Um Brasil "carismático" que “está melhor e mais maduro”

Décadas de progressos e de consolidação transformaram uma nação elitista e desigual num lugar ?“onde muita coisa funciona e se faz direito”, mas a mudança não aconteceu por magia.

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Nelson Garrido

“É muito interessante o ambiente [actual] no Brasil”, diz ao PÚBLICO Paulo Sotero, o director do Instituto do Brasil do Woodrow Wilson International Center for Scholars, um think tank especializado em relações internacionais e sedeado em Washington. O analista – e “torcedor” – não se refere ao futebol mas ao momento político e social que o país atravessa: “Um período de atender a novas demandas e a novos desafios” que, frisa, já não são os mesmos do passado (inclusive do passado recente).

“O Brasil experimentou progressos muito importante nos últimos 30 anos. A democracia trouxe grandes resultados, principalmente desde que se controlou a inflação e quando a dimensão da inclusão social passou a pautar – a opção de crescer com equidade, de dividir enquanto crescemos, foi uma escolha política da Constituição”, assinala Paulo Sotero. E esse ciclo, sublinha, produziu resultados impressionantes: o país, que era desigual e elitista, foi capaz de legitimar a democracia, crescer e distribuir riqueza e elevar uma parcela da sociedade que “passou a exigir tudo melhor e mais rápido, saúde, educação, etc.”.

O director do Instituto Análise de São Paulo, Alberto Carlos Almeida, tem a mesma visão. As mudanças das últimas décadas, assentes na estabilidade trazida pelo Plano Real e aceleradas pelo modelo redistributivo implementado pelo Governo Lula, promoveram uma nova classe média – aquela que constitui “o meio da pirâmide social” brasileira e que não é necessariamente equiparável à europeia, no que diz respeito aos rendimentos ou à escolarização (mas começa a aproximar-se em termos de consumo). “Penso que essa evolução é o que mais merece destaque”, considera.

“Não existe nenhuma mudança que ocorre por magia: a nossa modernização é um processo lento e longo, de muitas décadas”, observa Alberto Carlos Almeida, ao telefone com o PÚBLICO. “Mas a nossa trajectória é sempre de progressos”, acrescenta. Não vendo razões para fatalismos, este especialista reconhece que a presente “travada económica” gerou insatisfação social, mas não coloca em causa as instituições brasileiras e os consensos nacionais em torno da política pública e até da política económica.

“O sistema político brasileiro funciona bem, apesar de ter símbolos ruins: a corrupção, o clientelismo... A visão do senso comum é muito pessimista, mas não corresponde à realidade”, afirma Alberto Carlos Almeida. “A maturidade democrática permite ao país enfrentar os seus desafios. As novas demandas implicam um sistema político, tributário e regulatório mais aberto – veremos se a classe política e empresarial estão à altura de produzir os resultados que trombetearam”, concorda Sotero.

Nas suas frequentes visitas ao Brasil, Paulo Sotero tem detectado um novo tipo de revolta e rancor nas conversas das pessoas – na fila do táxi do aeroporto ou no discurso político e mediático. Esse sentimento, distingue, “não é igual ao da época da ditadura”, é mais uma percepção de que “o Brasil está jogando fora os seus activos”. Mas como sempre recorda aos seus compatriotas, o país “está melhor e mais maduro” – não vale a pena desesperar e prever o fim do mundo, diz.

Segundo Sotero, “o Brasil é um país carismático”, que “progride e consolida”, e “onde muita coisa funciona e se faz direito”. Os exemplos abundam, tanto no sector público como privado: o país tem um dos melhores e mais eficientes serviços de colecta de impostos e uma máquina eleitoral exemplar; é o maior produtor agrícola do mundo e tem na Embraer a terceira maior construtora aeronáutica mundial…

“O que está acontecendo é que as pessoas não reconhecem os avanços. No Brasil, habituamo-nos a valorizar o que está faltando e não o que alcançamos”, lamenta Alberto Carlos Almeida.

Vários especialistas escreveram sobre a relação entre a conjuntura política brasileira e o desempenho da equipa nacional de futebol: por exemplo, nos anos 50, quando o Brasil perdeu a final no estádio do Maracanã, foi a imagem de modernidade que o país tentava construir que se desmoronou; ou nos anos 70, quando a aparente indiferença perante o tricampeonato era a expressão da resistência à ditadura militar.

Mas hoje, o debate público sobre o tipo de país que é o Brasil faz-se fora dos estádios, e a vitória ou derrota da selecção nacional não deverá influenciará os resultados da próxima contenda presidencial, em Outubro. “O Mundial será um momento de avaliação, mas os políticos estão loucos se acham que vão facturar politicamente com a Copa”, adverte Paulo Sotero.

Para o antropólogo Roberto DaMatta, professor emérito da Universidade norte-americana de Notre Dame, a organização do campeonato do Mundo de futebol acabou por revelar-se muito útil em termos da exposição de “profundas mensagens políticas que têm a ver com os temas que são mais fundamentais para o país”. O futebol, escreveu, deixou de ser o ópio do povo brasileiro, e tornou-se a centelha que o fez despertar.

 

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