Somos constantemente solicitados a contribuir para a audit society em que vivemos: fazemos uma operação bancária mais complexa, recorrendo aos ofícios de um “gestor de conta”, e ao fim de alguns dias recebemos um telefonema a pedir para avaliarmos o banco e os seus funcionários, segundo parâmetros de satisfação que vão de um a dez; pomos o carro na oficina, para uma revisão, e mal o retiramos somos contactados por um profissional de relações públicas que nos pede para fazermos uma avaliação dos serviços prestados, incluindo a solicitude com que fomos atendidos, usando mais uma vez a canónica tabela de um a dez; usamos os serviços técnicos da companhia que nos fornece telefone, Internet e tutti quanti (companhias especializadas em vender-nos o que não queremos comprar), e haveremos de ser convidados, por telefone, a fazer a avaliação quantitativa do “desempenho” dos anjos cibernéticos que são verdadeiros ministros de um poder executivo oculto. Sempre que respondemos a estes inquéritos, estamos a participar num sistema de controlo exercido em cadeia: cada um controla o próximo, através dos métodos policiais da avaliação, e é estimulado a exercer formas de auto-controlo e auto-avaliação. A avaliação, que corresponde hoje a uma ideologia e a uma cultura que se exprimem em índices, rankings, classificações, cálculos, medidas, relatórios, instrumentos de intelligence administrativa, tornou-se um poder esotérico de grande alcance. E assim se realizou, através de um saber sistemático de controlo pela avaliação, a grande utopia panóptica. Lembremos que o Panóptico é um modelo de arquitectura prisional, inventado por Jeremy Bentham, no século XVIII, que permitia uma vigilância total sobre os presos por uma só pessoa, a partir de um único posto de observação. Foucault viu nele a própria fórmula do governo liberal, que ele definiu desta maneira: trata-se de um tipo de governo que, para promover o mais possível a ausência do Estado, precisa de disseminar a disciplina e o controlo por todo lado. Podemos hoje falar de um “Estado avaliativo” (experimentemos traduzir assim o título de um livro publicado nos Estados Unidos em 2012, The Evaluative State), que só pode ser compreendido à luz da transformação da sociedade em sociedade do conhecimento e cujas políticas públicas decorrem de uma adequado sistema informativo e de uma vasta informação métrica: “You can’t manage what you can’t measure”, disse um especialista americano nestas matérias. Hoje, a verdadeira arte política dos governos democráticos, do poder cibernético-governamental, é a estatística. Daí, a orgia de números no discurso público que somos obrigados a atravessar, todos os dias, em todo o lado. Os centros de decisão do poder político são centros de cálculo e de tradução estatística. E o nosso horizonte está preenchido pela aritmética política, por um governo planetário dos números. A avaliação, ferramenta primeira da actual técnica gestionária, pode ser definida como um poder regulador e uma polícia científica (a Polizeiwissenschaft era uma disciplina ensinada nas universidades alemãs, desde o século XVIII). Ela é uma racionalidade estatal. E, como mostrou Foucault nos seus seminários sobre Segurança, Território, População, a história da estatística entrelaça-se com a história da polícia: a estatística é o instrumento fundamental da organização da polícia. Ora, um Estado racional — um Estado dotado dos instrumentos capazes de qualificar, medir hierarquizar, indiciar, codificar, verificar, apreciar — requer uma ciência da polícia.
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