Eles quiseram morrer juntos, dizem as cartas

O príncipe Rodolfo tinha 30 anos, Maria Vetsera 17. Ele vivia fascinado pela morte, ela vivia fascinada por ele. Cartas que a baronesa escreveu à mãe e aos irmãos pouco antes de morrer foram agora descobertas e confirmam a tese do pacto de suicídio. Mistério resolvido?

Carta de despedida de Maria Vetsera para a mãe
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Carta de despedida de Maria Vetsera para a mãe AFP
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Maria Vetsera DR
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Rodolfo, o príncipe herdeiro do império austro-húngaro DR

O mistério que a rodeia é um dos mais populares dos finais do século XIX e acaba de conhecer um novo desenvolvimento com a descoberta das cartas que Vetsera escreveu à mãe e aos irmãos pouco antes de morrer, a 30 de Janeiro de 1889, no pavilhão de caça que o herdeiro austríaco tinha na pequena cidade de Mayerling, 30km a sul de Viena.

As teorias sobre a morte do casal, umas bem mais plausíveis do que outras, avolumaram-se ao longo de décadas. E se algumas procuram caução no complexo tabuleiro político da Europa da época, antecâmara da Primeira Guerra Mundial, outras parecem saídas de uma conversa de café, de tão banais. Umas vêem no temperamento do herdeiro, sempre rodeado de mulheres e de artistas - muito mais próximo do da sua mãe, a célebre imperatriz Sissi (Isabel da Baviera), do que do do seu pai, o autoritário imperador Francisco José I - a explicação para o seu casamento falhado com a princesa Estefânia da Bélgica, com quem viria a ter uma filha, Isabel, e para os anticorpos que tinha na corte. Outras responsabilizam as suas ideias anticlericais e a sua ligação ao povo húngaro, para quem defendia uma maior autonomia, pelo isolamento político que haveria de contribuir para a sua morte. Numa corte muito conservadora e pró-Alemanha, Rodolfo era visto como um progressista perigoso que punha em risco a unidade do império e que afrontava a moral com as suas relações fora do casamento.

Foi precisamente para evitar o escândalo que decorreria de se saber que o herdeiro ao trono fora encontrado morto junto a uma das suas amantes que o corpo de Vetsera foi sepultado à pressa e em segredo. Foi para evitar que os pormenores daquele que ficaria conhecido como o Incidente de Mayerling enchessem páginas de jornais – a notícia foi amplamente tratada nos principais títulos europeus – que praticamente todos os documentos a ele ligados desapareceram e que o inquérito que o imperador Francisco José ordenou à morte do filho foi atabalhoado e deixou muita margem às mais variadas teorias.  

Descoberta “sensacional”

As cartas agora descobertas parecem vir reforçar a teoria que defende que os dois amantes morreram na sequência de um homicídio-suicídio previamente acordado (Rodolfo terá matado Maria Vetsera com um tiro na cabeça antes de virar a arma para si próprio), como argumentam boa parte dos historiadores que estudaram o
Incidente de Mayerling, mas é preciso que os especialistas as estudem a fundo antes de tirar conclusões definitivas.

“Querida mãe / Por favor perdoa-me o que fiz / Não conseguiu resistir ao amor”, escreve a jovem baronesa, pouco antes de morrer. “De acordo com ele, quero ser enterrada junto a ele no Cemitério de Alland /Sou mais feliz na morte que na vida.” A carta estava no cofre de um banco de Viena, dentro de uma pasta de cabedal com fotografias e outros documentos da família Vetsera ali depositada desde 1926, anunciou recentemente a Biblioteca Nacional da Áustria, que classifica como “sensacional” a descoberta das cartas de despedida da jovem amante do herdeiro do império austro-húngaro (para além da que dirige à mãe, escreve também ao irmão, Feri, e à irmã, Hanna).

É grande o entusiasmo à volta destas cartas, cuja existência era conhecida dos historiadores mas que se julgava terem sido destruídas depois da morte da mãe de Maria Vetsera, admitem os responsáveis da biblioteca. Depois de cuidadosamente analisados, os três documentos vão integrar a exposição que a biblioteca vai dedicar ao imperador Francisco José I em 2016, quando passarem 100 anos sobre a sua morte.

Não se sabe quem terá deixado no cofre os documentos de família agora encontrados, explica ainda a biblioteca num comunicado. O que se sabe é que as três cartas estavam fechadas num envelope com a insígnia do príncipe herdeiro, escrevem os jornais austríacos. Até aqui julgava-se que o único documento sobrevivente ligado a este homicídio-suicídio era a carta que o herdeiro do império Habsburgo deixou à sua mulher, Estefânia da Bélgica.

“Não consegui rever-te”, escreve Maria Vetsera ao irmão. “Vive bem. Tomarei conta de ti do outro lado porque te amo muito.” Na carta a Hanna, a irmã, é ainda mais clara: “Várias horas antes da minha morte quero dizer-te adeus. Entramos felizes no desconhecido.”

A verdade é pior

O caso de Mayerling tem captado a imaginação de várias gerações. Ao seu poder de atracção não escaparam sequer encenadores (o musical
The Mayerling Affair, de David Leveaux), coreógrafos (o aclamadíssimo Mayerling, de 1978, criação de Kenneth MacMillan para o Royal Ballet de Londres) e, sobretudo, realizadores.  Entre os filmes mais citados estão De Mayerling a Sarajevo (1940), do cineasta alemão Max Ophüls, e Vícios Privados, Públicas Virtudes, obra do húngaro Miklós Jancsó de meados da década de 1970, mas talvez o mais conhecido seja o que transformou Catherine Deneuve em Maria Vetsera ao lado de Omar Sharif no papel do príncipe herdeiro (Mayerling, 1968, realização de Terence Young).

A atracção explica-se sem dificuldade: são muitos e óbvios os ingredientes romanescos desta história de paixões contrariadas - há quem defenda que Rodolfo decidiu suicidar-se porque o pai o forçara a deixar Vetsera, já que o escândalo dessa relação afrontava a Igreja Católica e incomodava sectores influentes da corte - e intrigas palacianas num cenário que evoca o fim de uma época. Mas o Incidente de Mayerling pode ser também apresentado como “o primeiro sintoma claro da desintegração do império Habsburgo”, escreve o jornalista e editor Serge Schmemann no diário The New York Times, num artigo feito a propósito do centenário da morte de Rodolfo da Áustria e da jovem baronesa, altura em que novos livros e documentários multiplicavam teorias e em que um colóquio internacional que juntou historiadores, psiquiatras e outros especialistas chegou a concluir que o casal tinha feito um pacto de suicídio.

Uma das leituras do incidente mais partilhadas, a da historiadora Brigitte Hamann e do seu Rudolf, Crown Prince and Rebel, aponta para um príncipe progressista, cujo estado mental podia estar já em parte comprometido pela sífilis, que repudiava as posições autocráticas do pai e da sua corte profundamente conservadora. A investigação de Hamann mostra que, quando morreu, o herdeiro pensava em suicidar-se há mais de meio ano e que já tentara convencer outra das suas amantes, Mitzi Kaspar, a acompanhá-lo nesse plano trágico.

Acreditam alguns historiadores que era por Mitzi Kaspar que o príncipe estava verdadeiramente apaixonado. Foi a esta actriz e prostituta que terá dirigido uma carta de amor na véspera de se suicidar, uma carta que entretanto desapareceu.  

Depois da morte de Rodolfo da Áustria, o seu pai mandou transformar o pavilhão de caça num convento, hoje entregue à ordem das Carmelitas Descalças. No site desta casa religiosa, que recebe muitos visitantes por causa do príncipe e de Maria Vetsera, explica-se que o casal foi ali encontrado morto em circunstâncias que ainda permanecem pouco claras e que a igreja foi construída no espaço onde antes estava o quarto do herdeiro, ocupando o altar o local exacto da cama em que os corpos dos dois amantes foram encontrados naquela manhã de 30 de Janeiro.

A morte do herdeiro só foi anunciada depois de o corpo da baronesa, devidamente vestido e penteado para esconder o buraco que a bala deixara, ter sido sepultado num cemitério próximo. Primeiro os registos oficiais atribuíram a morte do príncipe a um ataque cardíaco, depois a um acidente. Só mais tarde o próprio imperador admitiu que o filho se suicidara num momento de loucura, sem nunca falar de Maria Vetsera.

Até ao fim da vida, Francisco José da Áustria manteve silêncio sobre o que acontecera em Mayerling, dizendo apenas que “a verdade é muito pior que todas as versões”.

 

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