Centenários de Manuel Guimarães e de Mario Monicelli assinalados na Cinemateca

Um português que aplicou os princípios ideológicos do neo-realismo ao cinema; um italiano que deles se quis autonomizar e assim ajudou a inventar a chamada "comédia à italiana"

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Cartaz de Os Saltimbancos DR
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Jerry Lewis fotografado em Los Angeles, em 2005 Mark Mainz/AFP
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Mario Monicelli no Festival de Veneza, em 2003 VINCENZO PINTO/AFP

O ciclo Rever Manuel Guimarães vai permitir a reconstrução do percurso do cineasta, que se destacou pela aplicação dos princípios ideológicos do neo-realismo à Sétima Arte, nomeadamente a denúncia das desigualdades sociais, patente em filmes como Nazaré (1952), com argumento de Alves Redol, Vidas Sem Rumo (1953-56), ou O Crime de Aldeia Velha (1964).

A sessão de abertura está marcada para segunda-feira, dia 8, às 21h30, com a exibição de Saltimbancos (1951), primeira longa-metragem de Manuel Guimarães, filme "que marcou a diferença no cinema português do começo da década de 1950, relativamente às comédias 'à portuguesa que então se faziam, procurando aproximar-se dos modelos do neo-realismo italiano", realça o comunicado da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema a apresentar o ciclo.

Manuel Guimarães é "um dos mais incompreendidos e mais injustamente desconhecidos realizadores portugueses, cuja obra é urgente rever e redescobrir", lembra ainda a Cinemateca sobre o realizador que surge nos anos de 1950, antes da emergência do Cinema Novo da década de 1960.

Nascido na região de Albergaria-a-Velha, em 1915, Manuel Guimarães iniciou a carreira no cinema, integrado nas equipas de Manoel de Oliveira (de quem foi assistente de realização, em Aniki-Bóbó, em 1942), Brum do Canto ou Arthur Duarte, depois do curso de Pintura da Escola de Belas Artes do Porto.

Realizou o primeiro filme em 1949, a curta-metragem O Desterrado, sobre o escultor Soares dos Reis. Seguir-se-ia Saltimbancos, de 1951, que adaptava o romance de Leão Penedo. Acentuou a crítica social em Nazaré, sobre o dia-a-dia dos pescadores, e em Vidas Sem Rumo, centrado nas comunidades mais pobres de Lisboa, obras que o transformaram em alvo da censura e da ditadura do Estado Novo.

Para sobreviver, passou a dirigir filmes comerciais e reportagens de acontecimentos desportivos. Foi nesse contexto que surgiu A Costureirinha da Sé (1958), exemplar tardio da comédia "à portuguesa", já em registo de filme-opereta, filmado na zona histórica do Porto e marcado por um apurado trabalho da cor.

Na década de 1960, dirigiu O Crime da Aldeia Velha (1964), sobre a peça homónima de Bernardo Santareno, e "O Trigo e o Joio (1965), a partir do romance de Fernando Namora.

O documentário, porém, dominava a sua actividade regular: produções de arte para a RTP e filmes sobre temas como os tapetes de Viana do Castelo, o ensino das Belas Artes, o escritor Fernando Namora, o escultor António Duarte, os pintores Dórdio Gomes e Júlio Resende, ou Areia Mar Mar Areia, já da década de 1970.

Tráfego e Estiva (1968), curta-metragem sobre Lisboa ribeirinha, com música de Carlos Paredes e narração de Luís Filipe Costa, foi o primeiro filme português rodado em 70 milímetros.

Em 1972, Manuel Guimarães ensaiaria a comédia em Lotação esgotada". Mas foi com Cântico Final (1975), a partir do romance de Vergílio Ferreira, que fez ressoar, no protagonista, os seus últimos anos de vida, como destaca a Cinemateca, na apresentação da obra. "Tocante reflexão biográfica", escreve a instituição, Cântico Final é a súmula perfeita de uma vida norteada por um sentido ético inflexível e uma obra desalinhada dos padrões críticos da sua época, mutilada pela censura e menosprezada pela história do cinema, mas sempre caracterizada por uma grande dignidade artística".

Manuel Guimarães morreu em Janeiro de 1975, aos 59 anos. A montagem de Cântico Final foi concluída por seu filho, Dórdio Guimarães.

O ciclo Rever Manuel Guimarães vai decorrer até 30 de Junho, na Sala Luís de Pina. A retrospectiva antecede a exposição Manuel Guimarães, sonhador indómito, com curadoria de Leonor Areal, que será inaugurada a 18 de Outubro no Museu do Neo-realismo, em Vila Franca de Xira, onde ficará até 28 de Fevereiro de 2016.

Este ciclo dedicado a um noma marcante da história do cinema português vai decorrer em simultâneo com uma programação em que a Cinemateca celebra, neste mês de Junho, outros dois nomes fundamental da história mundial da Sétima Arte: o actor e realizador norte-americano Jerry Lewis e o realizador italiano Mário Monicelli (1915-2010). Do primeiro, está já a decorrer, na Sala M. Félix Ribeiro, o ciclo A ordem desordenada, título que expressa bem a diversidade incatalogável da carreira desta personagem, actualmente com 89 anos.

Iniciado no passado dia 3 de Junho, o ciclo exibe este sábado Um Espada para Hollywood (1956), realizado por Frank Tashlin, e, segunda-feira, O Herói do Regimento (1957), de George Marshall. O programa dedicado a este que a Cinemateca apresenta como "o último dos cómicos totais" do cinema vai prolongar-se até ao mês de Julho.

Já na próxima semana, a partir de sexta-feira, dia 12, novo ciclo, desta vez dedicado a um dos grandes nomes da comédia à italiana, na passagem do centenário do nascimento de um cineasta que não era crente nas propostas do neo-realismo iitaliano, estando obviamente ensopado pela ferocidade da realidade. Mario Monicelli, Cem Anos de Cinema vai exibir nove filmes, entre Gangsters Falhados (dia 12) e Um Herói do Nosso Tempo (dia 24).