Mesmo com Globos pela igualdade, Hollywood continua a ser um substantivo masculino
Novo estudo mostra que dos 250 filmes mais rentáveis de 2014 só 7% tiveram uma realizadora. Atrás das câmaras nos EUA, entre guionistas ou produtores, menos de um quinto são mulheres.
O estudo Celluloid Ceiling do Center for the Study of Women in Television and Film (CSWTF) – baptizado como trocadilho com a expressão “glass ceiling” que simboliza os limites à ascenção na carreira para as mulheres – foca-se nos trabalhadores por trás das câmaras. Ou seja, é menos sobre actrizes e protagonistas e mais sobre realizadoras, decisoras, produtoras, argumentistas, montadoras, directoras de fotografia e outras profissionais de bastidores, que estão e continuam a estar em minoria. No ano passado, só 17% das pessoas em tais lugares eram mulheres. Um sinal muito negativo em termos de oportunidades de trabalho e de empregabilidade no feminino no sector cinematográfico e no principal mercado de cinema do mundo.
Este ano há apenas um filme realizado por uma mulher entre os favoritos para os Óscares – tem nome de mulher e chama-se Selma, realizado por Ava DuVernay e centrado na vida de Martin Luther King, e saiu com um único prémio dos Globos de domingo, a melhor canção, estando nomeado nas principais categorias. No ano passado apenas um filme realizado por uma mulher entrou na lista dos cem mais rentáveis nos EUA – Invencível, o filme de Angelina Jolie sobre a odisseia de Louis Zamperini. E em 86 anos só uma mulher recebeu o Óscar de Melhor Realização – Kathryn Bigelow por Estado de Guerra. Tal como só uma mulher tem uma Palma de Ouro de Cannes - Jane Campion.
Domingo à noite, as mulheres do cinema e da TV contra-atacaram e não foi só com a piada de Amy Poehler sobre o humorista Bill Cosby, acusado de violação por mais de 15 mulheres e que se nega a comentar o assunto aos jornalistas mas brinca com ele nos espectáculos de stand-up. Nem com a sequela à brincadeira com um dos mais poderosos agentes da indústria na cerimónia de 2014 sobre Gravidade, “um filme sobre George Clooney preferir flutuar sozinho pelo espaço e morrer do que passar mais um minuto com uma mulher da sua idade”: “George Clooney casou-se este ano com Amal Almuddin. Amal é advogada de direitos humanos e trabalhou no caso Enron; foi conselheira de Kofi Annan sobre a Síria; e foi seleccionada para uma comissão da ONU de três pessoas para investigar as regras das violações de guerra na Faixa de Gaza. Por isso esta noite… o marido dela recebe um prémio carreira”, atirou Tina Fey para uma plateia e para o casal visado que se ria.
Fey e Poehler serviram de anfitriãs numa noite em que os temas da igualdade estiveram presentes no discurso de vitória da série Transparent sobre um pai de família que revela ser transgénero e nas afirmações de Amy Adams ou Maggie Gyllenhaal. "O que é novo [hoje] é a nova riqueza de papéis para mulheres de verdade na televisão e no cinema. É o que acho revolucionário e evolucionário e é o que me excita”, disse esta última, protagonista de The Honourable Woman.
Gina Rodriguez, vencedora de TV por Jane the Virgin, evocou a sua ascendência latina, Joanne Froggatt de Downton Abbey fez da sua a voz das sobreviventes de violação e Lily Tomlin inverteu a ordem dos factores e desfez-se finalmente “daquele estereótipo negativo de que os homens simplesmente não têm piada”. Ecoando assim várias chamadas de atenção feitas na temporada de prémios de 2014 por actrizes como Cate Blanchett ou Lena Dunham, mas também dados concretos.
Como aqueles revelados pelos hackers da Sony e que mostrava várias disparidades nos ordenados ou ascensão nas carreiras de homens e mulheres da indústria – em Golpada Americana, Jennifer Lawrence e Amy Adams receberam menos do que os seus co-protagonistas Christian Bale, Bradley Cooper e Jeremy Renner. Ou que os dois actores que protagonizam o filme The Huntsman recebem salários desiguais – Chris Hemsworth, o Thor do cinema, recebeu mais dez milhões de dólares do que a oscarizada Charlize Theron. Ao saber disso há semanas, noticiou o New York Post, Theron exigiu e terá agora recebido mais dez milhões para equilibrar a balança de pagamento.
Esta terça-feira há ainda mais argumentos a reforçar as reivindicações femininas. Os números agora revelados mostram que apesar de ter havido uma melhoria do cenário para as mulheres que trabalham atrás da câmara em Hollywood, essa mudança não é significativa. De acordo com um novo estudo anual do CSWTF da Universidade Estadual de San Diego, dos 250 filmes mais rentáveis nas bilheteiras norte-americanas em 2014 só 7% tiveram mulheres realizadoras – mais 1% do que em 2013. “Não é uma mexida nem numa nem noutra direcção”, comenta à Reuters Martha Lauzen, autora do estudo há vários anos. “O género do realizador é incrivelmente importante porque a investigação mostra que está relacionado com a percentagem de personagens femininas que vemos no ecrã.”
No total, segundo o mesmo estudo, o número de filmes realizados por mulheres diminuiu: se em 1998, quando o estudo começou a ser compilado, 9% dos filmes eram de cineastas no feminino, actualmente recuou-se para os 7%. A ausência de flutuações mais significativas dos números agora revelados e analisados há mais de 15 anos leva Martha Lauzen, directora executiva deste centro universitário, a postular à Reuters que se trata “claramente de um problema geral para a indústria que requer uma solução geral da indústria". E acrescenta, admitindo que a complexidade do problema pede soluções também elas complexas, que não serão imediatas: "Como indústria, o cinema não tem enfrentado este problema crónico do subempregamento das mulheres.”
Ainda assim, há subsectores em que as mulheres conseguem trabalhar mais – a produção (23%) e a produção executiva (19%). Seguem-se as áreas da edição (18%), guionismo (11%) e aquela em que há menos mulheres, a fotografia (5%).
Em Março de 2014, um outro estudo anual do CSWTF evidenciava que entre os cem filmes mais vistos de 2013 nos EUA só 15% tiveram mulheres como protagonistas. Nos Globos de 2015, Julianne Moore venceu pelo seu retrato de uma mulher nos primeiros estádios da doença de Alzheimer, papel que aceitou apesar de lhe terem dito que “ninguém quer ver um filme sobre uma mulher de meia-idade”.