Boyhood, Grand Budapest Hotel e liberdade de expressão celebrados nos Globos de Ouro
Richard Linklater foi o melhor realizador, Grand Budapest Hotel a melhor comédia e lembrou-se o Charlie Hebdo e o ataque à Sony.
Amy Adams, Juliane Moore, Michael Keaton e Eddie Redmayne também foram premiados, as séries de televisão que estão a mudar a paisagem televisiva porque não pertencem a canais de TV ou se servem em doses cada vez mais concentradas receberam Globos e a festa fez-se com as apresentadoras Tina Fey e Amy Poehler como anfitriãs pela terceira e última vez. E não se esqueceram de outro caso quente dos últimos meses, as acusações de mais de 15 mulheres ao comediante Bill Cosby que dizem ter sido drogadas e alvo de abusos sexuais. Sobre o filme da Disney Caminho da Floresta, um olhar sobre vários contos de fadas, as duas humoristas disseram que Bela Adormecida também entra no filme mas "achava só que ia beber um café com Bill Cosby".
Três Globos para Boyhood – realizador, melhor actriz e melhor filme dramático, estando nomeado em cinco categorias –, dois para Birdman, que era o mais nomeado com menções em sete categorias – e que encontrou o melhor actor de filme de comédia ou musical em Michael Keaton e o melhor argumento –, e dois para A Teoria de Tudo – Redmayne e melhor banda sonora original. Ficaram em branco alguns dos mais nomeados, como O Jogo da Imitação, que partira com cinco menções, ou a minissérie True Detective, com quatro.
Um tom indie atravessou os Globos, como notou a Hollywood Reporter, sendo o grande vencedor da noite Boyhood, um premiado de baixo orçamento em comparação com vitórias passadas. Birdman, um aparente favorito na corrida aos Óscares, perdeu algum do seu vigor quando o prémio de melhor comédia foi para o caper de Wes Anderson Grand Budapest Hotel, e o Globo de melhor actor secundário foi para J. K. Simmons por Whiplash/Nos Limites, o filme de abertura do Festival de Sundance em 2014 sobre um aluno de jazz de quem Simmons é um duro professor.
A contabilidade para os Óscares parece favorecê-lo, arrisca o analista e editor da Variety Tim Gray, bem como a Juliane Moore pelo seu papel de uma doente de Alzheimer precoce em O Meu Nome É Alice e a Patricia Arquette como a mãe na viagem filmada ao longo de 12 anos na vida de uma família que é Boyhood. Partem agora para as nomeações para os Óscares com dois Globos muito aplaudidos pela plateia e com muitos elogios e prémios já entregues pelas associações de críticos.
Fala-se da plateia dos Óscares porque ela se compõe e compôs dos profissionais em maior número nas urnas da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood: actores, alguns produtores e realizadores. A Associação de Imprensa que atribui os Globos faz-se de 93 jornalistas que criaram ao longo de 72 edições uma identidade própria para o seu galardão, mas não tem reflexo nas votações da Academia, levada a cabo por 6124 pessoas. Na última década, só quatro filmes vencedores nos Globos receberam também o Óscar. Ainda assim, nos últimos dois anos o vencedor na categoria de filme dramático foi também o vencedor do Óscar (12 Anos Escravo e Argo).
Mas numa noite que é conhecida por ser exactamente essa antecâmara (normalmente bem regada pelo champanhe servido ao jantar) mais descontraída dos Óscares, cujas nomeações são conhecidas esta semana, a comédia também se fez de temas que dominam a actualidade. E a atmosfera, como escreve o New York Times, estava “incaracteristicamente séria”. O escândalo do ataque informático à Sony Pictures não foi esquecido no número de abertura pelas duas comediantes e actrizes, que anunciaram estar ali para homenagear “todos os filmes que pareceram OK à Coreia do Norte”. A violência que se abateu sobre Paris no final da semana foi, no entanto, o que marcou o tom dos momentos mais solenes da cerimónia.
Do discurso de George Clooney à carteira de Amal Clooney ou aos pins de Helen Mirren e Alexandre Desplat, a mensagem “Je suis Charlie” perpassou a cerimónia, da passadeira vermelha às intervenções de outras figuras do sector como o oscarizado Jared Leto. Clooney, que foi distinguido nos Globos com o seu prémio de carreira Cecil B. DeMille – é o mais nomeado de sempre em diferentes categorias dos Globos de Ouro e foi também distinguido pelo seu trabalho humanitário –, descreveu o domingo como "um dia extraordinário: milhões de pessoas marcharam não só em Paris mas em todo o mundo, e eram cristãos e judeus e muçulmanos, eram líderes de países de todo o mundo e não marcharam em protesto – marcharam em apoio à ideia de que não caminharemos sob o medo". "Por isso, je suis Charlie", rematou.
E foi o presidente da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, os correspondentes de vários países que atribuem os Globos, que primeiro falou, sem o comic relief de Poehler e Fey, dos temas mais quentes das últimas semanas e sua relação com a indústria. “Todos estamos unidos contra qualquer pessoa que reprima a liberdade de expressão, de qualquer parte, da Coreia do Norte a Paris”, disse Theo Kingma, que teve uma ovação em pé.
Na televisão, ou na noção alargada do que é hoje a produção e o consumo de produtos televisivos, os prémios reflectem um novo panorama. Aquele em que uma série produzida pela Amazon, Transparent (recentemente estreada em Portugal no canal TV Séries), faz história ao vencer com a sua história de um pai de família que revela ser transgénero. Jeffrey Tambor, o pai da disfuncional família de Arrested Development, é agora o actor premiado que interpretou um homem em transição para a sua identidade real, e Transparent é a primeira série produzida pela maior loja online do mundo a ganhar um prémio de relevo.
Com os canais generalistas a passar a cerimónia em branco e o cabo premium de True Detective (TV Séries), Guerra dos Tronos (SyFy) ou Girls (TV Séries) made in HBO a ser preterido em função dos seus novos concorrentes, House of Cards (TV Séries), criada pelo serviço de streaming Netflix, levou para casa o primeiro prémio após oito nomeações sem vitórias de Kevin Spacey como melhor actor. Foram também premiadas as actrizes Gina Rodriguez (Jane the Virgin) e Ruth Wilson (The Affair, TV Séries); Fargo (TV Séries) foi a melhor minissérie, Maggie Gyllenhaal a melhor actriz nessa categoria com The Honorable Woman (produzida pelo canal Sundance e a passar no TV Séries) e Billy Bob Thornton o melhor actor por Fargo.
Esta quinta-feira são conhecidas as nomeações para os Óscares, que são entregues a 22 de Fevereiro. A entrega dos prémios da Guilda dos Produtores é dia 24 de Janeiro e os prémios da Guilda de Actores (Screen Actors Guild Awards), profissão que conta com o maior número de votantes para a Academia de Hollywood, são distribuídos no dia seguinte. Esta terça-feira revelam-se os candidatos da Guilda dos Realizadores, que há dez anos escolhe o cineasta responsável pelo melhor filme dos Óscares e que entrega os seus prémios a 7 de Fevereiro. A 14 de Fevereiro sabe-se quem ganha os galardões da Guilda dos Argumentistas.
Vencedores dos Globos de Ouro de 2015
Melhor filme dramático
Boyhood
Melhor actor num filme dramático
Eddie Redmayne – A Teoria de Tudo
Melhor actriz num filme dramático
Julianne Moore – O Meu Nome É Alice
Melhor filme comédia ou musical
Grand Budapest Hotel
Melhor actor numa comédia ou musical
Michael Keaton – Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
Melhor realizador
Richard Linklater – Boyhood
Melhor actor série dramática
Kevin Spacey – House of Cards
Melhor actriz série dramática
Ruth Wilson – The Affair
Melhor série dramática
The Affair
Melhor actriz numa minissérie ou telefilme
Maggie Gyllenhaal – The Honorable Woman
Melhor filme estrangeiro
Leviathan, Rússia
Melhor actor numa série de comédia
Jeffrey Tambor – Transparent
Melhor argumento
Birdman – Alejandro G. Iñarritu, Nicolas Giacobone, Alexander Dinelaris, Armando Bo
Melhor actriz – filme
Patricia Arquette – Boyhood
Melhor filme animação
Como Treinares o Teu Dragão 2
Melhor actriz num filme de comédia ou musical
Amy Adams – Olhos Grandes
Melhor actor secundário numa minissérie, telefilme ou série
Matt Bomer – The Normal Heart
Melhor canção original TV
Glory – Selma (John Legend, Common)
Melhor banda sonora original – filme
Johann Johannsson – A Teoria de Tudo
Melhor série de comédia ou musical
Transparent
Melhor actriz numa série de comédia ou musical
Gina Rodriguez – Jane the Virgin
Melhor actor minissérie ou telefilme
Billy Bob Thornton – Fargo
Melhor minissérie ou telefilme
Fargo
Melhor actriz secundária numa minissérie, telefilme ou série
Joanne Froggatt – Downton Abbey
Melhor actor secundário – filme
J. K. Simmons – Nos Limites
A lista completa dos nomeados pode ser consultada aqui.