Luis Miguel Cintra deixa o palco mas continuará a encenar
Fundador do Teatro da Cornucópia anunciou que a doença de Parkinson o obriga a pôr um fim na carreira de actor, mas continuará a encenar e a dirigir a companhia que criou há 42 anos
O actor e encenador Luis Miguel Cintra deverá continuar a encenar e a dirigir o Teatro da Cornucópia, tendo-se apenas despedido dos palcos enquanto actor, esclareceu esta terça-feira a Cornucópia.
A dúvida gerou-se depois de Cintra ter interrompido os aplausos no final da última apresentação de Hamlet na Cornucópia, no sábado passado, para ler um pequeno texto em que homenageava o talento do jovem intérprete Guilherme Gomes, ao mesmo tempo que anunciava já não ter condições de saúde para continuar a representar.
“Hoje foi por certo o último dia em que representei nesta casa, que foi a casa desta companhia, a minha, a nossa casa, há 40 anos”, disse o actor, que já há alguns meses explicara publicamente que sofria de Parkinson, a mesma doença que afectou o seu pai, o grande linguista e filólogo Luís Filipe Lindley Cintra. “Tenho dificuldades concretas de saúde que me não deixam continuar a apresentar-me perante vós e a estar em cena com os outros, que é o que mais gosto de fazer”, dizia ainda o texto que, como o PÚBLICO já noticiara, Luis Miguel Cintra leu no sábado.
Se o final da sua intervenção era dedicada ao elogio de Guilherme Gomes, o actor de 22 anos que interpreta Hamlet nesta épica encenação da tragédia de Shakespeare – o espectáculo, que recorre à tradução de Sophia de Mello Breyner Andresen, dura quatro horas –, Luis Miguel Cintra enumerava também os seus principais cúmplices nesta aventura de mais de 40 anos que tem sido a Cornucópia, e sugeria que as actuais restrições financeiras colocavam em risco o futuro da companhia, sinais que terão levado alguns a admitir, erradamente, que o actor se estivesse a despedir do projecto.
De resto, mesmo a sua carreira de actor, se tem agora um fim anunciado, ainda não terminou. A Cornucópia prepara-se para apresentar Hamlet em Almada, e Cintra, que integra o elenco da peça, voltará a subir ao palco como actor. E prevê-se que participe também, ainda este ano, num novo filme de Sérgio Tréfaut.
No texto que leu na Cornucópia, a que chama “uma companhia de teatro à antiga”, lembra que partilha a direcção com uma cenógrafa “do melhor que há”, Cristina Reis, e refere também os técnicos da casa, mas só chama pelos nomes aos actores, enumerando aqueles que estão há mais tempo na companhia, como Luís Lima Barreto ou José Manuel Mendes, outros que entraram depois, como Teresa Gafeira, Marques D’Arede ou Alberto Quaresma, e ainda Duarte Guimarães e Dinis Gomes – “quase dois filhos que adoptei no coração, que vi literalmente crescer” –, dupla a que soma Tiago Matias, um “intermitente fidelíssimo” na casa.
Mas os mais rasgados elogios, reservava-os para Guilherme Gomes, congratulando-se por ver aparecer, no próprio momento em que se sente forçado a abandonar o palco, um actor que considera ser “um caso (…) absolutamente excepcional”.
Numa intervenção que apanhou de surpresa não apenas a assistência, mas os seus próprios colaboradores, Luis Miguel Cintra quase deu a entender que via no jovem intérprete um potencial sucessor: “O que o Guilherme nos deu neste papel dificílimo de Hamlet, o prazer que tive em ajudá-lo a construí-lo, revelaram qualidades de tal modo raras e surpreendentes, de tal maneira se apoderou da interpretação do texto que fomos fazendo, acrescentando-a ensaio a ensaio e de espectáculo em espectáculo com ideias suas, que torna este meu dia de despedida destas tábuas num dia de festa”.
E terminou agradecendo ao intérprete que tinha acabado momentos antes de dar corpo e voz a Hamlet: “Obrigado, Guilherme. É com uma imensa confiança em ti, e grande alegria que te apresento a estes senhores como um novo grande actor”.