Philip Seymour Hoffman encontrado morto na sua casa de Nova Iorque
Um dos mais intensos e brilhantes actores da sua geração, venceu o Óscar de Melhor Actor por Capote. Polícia atribui causa provável a overdose de heroína.
O corpo foi encontrado cerca das 11h30 locais (16h30 em Lisboa), diz o Wall Street Journal, citando fontes policiais. Um amigo, preocupado por não conseguir contactar o actor e realizador, encontrou Seymour Hoffman sem vida no chão da casa de banho da sua casa.
O New York Times cita uma fonte policial que indica que, apesar de ainda não ter sido determinada a causa oficial, a causa provável será overdose. A mesma fonte detalha que os agentes no local encontraram o corpo com uma seringa no braço e, junto dele, um envelope com o que acreditam ser heroína. Hoffman submeteu-se a vários tratamentos por toxicodependência no passado, tendo, segundo a Variety, dado entrada num programa de reabilitação no ano passado por consumo de heroína e fármacos. O diário nova-iorquino lembra ainda que em algumas entrevistas, o actor admitia em 2013 ter reincidido depois de 23 anos de abstinência.
Frente à sua casa, na West Village, estão já reunidas mais de cem pessoas e segundo o New York Times a multidão continua a crescer à medida que o tempo passa. "É tão desesperadamente triste", diz um residente do boémio bairro de Manhattan. "É uma figura local", diz Christian McCulloch. No Twitter, as reacções de pesar de Hollywood sucedem-se em catadupa: Jim Carrey lamenta a perda de "uma bela, bela alma. Para os mais sensíveis entre nós, o ruído pode ser demais"; o realizador e actor Jon Favreau manifesta-se "triste" pela "grande perda"; Steve Martin está "chocado"; Tom Hiddleston classifica a notícia como "insuportavelmente triste"; o realizador Kevin Smith fala da perda de "um actor brilhante".
De corpo e alma
Philip Seymour Hoffman era um dos maiores actores da sua geração, e uma presença regular em muito do melhor e mais interessante cinema americano dos últimos 15, 20 anos. Era um “regular” de Paul Thomas Anderson, que, para além de Boogie Nights - Jogos de Prazer (1997) e Magnolia (1998), lhe deu, no recente The Master, um dos seus últimos e mais aclamados papéis.
Mas também o vimos, frequentemente em interpretações memoráveis, em filmes de Robert Benton, dos irmãos Coen (O Grande Lebowski, 1998), de Spike Lee, Todd Solondz (Happiness,1998), David Mamet, Sidney Lumet... O seu corpanzil exuberante, a sua fisionomia angustiada, não o talhavam para estrela de cinema, nem mesmo para leading man, coisa cada vez mais reservada para portadores de uma elegância física que não era, de todo, a de Seymour Hoffman. E se nos anos 1990 o vimos sobretudo em papéis secundários, o talento e a intensidade que aplicava neles, muitas vezes “roubando” as cenas de maneira inesquecível, deram-lhe a pouco e pouco o direito a chegar à primeira linha, algo perfeitamente consumado ao longo desta primeira década e meia do século XXI, que foi o seu tempo e agora se percebe, com imensa pena, que acabou.
Com formação teatral (e regular trabalho nos palcos para lá do cinema), talvez fosse dos actores contemporâneos mais parecidos com aquela geração de actores americanos dos anos 1950 e 60 saídos, por exemplo, do Actors' Studio. Era capaz de conciliar exemplarmente a “composição” (por exemplo em Capote, de Bennet Miller, sobre Truman Capote, que lhe deu o Óscar para Melhor Actor em 2005) e um modo de estar genuinamente natural, alinhado com a “rua” (nova-iorquina, sobretudo), mais que credível enquanto expressão de uma angústia urbana muito americana e, também, muito século XXI. O papel do professor culpadamente embeiçado pela aluna adolescente no notável 25ª Hora de Spike Lee: a escolher um papel “emblemático”, um papel que definisse o que era o estar e a presença de Seymour Hoffman, escolhíamos este, onde ele era, para além de tudo o resto, uma espécie de “esponja” capaz de absorver o zeitgeist (que nesse filme era marcado pelo imediato pós-11 de Setembro) e de o servir numa personagem de corpo e alma inteiros. Morreu um dos grandes.
Nascido em Rochester, no estado de Nova Iorque a 23 de Julho de 1967, conta com mais de 50 papéis no cinema, entre os quais trabalhos ainda em filmagens ou pós-produção para o grande ecrã - os dois filmes que constituem o terceiro capítulo da saga Jogos da Fome, Mocking Jay Part I e Part II, o último dos quais ainda em rodagem - e uma participação na série de televisão Happyish, em fase de pós-produção. Jogos da Fome - Em Chamas (2013), o segundo tomo da saga, foi o seu último filme estreado mundialmente.
Formado pela New York University em Artes Dramáticas, estreou-se em 1991 e o seu primeiro papel creditado surge na televisão, numa participação na série Law & Order. O seu primeiro grande trabalho, pelo qual foi notado pela crítica foi o de Scotty J. em Boogie Nights, retrato de grupo com porno em fundo, iniciando aí uma sequência de filmes marcantes do final dos anos 1990 e início do século XXI, entre escolhas indie e filmes mais populares como Quase Famosos (2000), de Cameron Crowe, O Talentoso Sr. Ripley (1999), de Anthony Minghella, ou Dragão Vermelho (2002), de Brett Ratner.
As suas últimas aparições públicas foram na última edição do Festival de Sundance, nos EUA, para promover os seus mais recentes filmes God’s Pocket, de John Slattery, e A Most Wanted Man, de Anton Corbin.
Tinha três filhos, de dez, oito e seis anos, com a figurinista Mimi O'Donnell.