“O trauma parece ter sido grande de mais até para a tristeza”

Três perguntas ao escritor brasileiro Sérgio Rodrigues, para quem o Brasil levará “muito tempo para digerir uma derrota tão catastrófica”. Na manhã após o desaire com a Alemanha, há uma estranha sensação de normalidade, diz.

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Sérgio Rodrigues, fotografado no Rio, em Janeiro deste ano Nelson Garrido

O que explica uma derrota como esta?
A explicação para uma derrota tão acachapante é que o time jamais jogou bem na Copa, deu repetidos sinais de fragilidade técnica, táctica e emocional. A pressão descomunal de jogar uma Copa no Brasil foi claramente excessiva para uma equipa jovem e mal preparada. Tudo isso explodiu na semifinal com uma potência que ninguém esperava, claro. O imponderável contribuiu, mas os sinais de pânico já estavam lá.

Acha que esta derrota pode ter algumas consequências políticas ou sociais?
É difícil avaliar a real dimensão, acho que levaremos muito tempo para digerir uma derrota tão catastrófica. Está profundamente abalado o que parecia quase inabalável: o prestígio do futebol brasileiro. O impacto de uma coisa dessas ultrapassa o esporte. Atinge aquele que é provavelmente o principal pilar da auto-estima nacional. Parece inevitável que isso tenha consequências políticas, sociais, anímicas, embora seja difícil prevê-las. Acho que uma vitória ou uma derrota simples, normal, não teriam influência na eleição de Outubro, mas uma humilhação como essa é diferente. De todo modo, se o choque servir para impulsionar uma reformulação nas estruturas políticas e culturais do futebol brasileiro, não terá sido em vão. Faz tempo que somos ultrapassados, provincianos, com um campeonato fraquíssimo e clubes falidos, vivendo de glórias antigas e de craques eventuais, por cuja formação, aliás, não se faz nada.

Acha que essa derrota é pior do que o "Maracanaço" de 1950?
Por comparação, o Maracanaço empalidece e pode ser enfim esquecido, perdoado, embora aquela derrota tenha certamente doído mais. A sensação de agora é diferente: mistura dor com vergonha, raiva e incredulidade. Hoje, nas ruas do Rio, as pessoas não parecem abatidas, como todo mundo diz ter ficado em 1950. O dia começou com um estranho ar de normalidade. Isso é o que mais me preocupa: o trauma parece ter sido grande de mais até para a tristeza.

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