Três jogos da II Liga sob suspeita de terem tido resultados combinados
Uma organização que monitoriza a actividade das casas de apostas apresentou um relatório que indica mais de 500 jogos na Europa em que há "fortes suspeitas" de combinação de resultados.
Apontando que "há outros casos" suspeitos verificados na recta final da II Liga, a organização, que monitoriza os fluxos de capitais e movimentos anormais das probabilidades, considera que foram "viciados", sem qualquer sombra de dúvida, os jogos Oliveirense-Benfica B (1-2), Trofense-Oliveirense (3-0) e Portimonense-Oliveirense (1-0), disputados respectivamente a 5 de Abril, 27 de Abril e 11 de Maio.
Referindo-se em concreto aos três jogos - e sublinhando que estes são apenas três exemplos, já que "há outros jogos estranhos em Portugal, sempre na II Liga" -, o secretário-geral da Federbet, Francesco Baranca, constatou que envolvem todos a Oliveirense, que foi sempre derrotada, pelo que é legítimo pensar que "talvez" os jogadores das outras três equipas não tivessem conhecimento.
Insistindo que as partidas em questão "não deixam dúvidas" de que foram alvo de manipulação, pois os movimentos de capitais e a tendência das probabilidades foram anormais e sem qualquer lógica, o responsável precisou que nos jogos Oliveirense-Benfica B e Trofense-Oliveirense havia "muito, muito dinheiro" que mostrava claramente que as partidas estavam destinadas a terminar com um resultado "over", ou seja, que seriam marcados pelo menos três golos (independentemente de quem os marca), e assim aconteceu, com os resultados finais de 1-2 e 3-0.
Quanto à partida no Algarve, o grande fluxo de apostas apontava para uma vitória do Portimonense sobre a Oliveirense, tendo a partida terminado com o resultado de 1-0 para os anfitriões.
Em reacção, o presidente da Oliveirense veio negar que tenha havido jogos viciados da sua equipa na II Liga de futebol de 2013-14, afirmando que "é tudo mentira".
José Godinho defendeu que o relatório "não tem qualquer fundamento", sublinhando que a "Oliveirense nunca estaria envolvida neste tipo de questões". "Não há nada comentar. A Oliveirense não combinou jogo nenhum e, inclusive, perdemos os três jogos, estando numa posição complicada da tabela. Não faz sentido nenhum", esclareceu o presidente, que durante esta semana vai decidir em relação à sua continuidade no cargo do clube.
Francesco Baranca, que ressalvou que muitas vezes os próprios clubes são alheios ao fenómeno e acabam mesmo por ser vítimas, sublinhou que a organização não pode fazer mais senão sinalizar e alertar para jogos sob suspeita, em função da análise exaustiva que faz de movimentações "estranhas" no mundo das apostas, cabendo às autoridades nacionais, organismos com tutela sobre as competições e clubes actuar.
Os três jogos da II Liga portuguesa apontados no relatório fazem parte de 510 encontros de futebol europeus da temporada 2013-14 sobre os quais recaem "fortes suspeitas" de resultados combinados, sendo que, destes, 110 não deixam "sombra de dúvidas", segundo o organismo que analisa os fluxos financeiros ligados às apostas.
O secretário-geral da organização de casas de apostas europeias - que estabeleceu um protocolo com a Liga espanhola de futebol BBVA, após o qual, disse, deixou de haver movimentos suspeitos nos encontros dos campeonatos espanhóis, opinião corroborada por um responsável da Liga espanhola presente na conferência de imprensa -, sublinhou que é "muito, muito fácil" por fim a um fenómeno que classificou como um "vírus" que ameaça matar o futebol: a prevenção.
Segundo Francesco Baranca, basta monitorizar os movimentos de capitais e de probabilidades nas apostas em torno das partidas e, ao detectar factos estranhos, comunicar imediatamente aos clubes, e estes aos jogadores, de que há suspeitas e de que o encontro será vigiado com particular atenção.
O responsável sustentou que, com o foco posto em si, um jogador deixará obviamente de estar tão disposto a cometer erros "combinados", que actualmente passam mais despercebidos, pois, sublinhou, o fenómeno dos jogos viciados atinge cada vez mais campeonatos ou de pouca expressão ou de divisões inferiores dos países com maior tradição, já que não há tantas câmaras nem testemunhas.
Em termos gerais, Baranca disse que os maiores problemas na Europa encontram-se nos países do Leste, destacando os bálticos, mas também Bulgária e Chipre, entre outros, afirmando que há muitos encontros amigáveis que têm lugar apenas para servir as apostas viciadas.
De acordo com a Federbet, é mais urgente que nunca pôr um travão no fenómeno, que está a aumentar devido ao crescimento das apostas na Internet e à ausência de penalização eficaz dos prevaricadores.
Nesse contexto, saudou o facto de a FIFA já ter anunciado que irá monitorizar cuidadosamente cada partida do Mundial de futebol do Brasil, no qual participarão jogadores, observou, envolvidos em vários encontros "viciados" que foram detectados nas diferentes competições nacionais ao longo da temporada 2013/14.
Em Portugal, sugeriu, um bom arranque para combater o fenómeno "é começar a falar dele", como aconteceu em Espanha há poucos anos.
Liga quer investigação
O presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), Mário Figueiredo, afirmou a intenção de levar "até às últimas consequências" a investigação de "jogos combinados" na II Liga.
"A Liga vai fazer tudo e reencaminhar para todas as autoridades judiciárias e desportivas para levar até às últimas consequências da lei. Os regulamentos da Liga já preveem sanções muito graves para os agentes desportivos que estejam envolvidos nesta situação e nós vamos levar isto até às últimas instâncias", sublinhou Mário Figueiredo, em declarações à agência Lusa.
O presidente do organismo revelou que vai reencaminhar a informação constante no relatório para a Procuradoria-Geral da República, para o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, para a Comissão de Instrução e Inquéritos da LPFP, para o Ministério Público, para a Policia Judiciária, para o secretário de Estado do Desporto e Juventude e para o ministro da Presidência.
"Uns para reprimir e punir aqueles que tenham sido os autores desta situação e os outros para que rapidamente implementam a regulamentação das apostas online, com o mercado aberto, concorrencial, e que haja em Portugal uma entidade que monitorize, regule o jogo e acompanhe estas situações e actue preventivamente. Nós, na situação em que estamos com a ilicitude das apostas online em Portugal, somos terrenos férteis para este tipo de situações. Eu tinha chamado a atenção para isto, ao longo destes últimos dois anos e meio, e vem agora um estudo dizer que houve resultados combinados em jogos específicos. Então, investigue-se até às últimas consequências", frisou.
Mário Figueiredo disse acreditar "na honorabilidade dos dirigentes do futebol profissional", reconhecendo que "há probabilidade de um guarda-redes, um defesa central ou um árbitro, alguém estar a ser corrompido", reiterando que "é tão grave existir um resultado combinado na II Liga como na I Liga", por colocar "em causa a integridade das competições e o mérito desportivo".
"Urge o Governo regulamentar a matéria das apostas online. O facto de existirem apostas online feitas em mercado paralelo, ou seja, ilegais, é campo fértil para a criminalidade associada às actividades ilegais", rematou Mário Figueiredo.
O dirigente recordou que "não foi o facto de tribunais terem decidido proibir publicidade a casa de aposta que faz com que não haja apostas sobre os resultados dos jogos em Portugal".
"A actividade continua a existir e o que está a acontecer é que o Governo, ao não regulamentar, está a furtar-se a receber os impostos que receberia se tributasse e regulamentasse a actividade e a furtar-se à verificação se existe ou não criminalidade associada às apostas online, nomeadamente resultados combinados", sublinhou Mário Figueiredo.
O presidente da LPFP culpou a inexistência de regulamentação nas apostas desportivas na Internet em Portugal, considerando que os Governos nacionais têm sido "cúmplices por omissão da possibilidade de existência de resultados combinados em Portugal".
"O que os Governos têm feito é, mantendo o monopólio da Santa Casa da Misericórdia e fingindo que não existem apostas online, não regulamentar a matéria e ao não o fazer é uma actividade económica que se desenvolve à margem da lei e que é terreno fértil para esta possibilidade. Eu acho esta situação dramática para a perspectiva da credibilidade das competições, é um anátema que se lança sobre o futebol em Portugal, o que não pode ser, e volto a apelar para que o Governo rapidamente regulamente as apostas online", concluiu.