As alunas musas e o professor poeta
Com L'Accademia delle Muse, o catalão José Luis Guerin sabota o academismo com humor e inteligência.
Não é o único. O novo filme do catalão José Luis Guerin, estreado na secção paralela “experimental” de Locarno Signs of Life, instala-se todo ele na dúvida metódica: estamos a ver um documentário, ou uma ficção, ou uma ficcionalização de um curso de poesia e literatura do académico napolitano na Universidade de Barcelona, ou um documentário enriquecido com interlúdios ficcionais? (Para complicar as coisas: o elenco é todo ele não-profissional, composto de académicas, críticas, sociólogas, usando os seus próprios nomes e interpretando-se a si próprias ou a versões de si próprias.)
Às tantas, já não interessa. Não só porque o cineasta de Comboio de Sombras e En la Ciudad de Sylvia não tem feito outra coisa que não seja diluir essas fronteiras, mas porque L'Accademia delle Muse se torna numa brilhantíssima, divertidíssima, esquinada... comédia romântica.
Sim, leram bem. Mais comédia do que romântica, talvez, mas como o tema é o amor, faz sentido que assim seja: o curso de Raffaele Pinto tem a ver com Dante, a Divina Comédia e o papel das musas na poesia, e o filme acompanha ao longo de um semestre o modo como uma série de alunas que o frequentam fazem as vezes de “musas” do poeta.
Ou, dito de outra maneira, como as alunas/musas se deixam seduzir pelo professor/poeta, contrapostas à relação quase antagónica do professor com a sua esposa (também ela académica). Ou, ainda, como o professor usa o seu poder de sedução para deslumbrar as alunas e de como elas percebem aos poucos que estão a ser (para citar um célebre título) seduzidas e abandonadas, ou descartadas pelo caminho, uma vez tendo servido o seu propósito.
Ou seja: esta é a história de um professor pinga-amor e das mulheres que se deixam levar na sua cantiga. Altura em que a esposa diz, muito pragmaticamente, que “o amor é uma invenção da literatura”, ao que o marido todo lampeiro responde que “os poetas escrevem na linguagem do amor”. E se a poesia não passasse de uma boa desculpa para sacar miúdas? E se tudo não passasse de um permanente jogo galante? Guerin convida-nos a entrar no jogo e saímos dele deliciados.