Pacheco Pereira diz que a sua biblioteca “não pode continuar privada”

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Pacheco Pereira, fotografado na sua bilbioteca em 2009 Enric Vives-Rubio

O historiador tem cuidado sozinho de um acervo bibliográfico, documental e de objectos que foi reunindo desde a adolescência e que preenche grande parte das divisões da casa onde vive há 20 anos, na Marmeleira, concelho de Rio Maior.

“Atingiu tal dimensão que não pode continuar a ser privado nem familiar. Tem que ser encontrado um enquadramento institucional e uma fundação parece o mais adequado”, disse à Lusa.

Contudo, Pacheco Pereira receia que, “para tentar combater a fraude de algumas fundações, e em particular os abusos das próprias fundações do Estado, que nem deveriam existir”, se avance para uma legislação “que parte do princípio da desconfiança”.

Para o historiador, não faz sentido fazer uma lei que obrigue as fundações a criar uma estrutura burocrática “tão grande que o grosso da despesa” será para manter essa estrutura. No seu entender, a solução terá que passar pelo controlo da concessão de utilidade pública, “porque o abuso está na utilidade pública concedida a fundações que são fictícias e que se destinam a fugir aos impostos”.

Pacheco Pereira tem na sua casa da Marmeleira mais de 110 mil títulos, entre livros e brochuras, grande parte deles digitalizados e disponibilizados no site Ephemera, que conta com mais de cinco mil entradas.

Todas as semanas chegam a sua casa donativos, parte deles resposta ao apelo que faz para que ninguém deite fora papéis ou materiais de campanhas ou acções políticas que fazem a memória da história política e social contemporânea.

Ao grupo de professores que nesta sexta-feira visitou a sua casa – participantes na terceira edição dos encontros Bibliotecário, que se realizam em Tomar – mostrou, na sala “onde começa a cadeia produtiva”, alguns dos objectos chegados esta semana, como discos em vinil vindos de um país do Leste Europeu ou material da campanha eleitoral francesa.

A história política contemporânea “mora” na casa de José Pacheco Pereira, na Marmeleira, nos milhares de livros, brochuras, publicações, cartazes, postais, recortes, vídeos, CD, selos, objectos, que transformaram o local onde vive numa fascinante biblioteca/arquivo.

“Existe aqui, talvez, a única colecção do que se chama efémera política, ou seja, objectos, panfletos, cartazes, autocolantes, pins, associados à actividade política desde o 25 de Abril e, em bom rigor, mesmo antes”, disse.

Entre os mais de 110 mil títulos, entre livros e brochuras, de uma colecção que reúne publicações desde o século XVI, Pacheco Pereira possui muitos documentos inéditos e originais, resultantes de doações e ofertas, às quais se somam exemplares adquiridos.

Um dos exemplos é uma parte do arquivo da censura “que corria o risco de ir para fora de Portugal” e que adquiriu.

Outro é “uma parte importante dos papéis de Sá Carneiro”, que lhe foram confiados pela secretária do fundador do PSD, onde se encontra o “retrato social da construção do partido” e documentos como uma tentativa de candidatar o general Spínola à presidência da República ou uma carta manuscrita de Adelino Amaro da Costa com uma descrição exaustiva sobre a situação nas Forças Armadas, entre outros.

Há ainda uma ata de uma reunião da oposição a seguir à Segunda Guerra Mundial, “em que a oposição forma Governo, ou seja, uma acta dactilografada que tem uma série de manuscritos sobre quem ia para ministro disto ou daquilo ou quem eventualmente ia para embaixador”, como por exemplo José Régio para Estocolmo.

“Há aqui muita coisa inédita e original sobre a história portuguesa dos últimos 200 anos que me tenho esforçado por preservar”, afirmou Pacheco Pereira.

“Para manter essas colecções vivas, faço compras, nos Estados Unidos, na Europa. O mesmo acontece com algumas colecções especializadas, portuguesas ou não”, acrescentou.

Neste esforço de preservar a memória da evolução social e política do país, Pacheco Pereira está neste momento a reunir todos os materiais relacionados com o movimento contra a extinção das freguesias, pois “se não há registo dessa informação, há uma importante luta social que caracteriza o Portugal contemporâneo que se perde”.

É tudo esse conjunto de objectos, panfletos, cartazes, pins, autocolantes associados à actividade política que Pacheco Pereira pede que ninguém deite fora.

“Eu fico com tudo, trato de tudo, organizo tudo e publico tudo e não há aqui um princípio de publicar apenas as coisas ‘nobres’. A história é feita muito das coisas mais humildes”.