O Presidente da República, o Desporto e a Justiça

2. Na passada sexta-feira, a Assembleia da República aprovou a criação de um Tribunal Arbitral do Desporto. Algumas das minhas leituras são públicas e encontram-se mesmo na página do Parlamento. Ao seu lado – no mesmo local – outras análises existem, por exemplo as dos órgãos de gestão e disciplina das magistraturas. Muitas delas são negativas quanto a um aspecto central: a imposição legal – com exclusão do acesso aos tribunais do Estado – de uma arbitragem.

3. Porventura, inserida num processo de “privatização” dessa função soberana – a aplicação da Justiça – do Estado, a solução encontrada para o desporto pela Assembleia da República, levanta legítimas dúvidas da sua conformidade com a Constituição da República Portuguesa. A resposta da lei, de uma arbitragem necessária com os contornos que apresenta, irá operar “sobre” milhares de organizações desportivas e muitos milhares de agentes desportivos (praticantes, dirigentes, treinadores e agentes de arbitragem). Em causa estarão, sobretudo, os direitos fundamentais da “sociedade desportiva” a reclamarem um exercício pleno da função jurisdicional.

4. Chegados aqui, independentemente das nossas próprias opiniões, o que nos parece fundamental é que um significativo e impressivo – pela sua origem – conjunto de opiniões advoga a inconstitucionalidade do modelo alcançado no Parlamento. Por outro lado, interessa, a nosso ver, perante este quadro, alcançar – o mais cedo possível – um juízo que dote o modelo de justiça desportiva da necessária segurança jurídica, o qual, bem vistas as coisas, é muito pouco alternativo aos tribunais e muito mais excludente.

5. Não solicitando o Presidente da República a fiscalização preventiva da constitucionalidade do decreto da Assembleia da República, que aprova a criação do Tribunal Arbitral do Desporto, o Desporto, mas também a Justiça, arriscam-se a que, mais tarde ou mais cedo, o erigir deste novo edifício se veja afectado nas suas fundações com juízos de inconstitucionalidade, alcançados a posterior pelos tribunais e, depois, pelo Tribunal Constitucional.

6. Seria bem melhor para o Desporto e para a Justiça que tal juízo, positivo ou negativo, fosse obtido ainda antes do Tribunal Arbitral do Desporto começar a gatinhar. Dessa forma, ganharíamos todos: o Desporto, a Justiça e este infeliz país.

José Manuel Meirim é professor de Direito do Desporto

josemeirim@gmail.com

Sugerir correcção
Comentar