Comparsas do tédio

Depois de ter publicado um primeiro romance, "Corpo Presente", retrato de Copacabana escrito com maturidade e paixão, João Paulo Cuenca quis mudar de registo e escrever um livro que o divertisse. "O Dia Mastroianni" é esse livro.

É um projecto arrojado, completamente diferente da sua primeira obra, e com capacidade para deixar desiludidos todos os que ficaram impressionados com o romance de estreia do jovem autor brasileiro.

No entanto, encontram-se aqui todas as suas marcas: humor e sarcasmo misturados com nostalgia, descrição do "bas fond" da cidade, amores desmedidos, sexo. Em "O Dia Mastroianni" há uma cidade que já não é Copacabana, mas também é. Uma cidade que o leitor vai percebendo como cada vez mais irreal, fruto dos vapores do álcool e das drogas que, durante as 24 horas em que se passa a acção, são ingeridas pelas personagens principais, Pedro Cassavas e Tomás Anselmo.

Dois jovens - "comparsas do tédio", "volúveis e voláteis" - da geração dos "escritores sem livro, músicos sem disco, cineastas sem filme" que vagueiam pelas ruas como se fossem Marcello Mastroianni a vaguear por Roma num filme de Fellini. Um romance de geração, mas "um romance de geração ao contrário", como escreveu André Nigri, na revista "Bravo!".

"O verdadeiro herói é o que se diverte sozinho", citação de Charles Baudelaire, é a primeira epígrafe do livro. O "eu fui o maior onanista do meu tempo" de Oswaldo de Andrade, a segunda. E assim está dado o tom ao livro que por vezes tem um texto "carregado com adjectivações excessivas" (é o próprio Cuenca quem o diz) mas que serviram ao autor para construir a imagem e o estado de espírito do narrador, Pedro Cassavas, pretenso artista, cheio de planos e de intenções mas que não realiza nada.

João Paulo Cuenca meteu no livro todos os clichés de uma geração que, como alguém já disse, por tanto temer os lugares comuns acaba por se confundir com eles.

Romance salpicado de brincadeiras e de referências literárias, está aqui a influência de João do Rio, dandy que descrevia afrancesadamente a sociedade carioca do início do século XX. Baudelaire, Rimbaud, Oscar Wilde. O Oswaldo de Andrade de "Serafim Ponte Grande" é outra referência enorme e também não se pode compreender "O Dia Mastroianni" sem pensar em "Pilatos" de Carlos Heitor Cony em que a personagem principal diz: "a literatura só se salvará se voltar às suas origens. O folhetim, a aventura, a escatologia" (Cuenca gosta de acreditar que conversou um pouco com este livro que Cony escreveu em 1973).

E há aqueles diálogos que abrem alguns capítulos, em que o narrador é interrogado (por Deus? por um crítico literário? pelo leitor?) e onde João Paulo Cuenca, jovem autor, não escapa à sua própria crítica.

É um romance que tanto se pode odiar como amar. E nessa dificuldade de estabelecer pactos com o leitor que está a graça. Mas quando se entra no espírito, é um romance que nos diverte. Como poucos.

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