A Bota de Ouro do Mundial procura o pé perfeito
O Campeonato do Mundo vai reunir alguns dos grandes avançados da actualidade e a disputa entre os melhores marcadores promete ser renhida.
O Mundial do Brasil vai contar com os melhores marcadores dos principais campeonatos. Da Liga espanhola vai o pichichi, Cristiano Ronaldo (31 golos), e os incontornáveis Lionel Messi (28) e Diego Costa (27). O italiano Ciro Immobile (22) foi o goleador da Serie A. Luis Suárez (31), do Uruguai, foi o melhor marcador da Premier League. Falham apenas o sueco Zlatan Ibrahimovic (26), goleador máximo no campeonato francês, e Robert Lewandowski, que marcou duas dezenas de golos na Bundesliga.
À partida são estes os grandes favoritos para arrecadarem a Bota de Ouro do Campeonato do Mundo, atribuída ao melhor marcador da competição. Mas o desempenho recente, apesar de ser um bom indicador, está longe de ser decisivo numa competição como o Mundial. E a história reflecte isso mesmo.
Por exemplo, apenas por uma ocasião é que o Bota de Ouro dos campeonatos europeus, troféu atribuído desde 1967, foi o melhor marcador de um Mundial nesse mesmo ano. Aconteceu com o alemão Gerd Müller em 1970. Pelo Bayern Munique, o Bomber der Nazion marcou 38 golos na temporada de 1969-70 e manteve o instinto goleador no Mundial do México, marcando por dez vezes.
Se a estatística for de fiar, as probabilidades de Cristiano Ronaldo ou de Luis Suárez – que venceram a Bota de Ouro ex-aequo com 31 golos esta época – de serem os melhores marcadores no Brasil são reduzidas.
Outra importante tendência, que tem a força da lógica, é a do número de jogos. A presença nas meias-finais de um Mundial parece ser quase obrigatória para que um jogador alcance o troféu de melhor marcador. As únicas excepções foram a Bota de Ouro do inglês Gary Lineker em 1986, com seis golos, e do russo Oleg Salenko, que partilhou o topo dos melhores marcadores no Mundial 1994 com o búlgaro Hristo Stoichkov, ambos com seis. As suas selecções ficaram-se pelos quartos-de-final, mas os seus avançados beneficiaram de grandes exibições isoladas. Lineker foi autor de um hat-trick na fase de grupos frente à Polónia e Salenko marcou nada menos do que cinco golos contra os Camarões, um recorde que ainda persiste.
Algo que parece ser facto assente é que nos Mundiais cada vez se celebram menos golos. A média tem descido desde 1998, mas os últimos dois torneios, com médias de 2,3, não bateram o recorde negativo do Mundial de Itália 1990, de 2,2.
A razão é simples, de acordo com o ex-jogador João Tomás. “Bons avançados existem, mas também existem bons defesas”, diz ao PÚBLICO o antigo ponta-de-lança. “Há cada vez menos golos porque as equipas trabalham cada vez mais em termos de organização, e é normal que no meio de tanto rigor táctico o espectáculo seja prejudicado”, sublinha.
Messi favorito dos apostadores
João Tomás recusa-se tentar prever quem poderá ser o goleador máximo no Brasil, mas as casas de apostas já deram o seu veredicto. Lionel Messi é o principal favorito, seguido de Neymar, a estrela maior da constelação “canarinha”. Cristiano Ronaldo é o terceiro favorito, de acordo com a maioria das previsões, mas Sergio Aguero também está em destaque para os apostadores.
Uma das críticas mais comuns a vários futebolistas que se distinguem ao nível individual é o seu rendimento reduzido ao serviço da selecção. Messi é um deles, de quem se diz que o sistema táctico da “albiceleste” não se enquadra no estilo de jogo preferido pelo astro do Barcelona. A verdade é que mais importante do que as qualidades individuais, para um jogador se sagrar melhor marcador é necessário um grande entrosamento dentro de campo, algo difícil de alcançar ao nível de uma selecção.
Este é um pormenor que pode explicar a prestação dos dois últimos Botas de Ouro em Mundiais: Miroslav Klose, em 2006, e Thomas Müller, em 2010. Ambos fazem parte da selecção alemã, que é considerada uma das mais bem organizadas e disciplinadas do mundo. Para além disso, a espinha dorsal da Mannschaft está baseada em jogadores do Bayern Munique e do Borussia Dortmund, que jogam juntos há já muitos anos.
A selecção portuguesa apresenta igualmente uma continuidade muito grande nos últimos anos, com um grupo de jogadores titulares praticamente inalterado. “Todos os jogadores se conhecem na selecção, já jogaram muitas vezes juntos”, observa João Tomás, sublinhando uma grande vantagem: “Ali não há segredos.”
A fase de qualificação também pode deixar antever alguns dos principais candidatos ao título de melhor marcador, embora seja bastante diferente marcar um hat-trick ao Liechtenstein ou à Inglaterra. Olhando para a zona europeia, salta à vista o registo de Robin Van Persie que, com 11 golos, foi um dos principais responsáveis pelo brilhantismo da qualificação da Holanda, que apenas cedeu um empate. O avançado do Manchester United encaixa bem no sistema de Louis Van Gaal – que também o irá orientar no clube inglês – e, caso a “laranja mecânica” faça uma boa competição, Van Persie será seguramente um dos homens a reter.
Com menos um golo ficou Edin Dzeko, que comanda a Bósnia-Herzegovina na sua estreia num Mundial. Muito irá depender do quão surpreendente possa ser a selecção balcânica no Brasil para que Dzeko chegue perto da Bota de Ouro.
Na zona sul-americana, Luis Suárez foi o mais concretizador (11 golos), com destaque para os quatro golos marcados ao Chile, e dispensa apresentações, bem como Lionel Messi (dez golos). Radamel Falcao (nove golos) era a grande esperança da selecção colombiana, mas os cafeteros não vão pode contar com o avançado do AS Mónaco, que não recuperou da lesão sofrida em Janeiro. A resposta do seleccionador José Pekerman pode estar em Carlos Bacca, que marcou 21 golos pelo Sevilha na época de estreia, e em Jackson Martínez, o melhor marcador do campeonato português pela segunda época consecutiva.
Dos favoritos, passamos para o campo das incertezas. O Mundial é também um dos melhores palcos para que as “eternas promessas” se concretizem. Wayne Rooney é, talvez, um dos que mais contas tem a ajustar com a competição. Aos 28 anos, muitos comentadores vêem o Brasil como a derradeira oportunidade para o avançado inglês inscrever o seu nome na história do futebol mundial. Desde que irrompeu no Euro 2004, ainda adolescente, que as fases finais têm sido madrastas para Rooney. Nunca marcou num Mundial e atingiu o ponto mais baixo quando foi expulso em 2006, contra Portugal. Roy Hodgson deve conceder a titularidade ao avançado do Manchester United, mas Daniel Sturridge promete fazer uma concorrência feroz, depois de uma época de alto nível no Liverpool.
Também os campeões mundiais têm o seu dilema na frente de ataque. Fernando Torres é em teoria o homem golo da Espanha, mas golos é coisa que tem fugido ao avançado do Chelsea. A concorrência de Diego Costa foi bem acolhida por Torres, mas há dúvidas de que o avançado de origem brasileira do Atlético de Madrid consiga estar em boas condições para o torneio.
A prestação da Bélgica nos estádios brasileiros é das mais aguardadas e, na frente, tanto Romelu Lukaku como Eden Hazard são fortes candidatos a festejarem muitos golos, caso a selecção da Benelux comprove em campo as expectativas.
Mas nada do que ficou para trás interessa. A partir de 12 de Junho, vão ser os momentos decisivos dentro das quatro linhas que vão definir os melhores do mundo. Aos candidatos à Bota de Ouro resta, para já, treinar a pontaria e desperdiçar o mínimo possível.