Lance Armstrong: o mentiroso admitiu a mentira

O ciclista norte-americano confessou que venceu dopado as sete Voltas à França que tinha no currículo.

Tomou substâncias proibidas para melhorar o seu rendimento desportivo? Uma dessas substâncias proibidas era a EPO? Recorreu a transfusões sanguíneas para melhorar o seu rendimento desportivo? Utilizou outras substâncias proibidas, como testosterona, cortisona ou hormonas de crescimento? Nas sete vezes em que venceu a Volta à França, utilizou substâncias dopantes? A todas estas perguntas, Lance Armstrong respondeu “sim” na entrevista que concedeu em Austin, Texas, a Oprah Winfrey, e transmitida nesta sexta-feira em horário nobre da televisão nos Estados Unidos.

Segundo Armstrong, dopar-se passou a ser tão natural como “pôr ar nos pneus da bicicleta ou colocar água nos bidões. Fazia parte do trabalho”. Sem avançar com datas concretas ou entrar em pormenores sobre quem o ajudou a construir o esquema de dopagem, o norte-americano reconheceu que nunca teve medo de ser apanhado e admitiu que tudo começou a desmoronar-se quando decidiu regressar à modalidade para correr o Tour de 2009.

Armstrong negou que alguma vez tenha obrigado algum colega de equipa a dopar-se sob pena de ser despedido e justificou a opção de se dopar com uma frase apenas: “Queria vencer a qualquer preço.”

“Depois de 2005 nunca mais cruzei a linha”
Depois de anos a fio a negar que alguma vez se tivesse dopado, Lance Armstrong admitiu tudo. Porquê só agora? “Suponho que é demasiado tarde. Mas isso é culpa minha”, respondeu.

A confissão é também o reconhecimento de que mentiu nas declarações que prestou, sob juramento, à Agência Antidoping dos Estados Unidos (USADA) e aos tribunais, o que pode custar-lhe uma acusação de perjúrio.

Quando estava em competição, o ciclista não se considerava um batoteiro: “Via-me igual aos outros. Na altura, não me apercebi da magnitude da coisa.” Atribuiu os seus actos à cultura existente no ciclismo no final dos anos 90 e declarou mesmo que todos competiam em condições idênticas.

O sentimento de impunidade explicou-o com o facto de a luta contra o doping ser, à época, mais fraca do que actualmente. E indicou dois factos que tornam a situação actual bastante diferente: os controlos fora do período de competição e a criação do passaporte biológico (que define os padrões de sangue e urina de cada ciclista, permitindo detectar alguma alteração suspeita).

Sem nunca especificar de que forma é que o esquema de doping era aplicado, a única coisa que o norte-americano explicou foi que as técnicas eram utilizadas antes das competições.

Armstrong negou ainda que se tenha dopado após ter decidido regressar (o texano abandonou a competição após o seu sétimo triunfo consecutivo no Tour, mas regressou para tentar um oitavo). "A última vez que cruzei a linha vermelha foi em 2005", jurando que, depois desse ano, nunca mais se dopou e que correu “limpo” os Tours de 2009 (em que terminou no terceiro lugar) e de 2010 (foi 23.º).

Quanto às acusações de alguns antigos colegas de equipa seus, que o acusaram de ameaçar aqueles que não entrassem no esquema de dopagem com a exclusão da equipa, Armstrong negou-as. "Bem sei que não sou a pessoa mais credível do mundo neste momento, mas nunca disse para despedir ninguém por não querer envolver-se nisto. Mas reconheço que, como líder da equipa, a minha influência e o meu exemplo eram muito fortes nos outros corredores”, afirmou.

“Passarei o resto da minha vida a recuperar a confiança das pessoas”
Ao longo da entrevista, Armstrong fez questão de não acusar ninguém. Em alguns casos, até deixou passar uma mensagem contrária. Em relação a Michele Ferrari, o médico considerado como a peça-chave do esquema de dopagem, o ciclista considerou-o “um homem bom e inteligente”.

Armstrong admitiu ter adulterado um teste em que acusou positivo a cortisona no Tour de 1999, mas negou que a doação que efectuou à União Ciclista Internacional (UCI) tivesse servido para limpar um suposto teste antidoping positivo na Volta à Suíça de 2001 ou que tivesse subornado a justiça da Califórnia, que acabou por arquivar em Fevereiro do ano passado o processo criminal que corria contra ele.

O texano mostrou-se disponível para prestar declarações se for criada uma comissão para limpar o ciclismo de qualquer suspeita de doping. Mas continua a negar algumas acusações, como a da esposa do seu antigo colega Frankie Andreu, que garantiu tê-lo ouvido confessar aos médicos, durante a sua convalescença a um tumor num testículo, que tinha consumido substâncias proibidas para melhorar o seu rendimento desportivo antes de 1996. É que, admiti-lo, significaria deitar por terra um dos pilares da sua argumentação – a de que foi o cancro que esteve na origem do seu recurso ao doping. “Antes da minha doença, eu era muito competitivo. Quando tive que lutar contra ela, disse a mim mesmo que iria ganhar a qualquer preço. Seria capaz de qualquer coisa para sobreviver. E depois, no ciclismo, tornei-me numa pessoa que queria vencer de qualquer maneira”, reconheceu.

Sobre o seu futuro, Armstrong disse pouco, mas admitiu que a admissão da mentira terá, pelo menos, uma consequência inevitável: “Passarei o resto da minha vida a recuperar a confiança das pessoas.”

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