Carminho e o fado nas alturas
A estreia absoluta no CCB de Canto, o novo disco de Carminho, foi efusiva mas mostrou que ele precisa de maior "rodagem"
A esse mérito juntou-se a boa forma vocal de Carminho, acentuando embora em palco uma característica que já era patente na estreia, em Fado, que se acentuou em Alma e que é mais evidente em Canto, o disco novo: uma predilecção pelas alturas, pelas gamas altas, em voos arriscados que só não lhe são fatais porque ela é exímia na gestão do canto nesse difícil patamar. Há fadistas que sussurram, outros que arrastam a voz, outros ainda que gritam. Ela não grita, mas a voz voa-lhe com facilidade, deixando por vezes na plateia a sensação de perigo iminente na afinação e no fôlego. Falso alarme: ela é como a trapezista que voa sem rede porque controla milimetricamente os movimentos. Apesar disso, e dos merecidos aplausos, há um risco nesta opção vocal que a prazo lhe pode sair caro (em termos físicos, das próprias cordas vocais) e que no imediato sacrifica, sem querer, subtilezas e modulações que a favorecem, porque tem excelentes graves e, como é audível no disco, sabe usá-los em cambiantes expressivos.
Não por acaso, os momentos onde o estilar de Carminho se revelou superlativo vieram ambos de Alma: Folha, quase no início; e Escrevi teu nome no vento, no encore. O início, ainda a frio, com A ponte, Saia rodada e Porquê (“O fado não prende, o fado liberta”, disse ela entre estas duas últimas) foi, no entanto, promissor, abrindo caminho a Chuva no mar (que no disco é cantado em dueto com Marisa Monte), Andorinha (um fado dela) e Espera, que tão bem soou no Fado Janelas Enfeitadas. Outra incursão nos talentos do Brasil, com o Sol, eu e tu (de Caetano, Tom Veloso e César Mendes) e regresso a Alma, com um fado originalmente escrito por Manuela de Freitas para Camané e que Carminho, por ser o seu “fado favorito”, gravou a fechar o disco Alma.
Um instrumental, ora contido ora exuberante, criou um “intervalo” para o regresso da fadista, agora com um tema de Carlos Paião, História linda (que no disco só está nos extras da edição especial) e mais dois inéditos: Contra a maré (segundo fado dela, que pela primeira vez arrisca aqui a composição e sai a ganhar) Vou-te contar (este com letra e música de Diogo Clemente) e Ventura, um tema que Miguel Araújo escreveu e de que ela gostou tanto que o gravou. Para este, entrou Edu Miranda em palco, primeiro na viola e mais tarde no bandolim, juntando-se aos cinco músicos que ali estavam desde o início: Diogo Clemente (viola), Luís Guerreiro (guitarra portuguesa), Marino de Freitas (baixo), Ruben Alves (acordeão e teclas) e André Silva (bateria e percussões).
Antes de Ventura, houvera novo regresso a Alma com dois temas (As pedras da minha rua e Bom dia, amor) e, depois, Meu amor é marinheiro, do primordial Fado. Destino, de Alberto Janes, foi mais um dos momentos em que as raízes da música tradicional portuguesa ali se entrelaçaram no fado, e A canção, de Martim Vicente, levou até à voz de Carminho a “voz” de um jovem saído dos Ídolos e agora prestes a lançar-se a solo.
Por fim, o encore trouxe, como no início se escreveu, Escrevi teu nome no vento, com Carminho (emocionada) no seu melhor nível, e repetiu o festivo e gaiato Saia rodada. Menos tocante ainda no palco do que no disco, pelo nervoso ou pela pressão da estreia, Canto terá vida longa. Carminho há-de fazê-lo crescer, com o seu portentoso talento.
Depois do CCB, em Lisboa, Canto tem já apresentações marcadas em Beja, no Pax Júlia (dia 25), em Arcos de Valdevez, na Casa das Artes (1 de Novembro), no Coliseu do Porto (8), em Braga, no Theatro Circo (28) e, por fim, já em Dezembro, em Vila Nova de Famalicão, na Casa das Artes (12) e em Faro, no Teatro Municipal (13).