Penelope Curtis vai dirigir Museu Gulbenkian a olhar para o Centro de Arte Moderna
Notícia do PÚBLICO foi confirmada esta terça-feira. A historiadora de arte que dirige a Tate Britain será a primeira estrangeira à frente do Museu Gulbenkian e vai pô-lo a trabalhar com o Centro de Arte Moderna.
“Desejo manter tudo o que é bom no museu, que eu admiro profundamente, e ao mesmo tempo, trabalhar para que o museu aproveite o seu potencial e o seu contexto, de uma forma mais abrangente, especialmente na relação com o Centro de Arte Moderna”, diz Penelope Curtis citada no comunicado enviado às redacções. O Centro de Arte Moderna (CAM) é actualmente dirigido por Isabel Carlos, curadora e crítica de arte, que está no cargo desde 2009.
A britânica de 53 anos, que estudou História Moderna no Corpus Christi College, em Oxford, e fez um mestrado e um doutoramento sobre escultura francesa pós-Rodin no Courtauld Institute of Art, diz ainda “sentir-se entusiasmada por ser a primeira estrangeira a assumir o cargo de directora do Museu Calouste Gulbenkian” e também “pela possibilidade de trabalhar em Portugal numa instituição forte que procura novos caminhos”.
O nome da curadora e historiadora de arte britânica foi escolhido entre as cerca de três dezenas de candidatos a um concurso internacional promovido pela fundação para preencher o lugar deixado em aberto com a saída de João Castel-Branco Pereira, que dirigiu o museu entre entre 1998 e 2014. A sua escolha foi feita através de um concurso internacional que contou com a contribuição de uma empresa de recrutamento britânica especializada na área cultural - a Liz Amos Associates, que tem a própria Tate Britain entre os seus principais clientes - e com um júri nomeado pela fundação, cuja composição não foi divulgada.
Novo ciclo
“A visão e a autoridade curatorial de Penelope Curtis, assim como a sua elevada qualidade intelectual, ajudarão a abrir um novo ciclo na vida do Museu Calouste Gulbenkian, reforçando a sua dimensão internacional e a sua capacidade de intensificar colaborações com grandes museus de todo o mundo, por exemplo com a Tate, que tem sido, desde cedo, um parceiro próximo e construtivo", diz no comunicado o presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian, Artur Santos Silva, comentando esta escolha.
A ligação entre o Museu Gulbenkian e o CAM, que hoje não existe, é algo que Isabel Carlos vê com naturalidade na sequência da decisão da administração da fundação de abrir um concurso em busca de um director para ambos os museus. “A ideia é de uma fundação que tem um museu com dois pólos museológicos distintos – um para a colecção do fundador, outro com a sua colecção de arte moderna e contemporânea”, explica ao PÚBLICO. "No futuro será equacionado assim. É uma questão de uma nova visão para os dois pólos”, sublinha.
Isabel Carlos, co-fundadora do Instituto de Arte Contemporânea do Ministério da Cultura (1996-2001) e cujo mandato na fundação foi renovado em 2014 por um período de três anos, recebe com agrado o nome de Penelope Curtis. “Temos uma relação de grande entendimento e respeito” mútuo, diz, “e não tenho qualquer dúvida de que fará um bom trabalho na Fundação Gulbenkian”.
“Só posso saudar a chegada de uma pessoa com um percurso internacional, que é sempre muito importante no próprio percurso das instituições”, diz António Filipe Pimentel, director do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. “É a abertura de um país”, acrescenta, “no sentido import/export: temos o João Fernandes no Reina Sofia (Madrid), o Pedro Gadanho no MoMA (Nova Iorque), tivemos o Miguel von Hafe Pérez no Centro Galego de Arte Contemporânea”. No resto, acha que processo de selecção foi feito com bastante cuidado pela Gulbenkian. “Não sei exactamente o projecto que a espera, mas tem todas as condições para fazer um excelente trabalho, por causa do currículo e das condições que a Gulbenkian oferece”. Sobre a coordenação com o CAM, Pimentel diz que nada disso foi ainda formalmente apresentado, sendo “tudo território de especulação”, mas entende a vontade da Gulbenkian em articular os dois equipamentos. “Não veria como nada de negativo”.
No anúncio do concurso publicado no site da Gulbenkian informava-se que o futuro director seria responsável por “orientar a implementação de um plano de gestão que, em 2017, apresentará uma estrutura unificada de apoio às actividades da fundação, no âmbito das artes visuais e decorativas”. Uma formulação que prevê uma relação muito próxima entre o museu e o CAM. Segundo a página oficial da Liz Amos Associates, é previsível que Curtis venha a ter “responsabilidades adicionais no fomento da colaboração com o Centro de Arte Moderna, em articulação com a sua directora, Isabel Carlos”, criando, “a partir de 2017, um programa de exposições inter-relacionado”.
Os dois museus, que se encontram entre as mais importantes instituições do sector em Portugal, agregam dois tipos de colecção distintos. O Museu Gulbenkian alberga a colecção de Sarkis Gulbenkian, cerca de seis mil peças que vão desde a antiguidade clássica e oriental à pintura europeia de Manet ou Turner, além de peças de ourivesaria e artes decorativas; o CAM é casa de uma importante colecção de arte moderna e contemporânea portuguesa e contempla ainda arte britânica do século XX e mais recente.
A Fundação Gulbenkian não esclarece, para já, como se fará a coordenação dos dois museus ou mesmo se haverá alguma espécie de hierarquia entre as duas directoras. “Vai haver uma articulação entre museu e CAM”, disse ao PÚBLICO Elisabete Caramelo, directora de comunicação, “mas continuarão a ter trabalhos distintos”.
O modelo de coordenação poderá passar pelas novas funções de António Pinto Ribeiro, programador-geral do Próximo Futuro da Gulbenkian, que Artur Santos Silva quererá que coordene toda a programação cultural da Gulbenkian. A vontade de criar este cargo foi confirmada no início de Fevereiro ao PÚBLICO pela directora de comunicação, mas mais nada foi entretanto adiantado. Pinto Ribeiro continua sem querer fazer qualquer comentário sobre o assunto.
A polémica na Tate Britain
Depois da reformulação da Tate Britain, feita pelo atelier Caruso St John num valor de 62 milhões de euros, os artigos na imprensa britânica oscilaram entre os defensores e os detractores de Curtis. O Art Newspaper recordava esta terça-feira na sua edição online a polémica, lembrando que algumas exposições recentes provocaram a “ira” de alguns críticos, incluindo a actual sobre escultura britânica da segunda metade do século XIX. “As críticas tomaram quase a forma de uma vingança, diminuindo os méritos da apresentação da colecção permanente e de exposições temporárias bem recebidas, tal como a dos últimos trabalhos de Turner.”
Segundo o London Evening Standard, a “batalha” é entre “os tradicionalistas, que vêem [a Tate] sobretudo como responsável pela conservação da colecção histórica, e aqueles que a vêem igualmente como um promotor da arte contemporânea, que é onde Curtis se posiciona”. No site da Tate, Curtis diz que um dos fascínios dos grandes museus é a sua capacidade de se reinventarem: “Nos próximos anos pretendemos fazer as duas coisas mostrando mais daquilo que somos, e de onde vimos, mas rearticulando as componentes existentes, ligando o presente ao passado, e pensando a nossa colecção como um todo.”