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Barahona Possolo, do erotismo na Antiguidade ao retrato de Cavaco

"Foi uma atitude corajosa do Presidente", diz o próprio pintor sobre o facto de ter sido escolhido.

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Cavaco Silva, o pintor Barahona Possolo e o retrato oficial Luís F. Catarino / Presidência da República
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Luís F. Catarino / Presidência da República
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Cavaco Silva apresenta o seu retrato Presidência da República
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O retrato do Presidente Cavaco Silva para a posteridade Presidência da República

Carlos Barahona Possolo, o autor do retrato oficial de Cavaco Silva que passa a integrar a Galeria de Retratos dos ex-Presidentes no Museu da Presidência da República, tem uma obra na qual explora a representação erótica de mitos da Antiguidade clássica. É ele o autor do quadro escolhido entre os dois que foram pintados de Cavaco Silva por dois artistas diferentes – ambos escolha pessoal do próprio Presidente, da mulher, Maria Cavaco Silva, e da família mais próxima. O nome do segundo artista não foi revelado.

"Foi uma atitude corajosa por parte do Presidente porque esse estranhamento que o público tem era de esperar face ao resto da minha pintura", reconhece o artista. "É um facto que o retrato é algo muito circunscrito a um tema e tem que ter uma solenidade objectiva, o que o torna um território bastante autónomo dentro da pintura. Mas reconheço coragem na escolha que foi feita. Não seria, talvez, uma escolha consensual."

Com as duas obras prontas, o Presidente pediu a 40 pessoas do seu círculo de colaboradores e familiares que os vissem, sem saber o nome dos respectivos autores, e que votassem naquele que preferiam numa urna colocada à saída da sala. A escolha da maioria recaiu sobre o retrato feito por Barahona Possolo, artista nascido em 1967 e licenciado em Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.

The Republic between Slaunder and Envy Carlos Barahona Possollo
The Night and Her Two Sons Carlos Barahona Possollo
Sour Carlos Barahona Possollo
Bitter Carlos Barahona Possollo
Dyptich Carlos Barahona Possollo
São Dismas Carlos Barahona Possollo
Antinopolis Carlos Barahona Possollo
Primeiro Céu Carlos Barahona Possollo
Rabbi Carlos Barahona Possollo
Despojos Carlos Barahona Possollo
Portal de Luz Carlos Barahona Possollo
O Asdolescente Carlos Barahona Possollo
Navajo Country #1 Carlos Barahona Possollo
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The Republic between Slaunder and Envy Carlos Barahona Possollo

Foi há já "alguns anos" que decorreram as sessões de pintura, durante cerca de dois meses, sempre no Palácio de Belém, aproveitando momentos que Cavaco Silva tinha livres e durante os quais posava para Barahona Possolo. Algum pedido especial? "Havia alguns dados iconográficos que o Presidente queria que estivessem presentes: a Constituição da República, um volume de [filósofo e economista do século XVIII] Adam Smith", recorda o pintor. "Eu sugeri a caneta na mão direita para dar um detalhe de acção. O Presidente insistiu que a marca das condecorações das Ordens tinha que ser muito pequena, por isso é um detalhe que está só na lapela do casaco." Num retrato, "o importante é a personalidade retratada, não quem retrata", sublinha Barahona Possolo. Por isso "é importante respeitar as escolhas do retratado e as expectativas em relação ao resultado final". 

Vendo algumas das obras do pintor, com cenas de nudez e erotismo, poderá surpreender que tenha sido o escolhido por Cavaco Silva. Mas Possolo é também um retratista e em Portugal não existem muitos artistas que dominem bem esta arte. “Há poucos pintores deste género para galerias convencionais de instituições”, diz Anísio Franco, historiador de arte e conservador do Museu Nacional de Arte Antiga. “Houve períodos em que havia pintores especializados – e em Inglaterra, por exemplo, continua a haver artistas muito bons no retrato – mas em Portugal no momento actual há muito poucos.” Cita como o melhor exemplo que conhece o pintor Ricardo Leite.

Barahona Possolo diz que retratar alguém é "um dos desafios mais difíceis que há". "As subtilezas de carácter são demasiado finas para se apanharem facilmente", explica. Além disso, o retratado "tem uma imagem de si próprio e é importante que se reconheça no que está a ser apresentado, não me parece útil que ache que o resultado não tem a ver com ele". Tudo isto implica "uma relação de confiança", dado que "quem vai ser retratado fica de certa forma vulnerável e disponível". 

O que constrange muitos artistas, segundo Anísio Franco, é que “estes retratos têm que se incluir numa galeria que tem uma linha de continuidade que dá pouco espaço a momentos altos de criatividade”. Os pintores de retratos “são obrigados a uma representação muito próxima da realidade, com o retratado a querer reconhecer-se na obra”. No caso da galeria do Museu da Presidência, o historiador considera que o quadro que se destaca é o retrato de Mário Soares pintado por Júlio Pomar. “É dos melhores que estão na galeria, mas nunca se enquadrou. Parece que está a querer sair dali para fora como se quisesse escapar à convenção que impõem as galerias de retratos.” Outro ex-Presidente, Jorge Sampaio, escolheu Paula Rego para lhe pintar o retrato oficial e o processo foi complicado, com a própria artista a não gostar do resultado e a apresentar várias versões antes da escolha final.

Para Barahona Possolo, pertencer a partir de agora a esta galeria é "um prestígio enorme e uma honra" - não apenas institucional, mas, frisa "uma honra por estar ao lado de Paula Rego e de Júlio Pomar, dois artistas que admiro muitíssimo, além dos antecessores todos, começando pelos Columbanos, que são os deuses fundadores da nossa pintura realista [Columbano Bordalo Pinheiro retratou Manuel de Arriaga, Teófilo Braga e Manuel Teixeira Gomes, respectivamente em 1914, 1917 e 1925]". E conclui: "Não poderia em nenhuma galeria nacional estar junto de nomes mais prestigiantes." 

E há limites quanto à forma de representar um Presidente? "No limite, o artista só tem que pintar a pessoa de forma a que se perceba quem está representado", afirma Diogo Gaspar, director do Museu da Presidência. Na galeria, explica, existem retratos mais formais e mais informais. "Mesmo na I República, há retratos mais convencionais do que outros. Já o Estado Novo é um período em que a convencionalidade impera, mas isso tem muito a ver com a forma como se vê o poder e o exercício da soberania. No pós-25 de Abril há de novo uma liberdade criativa."

Um dos retratos que não hesita em descrever como "genial" é o de Teófilo Braga, de Columbano. "É um retrato não convencional, que rompe com a tradição dos seus antecessores, embora reis, é o retrato psicológico de um homem mais do que de um Presidente da República". Tal como acontece com o de Mário Soares, que é, acima de tudo, "um retrato psicológico de um comunicador que rompe o formalismo da galeria mas tem na Cadeira dos Leões o elemento iconográfico que remete para o cargo". Quanto a Ramalho Eanes, retratado de forma realista por Luís Pinto Coelho, destaca-se por ter sido o primeiro Presidente da República militar a surgir não fardado na pintura oficial. Cavaco Silva, diz Diogo Gaspar, "escolhe um retrato que é de alguma forma também psicológico." A pintura de Barahona Possolo "retrata muito a forma com o Presidente se quer ver e rever na História e, sendo bastante mais convencional, não deixa de ter um traço de personalidade." 

O director do Museu da Presidência chama, no entanto, a atenção para um facto: até hoje nenhum Presidente escolheu ter o retrato feito por um fotógrafo. "Olham ainda para a galeria com a ideia de que a tela e o óleo são os materiais nobres." com São José Almeida

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