Joachim Sauer, as confissões melómanas de um wagneriano

Marido de Merkel deu entrevista à Reuters, mas só aceitou falar de música. Não perde nenhum Festival de Bayreuth e apaixonou-se por Wagner aos 20 anos, quando ouviu Siegfried

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Joachim Sauer e Angela Merkel em Bayreuth Reuters
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Joachim Sauer e Angela Merkel em Bayreuth Reuters

Há uma fotografia que, desde 2005, inunda anualmente, no Verão, as agências internacionais: a chanceler alemã Angela Merkel assiste à abertura do Festival de Bayreuth, acompanhada pelo seu marido Joachim Sauer (e muitas vezes também ladeada por vários líderes políticos de diferentes países, incluindo Durão Barroso). Fora desta situação, é muito raro vermos ou ouvirmos falar deste discreto professor universitário formado em Química Quântica, que em 1998 casou, em segundas núpcias (para ambos), com aquela que viria depois a tornar-se na primeira mulher a ocupar o mais alto cargo da governação da Alemanha.

Mas Joachim Sauer, de 63 anos, melómano assumido e reconhecido, é um frequentador assíduo do festival que Richard Wagner fundou naquela cidade da Baviera, em 1876. E foi exclusivamente para falar de música e da sua afeição pelo reportório wagneriano que Sauer aceitou dar uma entrevista à agência Reuters. O encontro ocorreu no restaurante da Deutsche Oper de Berlim, onde Joachim Sauer fora assistir a uma encenação da Tosca, de Puccini.

“Estão sempre a ver-me em Bayreuth, e por isso pensam que eu só gosto da música de Wagner; isso não é verdade”, aproveitou Sauer para esclarecer, adiantando ser também amante de Mozart, Beethoven e outros compositores do reportório romântico, e mesmo de música do século XX, além de La Traviata, de Verdi, que considera “uma obra-prima”.

A sua aproximação à música de Wagner – que, quando era jovem, lhe parecia demasiado “bombástica” – aconteceu por volta dos seus 20 anos, quando, um dia, ouviu na rádio uma ária de Siegfried, do ciclo O Anel do Nibelungo. “Eu estudava Química e isso era um trabalho fisicamente pesado, porque trabalhávamos muito no laboratório, e quando chegávamos a casa, ao final da tarde ou mesmo à noite, precisávamos de descansar. Então sentava-me no sofá, ligava a rádio e ouvia música clássica. Um dia ouvi algo que não sabia o que era, mas que achei muito interessante. Descobri, no final, que se tratava de Siegfried. Disse para comigo: ‘És um idiota, é isto que deves ouvir’. Foi assim que comecei, e nunca mais acabei. É uma música tão rica!”

Joachim Sauer tornou-se um ouvinte atento da música de Wagner – de que este ano se comemora o bicentenário do nascimento –, nomeadamente as suas óperas, como Lohengrin e Parsifal, para além, claro, do Anel. “Elas são todas tão diferentes!”, exclama. E acrescenta que desde a reunificação da Alemanha que não perde nenhuma edição do Festival de Bayreuth. “Se me perguntar qual foi a melhor coisa que me aconteceu na minha vida, é claro que lhe direi que foi a queda do Muro” [em Novembro de 1989], que permitiu a reunificação. “Mas a segunda, que decorreu da primeira, é talvez que agora posso ir a Bayreuth”, diz Sauer, que nasceu numa cidade da ex-Alemanha de Leste.

E foi logo no Verão de 1990 que Sauer viveu em Bayreuth um dos momentos mais altos e inesperados da sua experiência wagneriana, assistindo a uma encenação “intensamente romântica” de Tristão e Isolda, assinada por Heiner Muller, sob a direcção musical de Daniel Barenboim, com o tenor Siegfried Jerusalem a personificar um Tristão de óculos de sol e fato coberto de pó de betão situado num mundo pós-apocalíptico. “Tratou-se, realmente, do melhor espectáculo que eu jamais vi em Bayreuth”, diz o professor-melómano.

Sauer vê, de resto, esta pequena cidade da Baviera como o local sagrado da música de Wagner, e manifesta-se abertamente contra a ideia, que às vezes vem sendo apontada, de se abrir o festival a outros compositores e outros géneros de música. “É errado; isto é algo único em que não se deve mexer”, diz, definitivo.