A época em que Jesus desceu à terra
O Benfica 2013-14 afastou-se das versões anteriores e tirou partido dessa mudança. É hoje uma equipa menos voraz no ataque, mas bem mais segura de si.
Nunca como ao longo desta temporada se ouviu tanto a palavra humildade no discurso de Jesus. E não foi só no discurso. Foi algo de palpável na forma convicta como escolheu sempre a melhor orquestra para tocar no campeonato, independentemente do valor do adversário e da margem de manobra que detinha face à concorrência directa. “Não vou nunca pôr em causa o principal objectivo do Benfica e dos adeptos, que é o campeonato”, ressalvou, em diferentes ocasiões.
Mudança de paradigma
Não pôs. Especialmente depois de ter percebido que o Benfica poderia ser mais equipa sem Cardozo. É verdade que foi o paraguaio quem manteve os “encarnados” à tona no início da temporada, com golos cirúrgicos (marcou em cinco jornadas consecutivas) mesmo depois de ter falhado a pré-época por motivos disciplinares, mas a equipa só ganhou asas após a sua lesão. Com Rodrigo e Lima no ataque, o treinador rapidamente concluiu que poderia jogar de outra forma. Mesmo que isso implicasse alterar um pouco o ADN.
Ao apresentar dois avançados móveis e trabalhadores q.b., o Benfica ganhou uma primeira linha de pressão como nunca teve, e ao manter, em simultâneo, os princípios defensivos de outras épocas (defesa em linha muito subida e marcação à zona nas bolas paradas) conseguiu, na maior parte das vezes, controlar o adversário num espaço curto de terreno. E aqui sim, mudava o paradigma de jogo de Jesus. Onde antes havia um ciclo de ataques vertiginosos, que garantia mais futebol espectáculo mas que muitas vezes causava desequilíbrios no momento da transição defensiva, passou a haver mais contenção, mais critério e menos risco.
Uma equipa menos voraz
O Benfica 2013-14 está a ser menos voraz que as anteriores criações de Jesus? Está, se atendermos ao número de golos marcados (média de dois por jogo, a mais baixa desde 2009-10) e à forma como gere as vantagens que alcança. O treinador preparou uma equipa mais cerebral, mais pragmática, mais capaz de jogar com o resultado e não exclusivamente para um resultado desnivelado. Num certo sentido, foi obrigado a rever a abordagem ao jogo e a abandonar, em parte, a visão mais romântica de outras épocas.
“O grande objectivo do Benfica é sair vencedor. Se conseguirmos aliar a vitória a uma grande exibição, melhor”, sublinhou ao longo da prova. Menos “nota artística”, uma expressão muito querida para Jesus, não tem, porém, significado menos eficácia nos momentos de decisão. Aliás, essa tem sido uma das grandes mais-valias dos “encarnados”, a capacidade de decidir bem no momento de concluir as jogadas. Seja graças ao génio de Markovic e Gaitán ou à capacidade finalizadora de Rodrigo e Lima.
Vastos recursos
Ninguém esconde que este plantel tem recursos talvez até mais vastos do que o da época de estreia de Jesus na Luz, mas essa é apenas uma boa base de partida, depois há que saber rentabilizá-la. E o segundo treinador com mais jogos na história do clube (só superado pelo húngaro Janos Biri) sabe fazê-lo com mestria (esta época, saltou à vista a evolução táctica de Markovic e a rápida integração de Fejsa após a saída de Matic). Foi, de resto, na arte de gerir a condição física dos jogadores, com uma rotação significativa em função das diferentes competições, que esteve também o segredo de tamanha consistência.
Independentemente do que vier a fazer na meia-final da Liga Europa, frente à Juventus, este Benfica tem dado sinais de ser mais adulto do que outrora. Tem maior capacidade de sofrimento e de controlar o jogo sem bola. E também aí tem o dedo de um Jesus mais terreno. Ele, que na época passada viu muitos adeptos (e não só) colocarem quase tudo em causa, volta a recolher elogios nos cartazes espalhados pelas bancadas da Luz. Coisas do futebol.