O novo partido que em Espanha ameaça a hegemonia bipartidária da história da democracia espanhola é uma manifestação organizada em oposição a uma tecnologia governamental e a uma organização do Estado que derivam de uma transformação do regime democrático em regime oligárquico alargado. A propósito deste fenómeno político fala-se, geralmente, de crise da representação ou crise da legitimidade democrática. Se as eleições já não fabricam legitimidade é porque o partido — a forma partido —, depois de uma história grandiosa, deixou de ser a forma organizada do conflito social e já não se confunde com o próprio destino da política moderna, como aconteceu ao longo de um século. Os chefes partidários são hoje showmen políticos no espaço publicitário, como já tinha anunciado Baudrillard há cerca de 30 anos. Daí, aquela sensação tão desconfortável que nos provocam os partidos “oficiais” e muitos dos candidatos à oficialização: a de que prosseguem o seu labor intelectual e a sua intervenção pública sobre um mundo que já desapareceu, como se estivessem munidos de mapas obsoletos, onde os traçados das fronteiras estão completamente desactualizados. A desorientação é tal, tão grande é a dificuldade em perceber as razões pelas quais o partido político deixou de ser o protagonista de uma longa história (essas razões coincidem obviamente com dois outros grandes desaparecimentos: o da categoria política do povo e o do Estado enquanto concentração do poder e monopólio da violência), que os partidos até já se tornaram agentes activos da neutralização da política, quando não chegam mesmo a incorporar a ideologia da antipolítica. Para fazer uma sociologia do partido político, Max Weber é indispensável. Mas não o é menos um sociólogo alemão menos conhecido, Robert Michels (1876-1936), que fez o primeiro estudo científico — publicado em 1911 — sobre um objecto então ainda pouco conhecido, o moderno partido político. Nesses estudo, Michels formulava com extrema nitidez a tese que o tornaria célebre e o colocaria entre os pais fundadores da chamada “teoria elista” da política. Segundo ele, o processo democrático está destinado, inevitavelmente, a sofrer uma inflexão, um desvio perverso, no sentido da oligarquia. Aquilo a que Michels chama “a lei férrea da oligarquia”, significando assim que se trata de um destino obrigatório e irreversível, consiste na tendência inevitável da democracia partidária para produzir estruturas hierárquicas nas quais uma minoria captura os interesses e os direitos da maioria e decide por ela. Michels constrói a sua lei sob a forma de um silogismo. O primeiro termo do silogismo diz-nos, grosso modo, que não existe democracia sem organização, sob a forma de partido, já que a massa desorganizada não é capaz de assumir o papel de sujeito e de tomar decisões. Mas quem diz organização partidária diz oligarquia, isto é, um pequeno grupo fechado de dirigentes com bastante poder discricionário. Conclusão de Michels e terceiro momento do seu silogismo: a democracia é impossível. Ou, como ele também diz, “houve revoluções, mas não regimes democráticos”. Em suma: toda a tentativa de ampliar a participação democrática está destinada a resultar numa inflexão oligárquica, formando-se assim um grupo de “monopolistas” do poder e da decisão, tão exclusivo e viscoso como o dos tempos da aristocracia. Esta sociologia do partido político ganhou hoje uma enorme pertinência e já nem sequer se confunde com a “revolução conservadora” que num certo momento da História do século XX se apropriou dela.
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