No próximo fim-de-semana não é preciso espreitar pela janela de 70 edifícios de Lisboa
A 3.ª edição da Lisboa Open House tem 27 novos espaços abertos para visitas gratuitas nos dias 11 e 12. E planos para, no futuro, abrir as portas do Porto.
Na maior e mais abrangente edição da Lisboa Open House, há 70 exemplos de arquitectura de excelência de porta aberta para revelar o miolo da Torre de Controlo Marítimo do Porto de Lisboa de Gonçalo Byrne ou de palácios setecentistas, do atelier de Francisco Aires Mateus, de bairros como o do Castelo ou Mouraria, do centro Ismaili, do Cinema Ideal, do Teatro São Carlos ou da recém-inaugurada Ribeira das Naus. Nos dias 11 e 12, tribunais, escolas, teatros, muitos projectos premiados, uma pizaria, uma ETAR e os segredos de uma mão-cheia de apartamentos particulares, mas também de instituições cujos bastidores normalmente estão vedados ao público, têm entrada gratuita pela terceira vez.
Até esta sexta-feira já eram conhecidos 47 espaços, repetentes das duas primeiras edições – entre os quais os mais populares entre os visitantes, o Museu do Design e da Moda (Mude), o Museu da Eletricidade e o Palácio da Ajuda - e os 27 novos locais foram apresentados à imprensa numa visita à Casa da Severa de José Adrião (2012, finalista dos Prémios FAD 2014), ao apartamento de João Favila, por ele remodelado (2005), e à sede da Vodafone, no Parque das Nações, projectado por Alexandre Burmester (2000-2).
Curiosidade e reabilitação
O factor curiosidade é um dos motores da Open House, que oferece então visitas especiais e alguns segredos - que não ouvimos sair pelas janelas, mas que entram sim janelas dentro. “Gostamos de partilhar”, diz José Adrião na sua Casa da Severa - “um edifício de excepção, inscrito na malha muito densa da Mouraria, mas do qual se pode andar à volta”. O sol ilumina o restaurante com um pé direito arejado onde havia antes “sete apartamentos mínimos”. As conversas não reverberam – a parte superior da casa está revestida com um painel acústico – e a Severa ainda mora ali - os azulejos vermelhos e hexagonais no chão branco são um tributo à flor que a fadista usava no cabelo. Segredos de porta aberta que o arquitecto contará noutro projecto seu, uma casa nos Prazeres, no próximo fim-de-semana como um dos cicerones convidados que se juntam aos 130 voluntários (90% dos quais estudantes de arquitectura) presentes em todos os espaços.
As conversas continuam numa outra sala, de proporções pombalinas, 5m por 5m, com João Favila a explicar como transformou a sua casa na rua da Alfândega e ela o mudou a ele. “Olhei para a casa como se conhecesse alguém com alguma idade e um forte carácter, como se me sentasse à mesa com uma senhora idosa. E pus-me a ouvi-la.” Repensou a forma de habitar, modernista, e inverteu a tipologia: pequenos espaços sociais, subdivididos e um espaço grande aberto para dormir. Dali, vê também as transformações da cidade. “Quando vim para aqui a Baixa estava a definhar. Há um movimento inverso agora, as pessoas estão a voltar.”
Dois exemplos da cidade a mudar lentamente, mas também de recuperação ou reabilitação. Tema “na moda”, admite Francisco Sanchez Salvador, que se vê da janela da cozinha da casa Favila: o saguão e as traseiras dos prédios da rua dos Bacalhoeiros a mostrar a outra, imensa Lisboa que ainda precisa de obras.
“As cidades têm modificações lentas. Lisboa é um exemplo dessa sedimentação. Há edifícios que são ícones, como a sede da Vodafone” onde falamos, um quarteirão em diálogo com o rio e com o Parque das Nações, “ou a futura da EDP” na frente ribeirinha, explica o comissário, “porque precisam de passar a sua marca. Mas também há uma cidade mais despercebida, a dos bairros históricos. A nossa ideia este ano é interligar isso, os edifícios mais chamativos e as intervenções muito meritórias que mudam as vidas de quem lá habita”.
Visitas já esgotadas
De novo para ver há a Casa-Museu Anastácio Gonçalves, dois apartamentos projectados por Ricardo Bak Gordon em Santa Isabel que há muito eram desejados para a Lisboa Open House, as vilas operárias da Graça, o Instituto de Ciências Sociais, o Teatro Camões, o Museu do Chiado, a antiga Igreja de São Julião, o percurso pedonal assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge (prémio FAD 2014), exemplos de reabilitação na Baixa (alguns em curso), mais uma casa particular nos Prazeres, outra em Campo de Ourique e ainda uma residência no masterplan de Entrecampos, a Escola Básica Francisco de Arruda de José Neves (prémio Secil 2012), o Hospital da Luz e o edifício da Imprensa Nacional.
Todos têm entrada gratuita, mas alguns exigem pré-marcação (é o caso do Centro Cultural de Belém, do Mude, do Reservatório da Patriarcal, do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, da Casa da Moeda, do Palácio dos Coruchéus ou da Biblioteca Nacional) ou têm número limitado de ingressos. Estão já esgotadas as visitas à Fundação Champalimaud, ao hotel Altis Belém e Spa, à ETAR de Alcântara, ao Palácio das Necessidades, ao Palácio de Santos, ao bairro da Mouraria, às Amoreiras de Tomás Taveira, à Escola Alemã, à sede e estúdios da RTP e a alguns dos apartamentos.
Organizada em Portugal pela Trienal de Arquitectura de Lisboa, a Lisboa Open House é o braço português da iniciativa fundada em Londres há 22 anos por Victoria Thornton e tem expectativas de crescimento – não só no número de visitantes, mas também de se estender a uma cidade com escola de arquitectura e tudo, o Porto. Manuel Henriques, director-adjunto da Trienal, admitiu ao PÚBLICO que tal está a ser estudado. “Estamos a trabalhar nisso”, rematou.
O objectivo da Open House é, diz Manuel Henriques, “despertar um público que não seja só o público de arquitectura”, mostrando edificado variado na tipologia e época seleccionado pelo comissário e arquitecto Fernando Sanchez Salvador com a equipa da Trienal. Fernando Salvador acrescenta um desejo à iniciativa que se tornou numa rede de 20 cidades e que em 2015 vai chegar a Praga, Belfast, Cork e Monterrey: “As coisas boas e as más em arquitectura têm o mesmo preço; porque não olhar para as boas e fazer delas exemplos?”. A fundadora da Open House dissera já em Setembro ao Guardian que a iniciativa não é para turistas ou promoção cultural: "O objectivo é ter novamente os moradores nas suas ruas a olhar para a sua própria cidade. Devia suscitar estas conversas [sobre as transformações dos espaços] e fazer as pessoas começar a exigir algo melhor”.
A primeira edição teve cerca de 13 mil pessoas a visitar 54 edifícios e em 2013 já cresceu para 60 espaços e mais de 15.700 visitantes aderiram. Os edifícios que receberam mais visitantes em 2013 foram o Mude (2897 pessoas), o Museu da Eletricidade (1295), o Palácio da Ajuda (1290), a Casa dos Bicos (967) e o Palácio Pombal (859).