António Garrido, o homem que detestava árbitros mas que se tornou um deles
Foi o primeiro português a apitar a final da Taça dos Campeões Europeus. Era do Sporting mas ganhou carinho pelo FC Porto
“Foi uma carreira brilhante. Momentos bons foram incalculáveis, mas tenho de destacar as duas presenças nos Campeonatos do Mundo, em 1978 e 1982, o Europeu de 1980 e, para mim, um dos momentos altos foi a final da Taça dos Campeões Europeus de 1980, entre o Nottingham Forest e o Hamburgo”, analisava António Garrido, em entrevista ao Jornal de Leiria, em 2012. No dia 28 de Maio de 1980, em pleno Santiago Bernabéu, o árbitro português foi o juiz na vitória do Nottingham Forest (1-0) que valeu o segundo título de campeã europeia à equipa orientada por Brian Clough.
Tinha passado mais de uma década e meia desde que, pela primeira vez, assumira as funções de árbitro. Começou num jogo de juvenis entre o Peniche e o Caldas, em 1964, como fiscal de linha. No mesmo ano estreou-se como árbitro principal num “Os Nazarenos”-Mirense e em quatro anos chegou à categoria principal da arbitragem portuguesa. Mas tudo começou com uma aversão profunda pelos árbitros. “Era correspondente na Marinha Grande do jornal Mundo Desportivo e se o Marinhense não ganhasse, atirava-me a eles. Não gostava mesmo, posso dizer que era o seu maior inimigo”, confessava. Até que um amigo o convenceu a fazer o curso e Garrido viu as vantagens que havia na arbitragem. “Comecei a sentir um carinho muito grande pela arbitragem e vi que se chegasse ao topo podia aproveitar para fazer aquilo que mais sonhava: viajar.”
O sonho de arbitrar a final do Campeonato do Mundo esteve quase a realizar-se em 1982. “Tudo indicava que seria o árbitro da final, desde que o Brasil fosse à final”, disse em Maio, numa entrevista à agência Lusa. Mas a Itália, com um hat-trick de Paolo Rossi, deixou pelo caminho a equipa de Sócrates, Falcão, Zico e companhia. “Acabei por me limitar a fazer o jogo do terceiro e quarto lugares. Estava em grande forma, era considerado um dos melhores, senão o melhor árbitro mundial nessa altura. Acabei por ter azar e não ir à final”, lamentou.
Enquanto esteve no activo declarou-se simpatizante do Sporting, mas após o final da carreira o coração passou a bater por outra equipa. “Comecei a sentir-me acarinhado, principalmente quando terminei a carreira, pelo FC Porto. Acabei por ganhar uma simpatia pelo FC Porto e posso dizer que hoje sou portista”, confessou ao Jornal de Leiria, negando ter desempenhado funções de colaborador dos “dragões”. Ainda assim, esteve envolvido em situações polémicas. Em 2005 foi ouvido pela Polícia Judiciária como testemunha no processo Apito Dourado por ter sido escutado em conversas com arguidos como Valentim Loureiro e Pinto de Sousa. E em 2011 esteve num jantar com Bjorn Kuipers, que tinha arbitrado o FC Porto-Villarreal, e onde teriam também estado responsáveis portistas como Pinto da Costa e Reinaldo Teles, administrador da SAD do clube. O caso motivou uma queixa à Procuradoria-Geral da República.
Contabilista de profissão, António Garrido foi distinguido com o grau de oficial da Ordem do Infante D. Henrique por Ramalho Eanes, em 1983. Era contra a introdução de tecnologias auxiliares da arbitragem. “O futebol também vive dos erros dos árbitros”, defendia, confessando: “Na minha carreira houve penáltis que marquei quase sem ter visto. E outros que não marquei e que foram. Há aquele momento exacto, aquela fracção de segundo e o apito sai ou não sai. Se não sai, já não há nada a fazer. Mas se apitamos e ficamos a pensar que se calhar não foi, é seguir o jogo e nada de entrar na lei das compensações. Isso é o pior que pode acontecer.”