Vieira conseguiu quebrar a hegemonia de Pinto da Costa

Perto de completar 12 anos à frente do Benfica, o presidente com mais longevidade no clube já é o segundo no ranking dos campeonatos conquistados.

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Luís Filipe Vieira Nuno Ferreira Santos

“O grande vencedor é Luís Filipe Vieira”, apontou recentemente José Mourinho, ao comentar a provável reconquista do campeonato pelos “encarnados”. Para o treinador do Chelsea, o êxito desportivo da equipa é indissociável da determinação presidencial em manter Jorge Jesus, há duas épocas, quando o técnico deixou escapar todos os títulos na recta final da temporada. Um trauma profundo no universo benfiquista, que exigiu a cabeça do treinador (nomeadamente elementos da direcção do clube), mas que não faria vacilar o líder, que anunciaria a renovação por mais dois anos com o técnico. “O treinador não estaria agora perto de ser campeão se tivesse sido despedido depois de uma época em que perdeu tudo nos últimos jogos”, reforçou Mourinho.

Vieira explicaria mais tarde a decisão: “Crescemos bastante com Jesus e ele também evoluiu bastante connosco, por isso não podemos cortar este ciclo de um momento para o outro, seria terrível.” O tempo deu-lhe razão. Logo na temporada seguinte, foi recompensado com a conquista das três principais competições nacionais e acabou apenas por ceder na final da Liga Europa (à qual chegou pelo segundo ano consecutivo), frente ao Sevilha. Nesta época já arrebatou a Supertaça, o campeonato e está na final da Taça da Liga. As vozes críticas cessaram e actualmente, ironia do destino, a continuidade de Jesus na Luz dependerá, acima de tudo, da vontade do treinador.

Ao longo da sua presidência, Vieira trabalhou com seis técnicos, mas apenas com dois deles construiu uma relação de cumplicidade. Primeiro com o espanhol José António Camacho e, nos últimos seis anos, com Jesus, de quem nunca escondeu a admiração. “Para mim, é o melhor treinador português”, garantiu poucas semanas após a sua contratação, em Julho de 2009: “Come futebol todos os dias, identifica-se facilmente com a massa associativa do Benfica, é um homem que eu conheço perfeitamente, que veio do nada, subiu a corda a pulso, e tudo o que sabe foi ele que aprendeu.”

Um treinador do povo, genuíno e emotivo, com quem o presidente se identificou desde o primeiro momento. O respeito e solidariedade são mútuos. “Temos uma relação próxima, de grande confiança, falamos a mesma linguagem e isso é muito importante”, responderia Jesus, no final da época passada: “Sei ser solidário e estou-lhe grato. Claro que a relação com Vieira foi importante para que continuasse.”

Nascido no bairro das Furnas, em Lisboa, há 65 anos, Luís Filipe Vieira nunca renegou as suas origens humildes. Abandonou cedo a escola e empregou-se numa loja de pneus, tornando-se num modelo de self made man. Empreendedor, lançou-se por conta própria no negócio dos pneus, alargando mais tarde as suas actividades à construção civil e ao imobiliário. Tornou-se num empresário de sucesso e construiu fortuna pessoal. Tal como Jesus, “subiu a corda a pulso” e sente-se bem junto do povo benfiquista, com quem convive com grande naturalidade nas regulares visitas às casas do clube dentro e fora de Portugal.

O futebol surgiu na vida do empresário no início dos anos de 1990, quando se aventurou na presidência do Alverca, que faria paulatinamente chegar à I Liga. Em 2000, chegou ao Benfica pela mão de Manuel Vilarinho. Encarregou-se do futebol, mas depressa se perfilou como potencial presidente. A 31 de Outubro de 2003, venceu as eleições com a maior percentagem de votos de sempre na história do clube, até então: 90,47%. “Esta é a maior responsabilidade que alguma vez os dirigentes do Benfica tiveram”, avisou, no meio de um ambiente eufórico.

O discurso era ainda de reconstrução, após os conturbados anos da presidência de Vale e Azevedo (1997-2000). As prioridades passavam pela recuperação financeira, profissionalização e aposta nas infra-estruturas, com o novo Estádio da Luz e o centro de estágios do Seixal à cabeça. Em 2004-05 conquistaria o seu primeiro campeonato com o italiano Giovanni Trapattoni, mas o futebol “encarnado” ainda não estava em condições de se bater de igual para igual com o FC Porto. Só com Jorge Jesus começaria a afirmação, ainda que com alguns percalços pelo caminho.

Conquistado um bicampeonato, que não era festejado na Luz há 31 anos, chegou uma nova etapa para o presidente com mais longevidade na história “encarnada” e o segundo com mais títulos conquistados (só atrás de Borges Coutinho, vencedor de sete campeonatos, entre 1969 e 1977). “Temos feito um caminho coerente ao longo dos últimos anos. Primeiro recuperámos a credibilidade do clube, depois as suas infra-estruturas e, agora, estamos na fase de consolidação”, resumiria no início deste ano, em entrevista ao jornal A Bola.

E o futuro? “Temos cada vez mais de contar com jogadores da formação nas nossas equipas profissionais (…) Os constrangimentos financeiros vão obrigar-nos a olhar cada vez mais para dentro e vamos deixar de poder fazer os investimentos que fazíamos no passado.” Um novo paradigma no futebol “encarnado”, com ou sem Jesus a bordo.

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