Agora sim, vamos trepar paredes com os Metz
O trio canadiano está de regresso com novo disco. II é uma sequela mais negra, mais agressiva, mais corrosiva. E bem mais próxima do furacão que eles são em concerto.
Os Metz são mais ou menos isto ao vivo, como pudemos comprovar em 2013 no Porto, no Plano B e depois no Primavera Sound, e em Lisboa, na ZDB. Mas não eram bem assim em disco: o álbum homónimo de estreia, editado pela Sub Pop em finais de 2012, mostrava uma infusão de noise, punk e indie rock agressiva mas cautelosa, menos dilacerante. Agora esse desfasamento foi corrigido. Em II, o novo disco do trio canadiano, lançado este mês novamente sob a alçada da Sub Pop, sentimos o furacão que os Metz são quando estão à nossa frente, em carne e osso. É uma sequela do primeiro registo em versão melhorada: mais pesado, ruidoso e corrosivo, menos polido na produção, mais próximo do que estes rapazes soam ao vivo. Agora sim, podemos trepar paredes com os Metz.
Nada é por acaso. Andaram em digressão durante dois anos, quase sem parar, o que foi determinante para o salto qualitativo de II. “Aquela tour gigante influenciou definitivamente este novo disco. Acho que é mais confiante, tem canções melhores e é tocado de uma forma mais confortável. Isso resultou de tocar muito ao vivo”, diz o vocalista e guitarrista Alex Edkins ao Ípsilon a partir de Toronto, a sua cidade natal.
Não chegaram a ceder ao cansaço. “Nunca chegámos àquele ponto em que não nos divertimos nem começámos a odiar-nos uns aos outros. Isso seria um sinal para parar”, clarifica Edkins. Além disso, como dizer não à oportunidade de partilhar o palco com os Mudhoney e os Meat Puppets, luminárias do indie rock dos 80s e 90s e fãs confessos dos Metz? “Foi um período desgastante mas incrível. Continuávamos a receber convites que não podíamos recusar, incluindo tocar com alguns dos nossos heróis, como os Mudhoney.”
O primeiro disco dos canadianos valeu-lhes comparações recorrentes com a supracitada banda, o que não sendo descabido é um pouco preguiçoso. Jesus Lizard, Nirvana e Drive Like Jehu são inclinações mais notórias. Mas o que faz dos Metz um caso válido é o facto de que não ficaram demasiado apoiados nestas muletas estilísticas nem se limitaram a regurgitar as referências. Neles o passado faz-se presente, com um som que não traz nada de novo mas que carrega uma urgência, uma tensão, uma desesperança, uma misantropia e uma fúria desembestada deveras pertinente nos tempos que correm. E altamente aconselhável para desenjoar da música indie flácida e de brandos costumes que vai chegando aos nossos ouvidos todos os dias.
Morte e sujidade
II é mais negro, tanto nas canções como nas letras. Tal como o registo de estreia, continua a reflectir a ansiedade de viver numa grande cidade (“Toronto é uma megacidade com muita pobreza e crime e as rendas estão a disparar”, refere Edkins) e num mundo cada vez mais corrompido, mas é também assombrado pela morte. “Durante boa parte da minha vida não tive a experiência de perder pessoas próximas. Estive protegido disso até há pouco tempo”, explica o vocalista. “Perdi dois familiares e acho que isso coloca tudo em perspectiva. Começas a perceber o que realmente importa e tentas não ficar incomodado com coisas que, no fundo, são superficiais.”
“Continuo pessimista mas sei que tenho alguma sorte na vida”, confessa. Como conseguir viver da música, o que Edkins achava totalmente impossível quando os Metz começaram. “Oh meu deus, claro que não estava à espera disso”, exclama, entre gargalhadas. “Temos passado a nossa vida a tocar e a ir a concertos de punk, portanto adoramos estar assim."
A agressividade e o som sujo dos Metz também são influenciados pelo local onde ensaiam, “um autêntico pardieiro com más vibrações”. “Partilhamos o espaço com os Fucked Up. Não tem janelas, tem carpetes todas manchadas, comida pelo chão… é terrível, mas é o que podemos pagar em Toronto.” A limpeza não é coisa que lhes assista. “Culpo os outros rapazes pela falta de asseio”, graceja Edkins.
Melhorar sem mudar
II é o resultado de uma banda extremamente sólida e eficiente que soube potenciar as capacidades individuais de cada membro. Alex Edkins berra mais e melhor e manda riffs de guitarra directos à veia jugular (ouvir I.O.U. ou Landfill), e a secção rítmica está uma máquina bem afinada, com o baixo de textura sludge de Chris Slorach a dar ainda mais corpo à bateria impiedosa de Hayden Menzies. Só coisas bonitas, que já se adivinhavam no single de avanço do álbum, Acetate, mostrado ao mundo em Fevereiro. É a canção de abertura, servindo como prefácio e resumo do que vem a seguir.
E o que vem a seguir é para ouvir com o volume bem alto. Spit you out tem ginga peçonhenta para dançar num chão conspurcado de cerveja – os Jesus Lizard e os Nirvana de Bleach (ou da segunda metade do Incesticide) tiveram um bebé e saiu assim, perfeitinho. The swimmer, Eyes peeled e Nervous system são raiva e angústia em rédea solta, com Edkins disposto a ficar sem cordas vocais (“I’m not in love with who I am/ Just barely holding on to anything I can”, grita ele em Eyes peeled). Kicking a can of worms faz-se de uma podridão arrastada e do peso meteorítico de uns Helmet, com a bateria de Menzies a dar uma sensação de aperto e dilatação, uma dinâmica rítmica evidente nas restantes músicas.
Neste disco também se ouvem solos de guitarra bem esgalhados, coisa que faltava no anterior; algumas notas de piano e samples (uma novidade), que funcionam quase como estalidos sonoros (“Não os tornámos muito óbvios para não nos desviarmos do objectivo”); e pontes de distorção a fazer lembrar os Sonic Youth. Mais um certo impulso dançável? “Sim, tens razão. Sabe-se lá de onde veio mas por agora parece-nos bem”, diz Alex Edkins.
No final da conversa perguntamos-lhe como foi a recente digressão com os enormes Lightning Bolt. “Acabamos de chegar a casa dessa digressão. Foi fantástico, eu adoro-os. E é mesmo impossível soar mais alto do que eles”, responde. É impossível, sem dúvida, mas os Metz também sabem, à sua maneira, dar cabo dos nossos ouvidos.