Do resto da Europa “com capacidade” para espreitar uma vaga no Brasil
A selecção de Portugal chega ao Brasil composta por jogadores dos melhores campeonatos europeus, mas foram vários os futebolistas portugueses a brilhar neste ano em Ligas de menor visibilidade.
Na selecção portuguesa, o grupo escolhido por Paulo Bento não parece fugir à teoria de que ao Mundial vão os melhores dos melhores. O seleccionador nacional recorreu a oito dos 10 mais cotados campeonatos europeus para formar o lote dos 23 convocados. Apenas Bruno Alves, Raul Meireles e Hugo Almeida, a actuarem na Turquia, foram pescados logo à saída do top 10, no 11.º campeonato com melhor ranking UEFA.
“Obviamente que, para chegar à selecção, ajudaria competir num campeonato com maior visibilidade”, confessa ao PÚBLICO Mário Felgueiras, guarda-redes do Cluj, ainda que, para o português, o futebol tenha sofrido "uma grande mudança": "Existem muitos jogadores de qualidade em campeonatos menos competitivos, que têm tido prestações muito boas”.
“Tenho capacidade para representar Portugal”
Recentemente distinguido pelo segundo ano consecutivo como Jogador do Ano pelos adeptos do Cluj, Felgueiras saiu de Portugal em 2011 para representar o Brasov. Era o terceiro empréstimo do Sp. Braga, depois de passagens pelo Vitória de Setúbal e Rio Ave, e a sua primeira experiência além-fronteiras. “Já estava um bocadinho habituado a estar fora de casa porque saí muito cedo para ir para o Porto”, admite o português.
Hoje, o gordinho que era empurrado para a baliza em Viana do Castelo “faz lembrar Taffarel” a Gheorghe Hagi, o “Maradona dos Cárpatos” que jogou com o guarda-redes brasileiro no Galatasaray. Uma inviolável baliza do Cluj em Old Trafford valeu-lhe o elogio do melhor jogador romeno de todos os tempos e a distinção da UEFA para o “onze” ideal da fase de grupos da Liga dos Campeões. “Na altura pensei que pudesse ter uma oportunidade, mas o seleccionador assim não entendeu. Não me cabe outra decisão a não ser respeitar e esperar a minha oportunidade, se um dia ela acontecer”.
Aos 27 anos, esta foi a terceira época na Roménia, 16.º campeonato na hierarquia da UEFA. “A visibilidade aqui não é tanta, é normal e compreende-se, mas acredito que o seleccionador tenha uma rede de prospecção e que esteja atento. Quando assinei pelo Cluj, antes tinha jogado aqui o Beto e ele foi chamado à selecção. Pensei que pudesse ser também uma porta, mas acabou por não acontecer”.
Internacional por todos os escalões da selecção até aos sub-23, integrando inclusive a equipa que conquistou o Europeu sub-17 de 2003, a Felgueiras só falta a selecção A. “Provavelmente, seria um lote de cinco, seis guarda-redes, mas desde o Brasov que fui pré-convocado para quase todos os jogos”, partilha. “Tenho a certeza absoluta que tenho capacidade para representar Portugal. Agora, o futebol quase sempre não depende da capacidade dos jogadores, há muitos outros factores que interessam também”.
Sobre a baliza da selecção portuguesa no Mundial do Brasil, mesmo não sendo o vianense entre os postes, Felgueiras sabe que está bem entregue. “Trabalhei com o Eduardo no Sp. Braga e com o Rui Patrício no Sporting. Com o Beto não trabalhei mas fui substituto dele no Cluj e sei que são três bons guarda-redes, que têm capacidade para defender a selecção e de certeza que, quem jogar, fará uma boa prestação”.
Ausência da selecção? "Não é por estar aqui"
Descendo mais uns lugares no coeficiente da UEFA, à saída do top 20 das melhores divisões europeias, encontramos na Croácia um ex-colega de equipa de Mário Felgueiras. Ivo Pinto foi campeão pelo Dínamo Zagreb na sua segunda época nos Balcãs. “Ia confiante, tinha tido uma experiência muito positiva no Cluj, o que me deu alguma experiência e uma outra forma de encarar o próximo clube pelo qual poderia passar”, explica ao PÚBLICO.
O lateral direito português, no estrangeiro desde 2012, conta que na adaptação ajudou a chegada ao clube do também português Ruben Lima, há três anos no país e com quem tinha jogado no Vitória de Setúbal. “Ele deu-me algumas ideias sobre como é que funcionava o campeonato, quais são os clubes mais fortes, mas também sobre como era o país. Até no minimercado no canto da rua, a funcionária fala inglês”, partilha.
Na Croácia, encontrou um campeonato “muito jovem e com muita qualidade” mas, ao mesmo tempo, muito desnivelado. Ivo Pinto pegou de estaca no “onze” do histórico de Zagreb e de lá não mais saiu. Ao todo, foram 40 jogos na temporada e várias as distinções: o Sportske Novosti, o mais conceituado e vendido jornal desportivo da Croácia, nomeou-o um dos cinco melhores estrangeiros a actuar na Liga croata e, mais recentemente, o portal Tribina.hr considerou-o o melhor lateral direito do campeonato.
Ainda assim, insuficiente para o português de 24 anos espreitar uma oportunidade na selecção nacional. “[Se fiz] Parte das pré-convocatórias, nunca me foi dada a conhecer essa informação. Se me estão a observar? Espero que sim, sinceramente”, partilha, entre risos. Representar a selecção principal de Portugal é um dos sonhos de Ivo Pinto. “Claro que me sinto com capacidade para tal. Sei que ainda tenho de evoluir muito e que seria muito difícil atingir esse objectivo já”, explica.
Se será capaz de chegar às escolhas de Paulo Bento competindo nos Balcãs? “Acho que não é por estar aqui que não terei condições de representar o nosso país, tal como não foi por estar no campeonato romeno que não tive qualidade para defrontar adversários do melhor nível europeu, mas, se calhar, algumas pessoas pensam que, pelo facto de estarmos nestes campeonatos, não temos qualidade”, confessa o português.
“Jogadores têm de ser observados individualmente”
Ao mais alto nível, 13 emigrantes portugueses, em divisões fora do top 10 europeu, disputaram a edição deste ano da Liga Europa. Marco Paixão, avançado do Slask Wroclaw, participou em cinco jogos da qualificação da equipa polaca para a prova. Apontou cinco golos, um deles ao Sevilha, posteriormente campeão europeu. “Fiz um golo e um jogo maravilhoso. Pisei um palco que sempre sonhei pisar, o Sanchez Pizjuan, e joguei contra uma equipa top da Liga espanhola. Estava toda a minha família presente e foi o ponto alto da minha carreira até agora”.
A Polónia foi a quinta escala na aventura de Marco Paixão no estrangeiro, iniciada em 2006. Então com 21 anos, saiu do país para jogar nos escalões inferiores de Espanha. Antes de chegar a Breslávia, passou ainda por Escócia, Chipre e Irão. O futebol polaco surpreendeu-o. “As equipas gostam todas de jogar no chão, no pé, as condições para jogar futebol são maravilhosas, o país é espectacular e com pessoas simpáticas. Há muita qualidade e a Liga tem muita margem de progressão”, descreve.
Este ano, Marco Paixão superou em quatro golos os 18 apontados pelo polaco Robert Lewandowski, melhor marcador do campeonato em 2010, e que lhe valeram a transferência para o Borussia Dortmund. “Acho que os jogadores têm de ser avaliados individualmente e as Ligas não têm que ser um factor de decisão. Continuo a acreditar que quando se faz 22 golos numa Liga como a Liga polaca não é por acaso. Se as pessoas me observassem, não sei se o fizeram ou não, saberiam que sou um grande jogador”, refere o português.
Ao todo, foram 27 golos na temporada que fechou com chave-de-ouro: um hat-trick na última jornada permitiu a Paixão sagrar-se o melhor marcador do 21.º campeonato do ranking UEFA, a par de Marcin Robak, para além das distinções da Federação Polaca para Revelação do Ano e para o “Onze” do Ano. “São prémios atrás de prémios, coisas boas atrás de coisas boas e que me fizeram ambicionar chegar à selecção e ir ao Mundial”, confessa.
O avançado de 29 anos, que em Portugal nunca jogou nos campeonatos profissionais, está agora com um olho em Espanha. “O que mais ambiciono é dar o salto para a Liga espanhola, a melhor do mundo, e acredito que tenho nível suficiente para aí estar. É o meu grande objectivo neste momento e chegar à selecção portuguesa a curto prazo”, conclui o português que, na Europa, com melhor registo, só encontra Cristiano Ronaldo. Texto editado por Nuno Sousa