Katia Guerreiro, uma aventura fadista com Tiago Bettencourt ao leme

Sem deixar a matriz do fado, Katia Guerreiro lança um disco produzido por Tiago Bettencourt. Convidados: Joel Pina e Pedro Jóia.

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Katia Guerreiro Pedro Ferreira

Aliás, ela já ouvia falar dele no início dos Toranja, porque Katia começou a carreira de médica em Évora e um tio dele, médico, com quem ela trabalhou, estava sempre a falar do Tiago. Pouco depois conheceram-se. "Quando comecei nas lides das casas de fado, cruzava-me lá com ele, conversávamos imenso e apercebi-me de que o Tiago era um ouvinte muito atento de fado. E o pai dele é um ‘fanático’ de fado, muito exigente." Por isso, quando ela pensou num novo disco, decidiu convidá-lo. Ele temeu que não resultasse: "Se calhar não te vou ajudar naquilo que tu pensas que posso ajudar", disse-lhe. Mas ela insistiu: além da admiração mútua, queria alguém que viesse de fora do fado, com uma visão "mais fresca". O convite surgiu logo à seguir ao Verão de 2013, mas o "sim" demorou. "Foi um namoro muito longo". Que acabou por se resolver num almoço. "Pronto, vamos então à aventura", disse-lhe Tiago. Mas também ele tinha um disco a gravar e lançar. Nem de propósito: o dele chamou-se Do Princípio. O dela, mal Tiago o sabia, já tinha título: Até Ao Fim.

Ainda Tiago gravava o seu próprio disco, já escolhiam ambos repertório para o disco dela. "Ao longo de seis anos sem gravar inéditos, havia muita coisa que eu fui recolhendo. Tinha imensos poemas, mostrei-lhe tudo e começámos a trabalhar. Até chegarmos ao ponto de ter praticamente três discos para gravar, se quiséssemos." Reduziram para vinte. Gravaram onze. E um extra.

Sophia, Vasco, Amália

Entre os autores gravados, Tiago Bettencourt musicou Sophia de Mello Breyner, Sei que estou só, e Vasco Graça Moura, Até ao fim e As quatro operações, este último em parceria com o guitarrista Pedro de Castro, que por sua vez musicou Amália Rodrigues (Quero cantar para a Lua, que conta com Pedro Jóia na viola) e Rita Ferro (Mentiras). Vasco Graça Moura tinha dado a Katia vários poemas, para escolher. Ela guardou "religiosamente" quatro, gravou agora dois (que o autor já não chegou a ouvir) e gravará os outros num próximo trabalho.

Dos restantes temas, além de Nesta noite, que Tiago gravara no disco Tiago na Toca com o título Sei que estou só, há ainda Alberto Janes (Janela do meu peito), Paulo de Carvalho (Amores, logo a abrir o disco, sobre os Açores), Samuel Úria (que escreveu a letra de Fado da noite que nos fez para o Fado Versículo de Alfredo Marceneiro) e José Fialho Gouveia, que aqui assina Eu disse ao mar que te amava, escrito para o Fado Franklin de Quadras.

E há também, entre os fados tradicionais recuperados para esta gravação, o Fado Triplicado, com letra de Rui Machado (Fado dos contrários), que foi professor de Filosofia de Katia no 11.º ano, nos Açores, e que ela reencontrou mais tarde, a tomar café mesmo em frente à sua casa. "Ficámos horas à conversa e disse-me que tinha muitas coisas escritas e que mas ia mandar. E mandou. Ora este poema já tinha sido escrito para o Triplicado, porque ele também gosta muito de fado." Aqui toca viola-baixo Joel Pina, nome histórico do fado, um mestre ainda ágil e activo nos seus 94 anos.

A fechar o disco, como extra, uma canção de embalar escrita por Katia para a sua filha, Mafalda, hoje com 2 anos. "Desde que ela nasceu que quis escrever o amor imenso que ela fez nascer em mim. E dizer-lhe que o que eu desejo para ela é que saiba olhar a vida nos seus detalhes, no abraço e no beijo que se dá, no sol que nasce pela manhã, no sentir a chuva no rosto; não ter medo do mar (que nos leva para outros mundos), fazer as suas escolhas e não se esquecer das suas raízes. E não se esquecer de mim, se faz favor."

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