Mil quilómetros e uma nação indie separam hoje os Óscares e o Festival de Sundance

Muito cinema sobre música, estrelas como o oscarizável Michael Fassbender e repetentes como Richard Linklater, e mais de 150 filmes independentes chegam esta quinta-feira ao Utah.

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Boyhood deu o Urso de Prata de Melhor Realizador a Richard Linklater
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Em pouco tempo, tal como aconteceu com Quentin Tarantino, Richard Linklater e Kevin Smith na década de 1990 ou, em 2005 e 2010, com as agora estrelas Amy Adams e Jennifer Lawrence (que ganharam esta semana os Globos de Ouro por Golpada Americana, cujo realizador, David O. Russell, também tem o pedigree Sundance), as descobertas deste ano de Sundance devem chegar em breve a Hollywood. Sundance ainda é visto, 30 anos depois, sobretudo como um palco para mostrar novos talentos. “É suposto ser sobre filmes independentes, para pessoas que não têm uma hipótese”, disse no ano passado o seu fundador, Robert Redford, ao Guardian. “Não podemos deixá-lo parecer-se com Beverly Hills.”

Mas é um fluxo que se avoluma, este entre o festival indie criado por uma super-estrela (e que surge em parte colado ao boom de produção dos irmãos Weinstein na década de 1990) e o mainstream. Estes dois mundos que hoje colidem na agenda cinematográfica já não são assim tão diferentes. Foi daqui que saíram Precious em 2009 ou Bestas do Sul Selvagem em 2012, ambos a caminho dos Óscares. Mas também é aqui que as estrelas vêm de Beverly Hills para se misturar com os estreantes (nesta edição, são 54) para apresentar os seus projectos de menor orçamento e maior potencial de risco artístico.

Este ano, alguns dos consagrados por Sundance voltam ao local do crime e outros dividirão o seu tempo entre o Utah e a Califórnia. Entre as 119 longas e 44 curtas, das quais 97 são estreias mundiais e que representam 37 países, está Richard Linklater a apresentar o seu novo filme Boyhood, filmado pelo realizador nos últimos 12 anos. Michael Fassbender, provavelmente nomeado para os Óscares por 12 Anos Escravo, estreia Frank, sobre um cantor dos anos 1980. Kristen Stewart, que em 2010 viveu em Sundance a sua mudança de protagonista dos indies Adventureland ou The Runaways, que levou ao festival,para estrela da saga Crepúsculo, volta a Park City com Camp X-Ray no papel de uma guarda prisional em Guantánamo. Anton Corbjin adapta John Le Carré em A Most Wanted Man, a artista Marina Abramovic é retratada num documentário 3D e Anne Hathaway é a estrela do íntimo Song One, passado na cena musical de Brooklyn.

Até dia 26, “na maior semana dos filmes indie” segundo a Hollywood Reporter, há muita música – aliás, À Procura de Sugar Man, sobre Sixto Rodriguez, ganhou lá balanço para ganhar o Óscar de Melhor Documentário em 2013. Estreia-se Finding Fela, sobre o músico nigeriano Fela Kuti, Lowdown, sobre o pianista de jaz Joe Albany, interpretado por John Hawkes, Whiplash, o filme de abertura do evento, realizado por Damien Chazelle e que conta a história da relação-limite de um baterista com o seu professor, mas também God Help the Girl, realizado por Scott Murdoch, dos Belle & Sebastian, ou 20 000 Days On Earth, um filme que ficciona um dia na vida de Nick Cave.

O filme de encerramento é Rudderless, realizado pelo actor William H. Macy, sobre um pai que forma uma banda para ultrapassar a dor da perda do seu filho compositor. Entre os filmes seleccionados para os cerca de 45 mil espectadores que anualmente confluem no Utah estão também os inevitáveis zombies de Cooties, de Jonathan Milott e Cary Murnion com Elijah Wood e Rainn Wilson, a comédia racial Dear White People de Justin Simien, God's Pocket, com Phillip Seymour Hoffman no papel de um pai que perdeu um filho, ou a saúde mental familiar de Infinitely Polar Bear, de Maya Forbes e protagonizado por Mark Ruffalo e Zoe Saldana. Passam também Kumiko, Treasure Hunter, sobre uma japonesa que tenta encontrar o dinheiro enterrado pelos irmãos Coen no final de Fargo, o casamento gay de Alfred Molina e John Lithgow em Love is Strange, Happy Christmas, com Lena Dunham e de Joe Swanberg, Hellion, de Kat Candler, e documentários como The Internet’s Own Boy, sobre a morte do activista web Aaron Schwartz.

Redford considera que esta edição é “um pouco um regresso às nossas origens” porque seleccionou “filmes muito independentes que são ainda mais diferentes do que têm sido nos últimos anos”, disse à Variety. O responsável pelas aquisições da CBS Films, Scott Shooman, considera na mesma publicação que este ano se destaca pelos “indies americanos sinceros” e por um “alinhamento influenciado pelos filmes de género”. Para os ver, estão representados todos os distribuidores norte-americanos e muitos estrangeiros.

Mas, segundo as contas do New York Times, o efeito catapulta de Sundance estará a perder força num mercado de distribuição em que a Internet tem mais importância – e representa menos lucros. Por isso, os filmes que este ano se expõem no festival poderão fazer menos dinheiro na sua carreira no circuito comercial tradicional –aqueles que foram comprados para exibição farão cerca de 73,4 milhões de euros, menos 44 milhões do que fez a colheita de 2006, quando êxitos art-house como Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos encontraram grandes salas de cinema onde fazer 117,4 milhões de euros de receitas de bilheteira.

Questionado sobre se haverá compradores para os filmes de 2014, Redford disse à Variety: “nunca houve dinheiro suficiente”. Se a imprensa especializada notou que, depois dos anos agudos da recessão nos EUA e do consequente refreamento dos investidores, em 2013 Sundance já tinha voltado a fazer bons negócios, agora poderá ser o tempo dos distribuidores digitais com filmes adequados para o vídeo on-demand – cujos números oficiais são envoltos numa névoa. 
 

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