Robin Williams, o rosto amargo da comédia

Já está no Olimpo daqueles comediantes, dos que começaram por se expor sozinhos com um microfone, os stand up comedians, cujo percurso pela gargalhada é um duelo pessoal sem tréguas. Morreu Robin Williams.

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Roberto Schmidt/AFP

A declaração oficial, segundo o New York Times, diz que o xerife de Marin County recebeu uma chamada de urgência às 11h55, reportando que um homem fora encontrado  “inconsciente e sem respirar dentro da sua residência”. Os serviços de emergência foram activados e o corpo foi identificado como sendo o de Williams, declarado morto às 12h02. De acordo com o agente do actor, Williams estava a "combater uma grave depressão". E logo então falou-se de suicídio. Williams foi visto com vida, pela última vez, no domingo, cerca das 22h, em casa. A autópsia deve acontecer hoje, segundo a polícia em declarações à AFP.

A mulher, Susan Schneider, confirmou o óbito. “Perdi o meu marido e o meu melhor amigo e o mundo perdeu um dos seus mais queridos artistas e maravilhosos seres humanos.” Pediu respeito pela privacidade da família. "A nossa esperança é que ele seja recordado não pela sua morte, mas pelos muitos momentos de divertimento e riso que proporcionou a milhares de pessoas", acrescentou. Robin Williams deixa três filhos de dois casamentos anteriores.

A imprensa americana dá conta da luta contra a depressão, o álcool e as drogas que o actor enfrentou ao longo da sua vida: os primeiros embates na década de 70 (explicou assim: "A cocaína era para mim uma forma de me esconder. A maior parte das pessoas ficam aceleradas com a cocaína; a mim abrandava-me"), as tentativas de reabilitação nas duas décadas seguintes, uma recaída em 2006, o internamento no Hazelden Addiction Treatment Center, em Lindstrom, Minnesota, em Junho deste ano, para evitar novo descarrilamento.

As várias vozes
Nascido Robin McLaurin Williams, em Chicago: gorducho, criança solitária, a brincar sozinho com os brinquedos no quarto do subúrbio, um antecedente típico para a futura energia, sede de atenção e ansiedade que marcariam os seus papéis no cinema e, nos seus inícios de actor, nos palcos da stand up comedy . Onde disparava para todos os assuntos “fracturantes”, da política, da sociedade, da cultura, chamuscando estrelas de Hollywood, presidentes, príncipes - “Chuck, Cam, que bom ver-vos”, gritou um dia de um palco londrino a Carlos de Inglaterra e Lady Camilla Bowles; apoiante de Barack Obama (“um Kennedy muito bronzeado”), quando George W. Bush saiu da Casa Branca, Williams anunciou a saída oficial da América "do centro de reabilitação.” (O que iria Bush fazer na sua nova vida? “Bom, não pode seguir uma carreira de discursos públicos. Isso ele não pode fazer... Mas pode fazer stand up comedy, porque tem oito anos de material incrível para usar".) Mas chamuscando-se, também. O público e o político, mas também o privado em palco. Assumia assim a sua dependência de cocaína, nos anos 70 e 80. “Que droga maravilhosa. Qualquer coisa que nos torne paranóicos e impotentes, dêem-me mais disso."

A série televisiva Mork & Mindy, na qual assumiu a personagem do extra-terrestre Mork, foi estrelato instantâneo e passaporte para personagens principais em cinema, como Popeye de Robert Altman (1980) – um fracasso de bilheteira, mas um filme tão bizarro como só o mainstream americano da altura podia ser e que fica como um dos mais significativos de Williams - e The World According to Garp (1982), de George Roy Hill.

Foram contactos com uma espécie de estranheza que o actor iria tornar familiar - o segredo do seu sucesso, assim tocando em toda uma geração de espectadores -, ao contrário da energia ofensiva, suicidária, de um "papa" da stand up comedy, Lenny Bruce (1926-1966). Logo depois, essa guerrilha contra a convenção seria entronizada: Bom-Dia Vietname (1987), de Barry Levinson, como radialista na Saigão de 1960, e o Clube dos Poetas Mortos (1989), de Peter Weir, como professor, nos anos 50, que incita os alunos (Carpe diem) a desafiarem os seus tempos e a desafiarem-se.

Foram duas nomeações para o Óscar. Que conquistaria, como secundário, com O Bom Rebelde (Good Will Hunting), de 1997, de Gus Van Sant. Era um terapeuta que ajudava a personagem problemática interpretada por Matt Damon, confirmando-se um arco importante na "narrativa" das personagens que interpretou: começando por desafiar a autoridade, tornava-se ele próprio figura de autoridade, um guru. Não sem uma certa dose de paternalismo. "Piedoso" mesmo, escreveu o crítico David Thomson, que "aconselhava" Williams, na terceira edição do seu  A Biographical Dictionary of Film, a "tentar alguma escuridão." E ele parece que ouviu ou deu vazão aos seus demónios pessoais: Insónia de Christopher Nolan, One Hour Photo de Mark Romanek, ambos filmes de 2002. No total, sete dezenas de títulos, mais do que uma mão cheia de Globos de Ouro.

A velocidade, a ansiedade. Para voltar a A. O. Scott, o crítico lembrava segunda-feira no New York Times uma festa no Festival de Cannes, há anos, em que ouviu várias vozes atrás de si, diferentes sotaques, "francês, espanhol, afro-americano", em conversa, tons vários a serem disparados: eram todas vozes de uma só voz, era Robin Williams. Mas mais rápido do que a voz, era a mente, isso via-se, escreveu.

David Thomson referia também isso, essa explosão de ideias a "aparecerem por trás dos seus olhos desesperados." Mas Thomson, na sua forma muito pessoal de fazer a psicanálise de uma persona, detectou em Williams "a necessidade esmagadora de gargalhada, de reacção [do espectador] e de ser gostado" que às vezes não escapava à auto-indulgência - se estaria a pensar no Williams em drag de Mrs Doubtfire (1993), pense-se também, para comparar, no Dustin Hoffman de Tootsie (1983), sinta-se aí a diferente natureza dos actores, Hoffman a desaparecer dentro da sua personagem, Williams a evidenciar-se para além da sua personagem

“So fast, so funny”. E, pelos vistos, tão assombrado pela auto-destruição. Na edição desta terça-feira da Variety, Williams é colocado no Olimpo daqueles comediantes, daqueles que começaram por se expor sozinhos com um microfone, os stand up comedians, cujo percurso pela gargalhada revela ser, afinal, um duelo pessoal sem tréguas: Lenny Bruce nos anos 1960, figura tutelar na comédia autodestrutiva, John Belushi nos anos 80, Chris Farley nos anos 90... Rimo-nos, rimo-nos, o travo agora volta a ser amargo, um logro. Coisa que, obviamente, já conhecíamos.

Notícia actualizada: acrescentada confirmação da causa da morte.

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