O reflexo do Brasil no festival de dança da Bahia

Na abertura do IC - Interação e Conectividade, três coreografias dialogam com a possibilidade de vivermos tempos de desaparecimento do movimento

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Pindorama Sammi Landweer
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Fole Caroline Moraes
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Buraco Renato Mangolin

Mas, em Salvador da Bahia, no Brasil, esse momento foi visto como um símbolo directo de uma história complexa sobre o lugar do negro, do seu corpo e da sua identidade, no interior de uma geografia corpórea e identitária complexa como é aquela que procura definir a Bahia. 

Numa cidade que na noite de quinta-feira foi ocupada por uma manifestação que lembrava os recentes assassinatos de jovens negros, lembrando o modo como nas imagens típicas da Bahia o corpo do negro é muitas vezes um corpo secundarizado, e sendo Pindorama a última parte de um tríptico sobre a identidade do Brasil (antes houve Pororoca e Piracema, ambos com apresentações em Portugal), o corpo do único bailarino negro tornou-se na imagem do escravo.


Esse jogo de espelhos permanente, que reenvia o movimento para um caudal referencial que muitas vezes escapa ao próprio coreógrafo transformou o espectáculo de abertura do IC - Interação e Conectividade numa reflexão sobre o espaço político para a construção da identidade social de um país. O que, à escala do potencial de transformação que a dança contemporânea pode oferecer, é um discurso sobre o lugar do corpo no espaço social, geográfico e emocional.


((( Fole ))) teaser from Michelle Moura on Vimeo.


Nesse sentido, Fole, de Michelle Moura (1979, Curitiba) usa o corpo para discutir o modo como o movimento que o corpo pode produzir é, muitas vezes, responsável por um anacronismo do qual se procura libertar.

Será possível pensar que a relação criada em Fole entre o corpo e o movimento, se sustenta num discurso atento à dificuldade de representação e interpretação de uma imagem unívoca. O mais interessante deste solo é o modo como Michelle Moura dialoga com os discursos de Cláudia Dias (One Woman Show, 2003), Vera Mantero (Comer o coração, 2004), Marcela Levi (In-Organic, 2007 – que se apresenta dias 6 e 7 Setembro em Lisboa, no programa Próximo Futuro), Aydin Teker (harS, 2008), Eszter Salamon (Dance for nothing, 2010) e Kaori Ito (Solos, apresentado em 2013 no Centro Cultural Vila Flor), criando mais um ponto num mapa de espectáculos – e discursos no feminino - que, nos últimos anos, pensaram no corpo como objecto e, através dele, procuraram perceber os seus limites.

O interesse principal de Fole está no modo como Michelle Moura usa a respiração e a voz para induzir um movimento (à semelhança do que acontece, por exemplo, em Um gesto que não passa de uma ameaça, de Sofia Dias e Vítor Roriz, 2011) e, a partir daquilo que são vibrações a desenhar um movimento instável, capaz de preencher o espaço como se o conquistasse. O movimento deixa, assim, de se limitar ao corpo e torna-se num elemento de ruptura e de reacção. Do mesmo modo, essa tensão auto-provocada torna-se num discurso de reorganização do próprio corpo face aos seus limites.

Fole explora, desse modo, sensações e vibrações que induzem a um estado de transe que poderia sugerir um abandono mas, na verdade, luta contra o desaparecimento do próprio movimento.



Buraco, de Elisabeth Finger (1980, Foz do Iguaçu), não anda longe desta reflexão, trazendo para o debate as percepções cognitivas numa escala ainda mais abstracta, uma vez que a coreografia é dirigida, essencialmente, a um público infantil. Apesar da dificuldade na relação entre o tempo e o movimento, o uso dos materiais é o ponto de partida para um movimento que se esconde nos plásticos, caixas, mantas e panos, explorando as implicações desse desaparecimento. Nem sempre o que é proposto consegue lidar com as consequências desse desaparecimento, não sendo claro se a fragmentação de Buraco decorre de uma estratégia de abandono do movimento e da forma ou uma dificuldade em organizar essa mesma estratégia. O que fica depois desse desaparecimento é, tal como na leitura subjectiva do corpo negro em Piracema ou na resistência ao transe em Fole, promove uma discussão sobre o palco como lugar de transformação da imagem em algo imaterial.

Crítico de teatro e dança


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