo, com o acidente nuclear na central japonesa de Fukushima 1. O tsunami de 11 de Março no Japão desencadeou uma crise em Fukushima, ainda longe do fim.
Há um mês e meio que se luta sobretudo para arrefecer os núcleos de três reactores. Pararam automaticamente no dia do sismo, como previsto, mas tinham de continuar a ser arrefecidos com água. Como o sismo destruiu a ligação à rede eléctrica exterior, deviam ter funcionado geradores a gasóleo. Só que os depósitos de gasóleo foram arrastados pelas ondas e os geradores alagados. O resultado foi o segundo pior acidente nuclear da história, com as barras de combustível dos núcleos dos três reactores a deixarem de estar tapadas por completo com água, pelo que derreteram parcialmente. Ainda não estão sob controlo total.
Em relação a Tchernobil, há diferenças: os núcleos não tinham grafite para arder, nem explodiram. Mas a sua fusão é dos piores acidentes numa central. Não só torna difícil evitar a fuga de materiais radioactivos, como aumenta o risco de danos nas barreiras de contenção à volta dos núcleos, como o vaso de pressão - que, aliás, nem existia no reactor de Tchernobil (a Rússia abandonou o fabrico deste tipo de reactores e nos 11 que tem em operação, até 2024, modificou os sistemas de controlo e segurança). Em caso de danos nas barreiras de contenção, mais materiais são libertados.
Logo a 11 de Março, antes de qualquer fuga de radiação, o Japão notificou a AIEA dessa possibilidade. E a comunidade internacional, incluindo a Agência Portuguesa do Ambiente, recebeu essa informação.
Desta vez, o mundo ficou a postos. Quando, dias mais tarde, ocorreram fugas na atmosfera, a dispersão da nuvem pôde ser modelada com antecedência. Outra medida pós-Tchernobil foi a criação de redes nacionais de alerta de radioactividade no ar - como a RadNet em Portugal, com 13 estações de medição desde 1992. Os países ficaram assim à espera de ver se detectariam algum aumento. E recolheram-se amostras, desde alimentos a água, em vários pontos do mundo, para verificar a radiação.
No Japão, a zona até a um raio de 20 quilómetros da central foi evacuada, já estendida aos 30. Distribuíram-se pastilhas de iodo, caso fosse preciso evitar a fixação de iodo radioactivo na tiróide, entre outras medidas.
Diz-se que o acidente de Fukushima pode ser o de Tchernobil em câmara lenta, embora, por enquanto, as emissões sejam dez por cento das do acidente na Ucrânia. Para já, as lições de Fukushima sugerem, entre outros problemas, que a central não estava preparada para um tsunami daquela magnitude, numa zona de grande risco sísmico, e que os depósitos de gasóleo estavam no sítio errado.