Luís Represas: "Houve aqui janelas que se abriram e um outro ar que entrou”
Seis anos passados sobre Olhos nos Olhos, Luís Represas volta aos álbuns a solo. Cores, onde musicou mais uma letra de Margarida Pinto Correia e duas da sua filha Carolina, lançado esta segunda-feira, é o seu trabalho mais pessoal.
Hoje com 57 anos, Luís Represas meteu desta vez mãos a todas as obras: não só escreveu as canções como lhes foi idealizando as formas, os arranjos e até parte da produção do disco. “Uma coisa era eu saber que ia trabalhar com o Miguel Nuñez ou com o Bernardo Sassetti, como antes sucedeu, fazia as canções para eles trabalharem e depois dialogávamos. Outra coisa é eu trabalhar já as canções, montar mais o ‘lego’. Isso faz com que a energia do ‘eu’ se manifeste muito mais.”
Os sons foram nascendo à medida que as canções se formaram e cresciam, sempre a partir de uma sonoridade base, que é a do quarteto com que ele trabalha (Luís Fernando, Cícero Lee, Carlos Garcia e Zé Anahory), mas o resultado final soma muitos outros factores, incluindo a contribuição de músicos convidados, como Pedro Jóia ou o compositor e pianista cubano Miguel Nuñez, que já participou como arranjador em discos anteriores. “A coisa surge mais de dentro e há um lado mais experimentalista que se conseguiu e que marca o disco com outras cores. Resulta, no fim, de uma explosão. Se calhar foi um balão que esteve encher e que depois explode neste disco.” Graficamente, isso é dado no disco por cores em explosão: azul, amarelo, vermelho. “É um lado de boa energia que se foi conseguindo ao longo da gravação e testemunha aquilo que eu sinto com este disco.”
Margarida, Carolina
Com onze canções e títulos na sua maioria curtos (Outros, Ao longe, Tomara, Tipo, O aprendiz, Imensidão, Renascer, Ela quer…), Cores volta a incluir um tema com letra de Margarida Pinto Correia. Chama-se Imensidão. “Encontrei-o no meio de uma série de textos, onde estava também o Desencontro, que eu gravei em 2007. Apeteceu-me trabalhá-lo e compus a canção com a colaboração do Pedro Jóia, porque esta música tem um ambiente profundamente latino. O Pedro confere-lhe o lado hispânico, ou andaluz, e o Miguel Nuñez cruza os mares para o outro lado. Esta junção é muito engraçada, embora eu sinta muito a portugalidade no meio daquilo tudo.”
A filha, Carolina, é que é uma estreia. “Foi uma provocação. Eu já tinha passado de raspão por coisas que ela tinha escrito e tinha sentido que havia ali uma mecânica linguística que me interessava. Já a tinha provocado para escrever qualquer coisa que eu pudesse trabalhar, mas ela sempre teve pudor em fazê-lo. Até que eu, numa vontade de escrever qualquer coisa sobre este bordão geracional que existe agora que é o ‘tipo’, resolvi pedir-lhe a ela, que é dessa geração, tem 18 anos, que escrevesse qualquer coisa com essa componente. E até pensei que ela fosse mais para a linguagem dela, mas não. Ela escreveu com uma maturidade de alguém de outra geração, como se dissesse: eu estou a escrever para esta pessoa e tenho que usar uma linguagem em que essa pessoa se sinta à vontade. Sem se fazer crescer demasiado.” Num segundo tema, o processo foi ao contrário. “Dei-lhe a música e ela escreveu a letra em cima da canção. Nunca tinha feito isso, mas escreveu O aprendiz, que eu achei notável porque é um ‘statement’. Eu não tenho nada esse feitio de correr atrás das coisas que os filhos fazem, de ceder a esse juízo de valor só por de serem filhos, mas acho que tenho aqui um parceiro”.
Um novo método
Entre as letras alheias, há também uma de Pedro Rolo Duarte, nascida de um desafio (“Pedi-lhe para me mostrar uma letra que ele tivesse escrito e trabalhei em cima dela”) e uma da poeta angolana Alda Lara (1930-1962), originalmente intitulada Roda. “Fomos convidados, o João Gil e eu, para musicarmos cada um de nós um poeta lusófono, para a inauguração, penso eu, da terceira fase do Parque dos Poetas em Oeiras. Eu dei de caras com a Alda Lara, perdi-me nesse poema e musiquei-o.”
Das onze canções, há uma que não é mesmo dele. Porque me olhas assim, de Fausto Bordalo Dias. Luís Represas explica porquê: “O Fausto é um músico que está cá dentro. Se me perguntarem qual é o músico português que mais me influenciou, provavelmente será ele. E esta canção está dentro do nosso universo comum. Já houve várias versões dela, mas nenhuma foi por este lado, que é o lado sonoro mais comum aos dois. Foi por aí que eu vivi muito o ambiente que esta letra e esta canção sugerem.”
Começou o disco há um ano. “Eu não faço um trabalho de ir compondo, pondo nas gavetas. Quando chego ao estado de inquietação em que penso ‘está na altura’, avanço porque qualquer coisa me empurra. Gosto de sentir esse estado e de o aproveitar ao máximo. E dedicar-me a viver com ele durante algum tempo até o disco estar feito.”
Há uma razão para isso, explica. “Sinto-me mais revelado, assim. Aproveito mais o estado emocional em que estou para o explorar ao máximo, para me levar aos extremos suficientes que me permitam, ao acabar o disco, sentir-me uno, sentir-me retratado ali. Embora este não seja um disco temático, a temática que está por detrás sou eu, no fim de contas.”
Se em discos como Cumplicidades ou Olhos nos Olhos houve maior partilha do estúdio com músicos e cantores de outras áreas ou latitudes, em Cores Luís Represas põe à prova, com maior incidência, as suas próprias capacidades: “Não lhe queria chamar um disco de ruptura, porque isso é violento de mais, nem é um disco de bater com portas. Mas há aqui um salto de alguns degraus, na direcção de uma qualquer coisa que ainda não sei bem o que é. Há claramente um assumir de posição na música. O caminho é o mesmo, a identidade é a mesma, mas talvez tenha mudado o método. Houve aqui janelas que se abriram e um outro ar que entrou.”